junho 04, 2011

Em defesa da "formiga" Portugal

Os portugueses vão amanhã às urnas vergados ao peso de uma autoestima abaixo de zero.
Sempre haverá quem diga que baixa autoestima é uma característica intrínseca do português, do que daria prova a melancolia de sua canção típica, o fado.
Mas o que mais machuca no momento é a constante insinuação de líderes dos países ricos da Europa de que os portugueses são as cigarras que flanaram durante o verão da bonança econômica mundial e, agora que chegou o inverno da crise, correm a pedir socorro às formigas que tanto trabalharam, no verão como no inverno.
Essa lenda deixou de ser apenas uma insinuação no fim do mês passado, quando a chanceler alemã Angela Merkel assumiu-a ao dizer que os alemães não estavam satisfeitos em bancar países em que as pessoas trabalham menos e se aposentam mais cedo, citando Portugal nominalmente.
A afirmação é falsa: pesquisa da OCDE, o clubão dos 30 países mais ricos do mundo, mostra que os portugueses são os que mais trabalham entre as tribos da OCDE, excetuados mexicanos e japoneses. No emprego e fora dele, trabalham 8,8 horas por dia, mais, portanto, do que o "nine to five"" que os Estados Unidos popularizaram. Na Alemanha, o total trabalhado não passa de 7,41 horas.
No capítulo aposentadoria, a idade efetiva em que os portugueses se aposentam é maior do que a do alemão (67 anos x 61,8 anos). Férias: 30 dias na Alemanha contra apenas 24,5 em Portugal.
O problema, pelo menos o conjuntural, que levou Portugal ao buraco não é o suposto bem-viver de seus habitantes. A explicação idônea foi dada pelo primeiro-ministro em funções, o socialista José Sócrates, que quase certamente engrossará o elenco de desempregados a partir de segunda-feira, que já é um recorde (12,6%)
Sócrates culpa o que chama de "história perversa", assim descrita: "Os Estados europeus deram o seu melhor para atenuar as consequências da crise provocada por mercados desregulados; com isso, endividaram-se para ajudar a sua economia e as suas famílias e, agora, são os mercados financeiros que apontam o dedo aos Estados porque se endividaram para salvar esses mesmos mercados financeiros que pediram ajuda aos Estados".
Vale para Portugal e para todos os países que já naufragaram na crise (Irlanda, Grécia) ou correm o risco de afundar, como a Espanha.
Não por acaso, caíram os governos de todos os três náufragos, e o da Espanha tomou uma surra inédita nas eleições municipais do dia 22.
Também não por acaso, surgiram em todos eles, menos na Irlanda, movimentos espontâneos de protesto, à margem dos partidos e contra eles, até porque todos são considerados corresponsáveis pela crise.
Enquanto isso, a "cigarra" Portugal paga um altíssimo preço pela farra que não fez: itens essenciais, como remédios, tiveram queda nas vendas de 8,8% no primeiro trimestre sobre mesmo período de 2010. A venda de automóveis caiu 14,2% no primeiro quadrimestre, a frequência a restaurantes diminuiu 30%.
Pior: o eleito amanhã, seja qual for, terá que seguir o programa de austeridade imposto pelo FMI e pela União Europeia. Alguma surpresa com o fato de que 61% dos portugueses acham que a situação econômica estará pior dentro de um ano? 


CLÓVIS ROSSI 

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