junho 20, 2011

Cinema, cheiros e lembranças

Estas divagações começaram a propósito do filme INFIEL, da Liv Ulman, roteiro de Ingmar Bergman, que foi objeto da coluna do Pondé desta segunda feira(post que antecede a este). Não me parecendo apropriado, transferi para cá, porém continuam lá as imagens da cena do'abandono'(não localizei o trailer) ...
As emocionantes (e emocionadas) imagens nos remeteram à uma observação de Woody Allen, a propósito do cinema americano, expostas no projeto que deu origem ao felliniano Memórias. Segundo ele, e não temos como discordar, filme americano não reproduz rostos e ações de pessoas comuns. Criam personagens míticas, charmosas, que vivem situações fantásticas e, por isso, seus intérpretes permanecem no imaginário coletivo. Tal idéia é diametralmente, oposta ao chamado 'cinema de diretor'. Estes (diretores) criam personagens que, antes de serem sensíveis e profundos, têm aparência de gente comum, como qualquer um de nós ali na platéia, no entanto, não raramente, nos levam à uma viagem (quase sempre dolorosa) rumo ao autoconhecimento...
Assisti o filme INFIEL  numa sessão,à falta de público, quase exclusiva, no Cine Luz, em Curitiba. De tanto tempo que faz, acredito que tenha sido logo após o seu lançamento(não tinha blog para registrar).

O Cine Luz situava-se na Pr.Santos Andrade, por um feliz acaso, na mesma quadra do prédio onde eu trabalhava, que ficava na esquina. Talvez o Luz não mais exista. Sabia-se que o prédio pertencia à Fundação Cultural de Curitiba, portanto não corria o  risco de sofrer o 'despejo' que, naquelas alturas, era uma ameaça que pairava sobre o Ritz. A sala era mau conservada e decadente,  os banheiros careciam de urgentes e básicos reparos que nunca eram realizados. Algumas poltronas já não tinham braços, o que me fazia pensar nos gordos e nos namorados que estariam livres daquela barreira. Deixava estes lugares para eles. Não sei se vinham à noite. O certo é que,  à tarde, não apareciam. No geral, era pouco frequentado o Luz. Inexistindo ar condicionado, ficava gelado no inverno e uma estufa no verão. Aquele já era um tempo em que os jovens não mais namoravam, menos ainda no 'escurinho do cinema'. Por outro lado, no Luz não passava blockbusters, nem se vendia pipoca(para nós,cinéfilos,aqueles baldes de pipoca são uma afronta, uma heresia,um horror!) O certo é que o cheiro do decadente Luz era outro: cheirava a mofo. Alguma vez chegou a não haver sessão por  'falta de luz'. Logo no Luz!!? Mas a qualidade dos filmes nos fazia assíduos e fiéis...
Em qualquer destes meus dias dedicados ao prazeroso ócio, vou tomar pé acerca do destino que tiveram àqueles velhos cinemas de rua : o Astor e o Condor foram os primeiros a sucumbir, dando lugar a bingos. Tinha ainda o Plaza, o Bristol, o Avenida...Ia esquecendo o Palace e o Itália que ficavam na cobertura do CCI .
As salas da Fundação sobreviveram um pouco mais. O Ritz, ficava no calçadão da XV (a rua das flores) no subsolo da C&A , no tempo em que havia em frente um Franz Café, onde os encontros eram marcados. Depois nem isto. O café mudou para a Praça Espanha e ali passou a ser inconveniente andar à noite ou nos fins de semana, quando as lojas estavam fechadas. Não bastasse isto, atravessar a Praça Osório, à noite, a caminho de casa, transformou-se numa arriscada aventura. Mas voltando ao Ritz, não imagino que se tenha transformado em 'igreja'. Afinal, aquela porta estreita dando para aquele subsolo, não condiz com a fachada de um mercado de milagres. Estaria mais para catacumba....
A sala da Cinemateca deve ter sobrevivido.

Ficava (ou fica) no espaço que tem pretensão de 'museu do cinema'(expõe algumas projetores antigos). A sala da Cinemateca tinha um cheiro  inconfundível de borracha, para mim cheirava à borracha de pneus (me dou conta, de serem os modernos pneus totalmente inodoros). O revestimento do piso exalava aquele odor forte e enjoativo que,lá pelas tantas, mergulhada na telona, eu conseguia abstrair. O que durava até as luzes reacenderem. Quebrado o encanto, tinha que sair rápido pois o cheiro do ambiente  me deixava nauseada.
Nem bem concluía esta postagem, saí em busca de  imagens dos cinemas e, sem querer me deparei com esta notícia recente: leia aqui

Um comentário:

Valéria Santos disse...

Me fez lembrar do tempo que ia ao Cine São Luiz, programa para poucos, roupa nova, sapatinho preto de verniz, como me encantava o prédio, tinha a sensação de ser transportada para outro lugar.