junho 25, 2011

ISTO É PARIS


No blog da Cosac Naify: 
"Em Isto é Paris, entre as páginas ilustradas com as margens do Sena em mosaico, com o Arco do Triunfo e a torre Eiffel (que não coube em uma só),Miroslav Sasek desenha vários personagens. É porque – acho – os parisienses são tão imbuídos da cidade e a cidade tão impregnada deles, que se tornam parte do cenário, criaturas da mesma arquitetura. Em 1958, quando Sasek fez o livro, hirondelles voavam de bicicleta e os homens usavam chapéu, ou boina. Quando morei lá, quase meio século depois, já não era assim. Mas conheci muitas mesdames e messieurs Dupont – nome que Sasek nota ser um Silva francês. Todos que conheci, simpáticos ou mal-humorados-daqueles-que-bufam , não falhavam: tinham sempre um bonjour na ponta da língua. Com o livro de Sasek, lembrei de alguns deles. Gente, para mim sem sobrenome, que se tornaram Duponts de Paris.
Tinha o Monsieur Paul, marchand de journaux, disposto, das seis da manhã às sete da tarde, a conversar com os fregueses carentes ou apenas falantes, e ao mesmo tempo ciente de que com alguns bastam bonjour, merci e au revoir. Ele, de direita, e a mulher, Mireille, de esquerda, só comentavam as notícias de maneira neutra. Mas se entusiasmavam com as mudanças do tempo: “O sol hoje, ah, é só pra decoração”. E com a clientela infantil. Minha filhota, sempre fantasiada, era, para o Monsieur Paul, “la princesse du Boulevard”.
Pelas ruas do Cinquième, eu cruzava todo dia – inclusive finais de semana – com um senhor de macacão verde oliva um pouco sujo, barba e cabelo abundantes, sempre em batalha, de corsel et poivre, pra usar duas expressões francesas que gosto muito. Às vezes, usava boina. Eu achava estranho um senhor tão simplesinho e tão apegado ao uniforme, mas respondia: bonjour. Na TV, por acaso, aprendi que era o jardineiro-chefe do Jardin des Plantes, um erudito na história das plantas e do paisagismo, com uma dezena de livros publicados. Sucessor de gente como Lamarck e Leclerc (o conde Buffon) que talvez andassem em macacões semelhantes pelas alamedas do Jardin des Plantes, séculos antes.
Quem também não gostava muito de mudar de roupa era um dos meus professores de francês, Monsieur Antoni-Gautier. Às segundas, terças e quartas, ele ia ao curso com a mesma camisa, a mesma gravata, a mesma calça, o mesmo cinto. Quinta e sexta, outro conjunto para a parte de cima, mas mesma calça, mesmo cinto. Às vezes a camisa e a gravata eram repetidas só um ou dois dias e eu percebi que a troca acontecia a cada três dias para o conjunto superior e seis dias para o inferior, incluindo finais de semana, o que provocava o estranhamento de eu vê-lo aparecer na segunda com uma roupa que durava só um ou dois dias. Por falar em final de semana, ele era tão tradicionalista, tão francês, que não falava weekend, como todo mundo na rua. Ingleses, e mais ainda a língua inglesa, eram seus inimigos mortais, uma maldição. Coerente, ele não dizia bon weekend e nem bonne fin de semaine, como todos. Esta última fórmula, embora francesa, ele explicava, valeria só para o sábado, já que domingo é início de semana. Às sextas-feiras, portanto, Monsieur Antoni-Gautier se despedia com um belíssimo “Je vous souhaite une agreable pause hebdomadaire”. Desejo a vocês uma agradável pausa semanal.
 A concierge de Sasek me fez lembrar da dona Lucinda, que fazia faxina hebdomadária em casa munida de dezenas de lingettes – aquelas tirinhas de papel que já vêm embebidas em desinfetante. Lingettes e nada mais. Sentava como a concierge do livro. No bistrô da página 24, eu vi o Monsieur Bonbon que chamávamos assim porque sempre dava uma balinha – um bonbon – pra Lina. 
A senhora desenhada com uma baguete que vai dos joelhos à última pétala da rosa do chapéu me lembrou um velhinho nosso vizinho que, por volta das cinco da tarde, voltava ao prédio com uma baguetona debaixo do braço e sempre comentava as últimas da meteorologia. 
 Os outros personagens de quem gostaria de falar estão nas páginas de Isto é Paris, ou por aí, em Paris".
Flávia Varella

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