maio 10, 2011

Amor de filho

"Mãe, vai me desculpando por esse atraso de dois dias. Os carteiros não são mais como antigamente, e as cartas agora, vez ou outra, atrasam mesmo. Até medo de cachorro eles têm tido. Como a senhora não lê e-mail...
E me desculpe também por, mais uma vez, não conseguir pegar o rumo de casa e passar o domingo com você aí no paraíso (desta vez não fui nem de surpresa!). É que o inferno tem me tirado um tempo danado, você sabe como é.
Não sei a razão, mãe, mas tenho pensado demais em fatos do nosso passado. Acho que seu caçula está ficando um velho sentimental. Ou vai ver é mesmo "xodades" das nossas conversas de miolo de pote na varanda em que mudávamos os rumos da civilização e, sobretudo, da vida dos vizinhos.
Lembrei aquele sofazinho duro em que a senhora dormia enquanto eu estava internado no hospital dos portugas. Você até achava que estava fazendo a vez de ficar em guarda pelo meu pós-operatório, não é? Mas, naquelas noites, eu acordava sempre e a via toda tortinha, procurando um jeito para ficar menos incomodada e tentar relaxar um bocadinho. Velei seu sono.
Até hoje adoro contar vantagem para os meus amigos, dizendo que fui uma criança de colo até os 11 anos, quando enfim conseguimos comprar a primeira cadeirinha de rodinhas. Está certo que a senhora já não aguentava mais meu peso, e os braços ficavam vermelhos, vermelhos, mas ninguém poderá dizer que fui um filho distante.
Puxei da cuca também aquele dia em que a senhora arrumou meus molambos para que eu fosse para o "sul", para a cidade grande, ganhar a vida. "Mas como você vai tocar a cadeira naquelas ruas movimentadas, menino? Assim eu morro do coração!" Enquanto a senhora se preocupava, chorava e quase me amarrava para não seguir adiante, escapei de fininho, sonhando por nós dois.
E aquelas vezes em que a senhora virava um maribondão preto quando eu chegava tarde da noite e ainda queria arroz com ovo frito? "Nunca vi gostar tanto de rua que nem esse moleque." Obrigado, mãe, vivi a liberdade de que você abriu mão por mim e pelos irmãos. Afinal, o pai inventou de fazer o favor de ir embora cedo...
Quando olho a minha independência, minhas conquistas, minha desenvoltura serelepe diante da realidade que alguns só enxergam "paralítica", capenga para um monte de prazeres fugazes, tendo a me convencer de que seu projeto maior de devolver os movimentos que a pólio me arrancou deu certo, mãe. Aprendi o respeito ao próximo, aprendi a não desistir, a enfrentar o "difícil", a caminhar nos pensamentos, a viajar no desejo de querer ser melhor a cada dia. Voei por você.
"Ixi", agora tenho de cuidar da vida. Ligo no fim de semana. No feriado, talvez eu vá à praia, mas no Natal estarei por aí, "di certeza". Relaxe, mãe. Eu me cuido. Beijos.
Às mães que viveram a angústia de não poder dizer "Nasceu saudável, coradinho e pesando três quilos!"; às mães que enxergam pelas crias que não podem ver; às mães que caminham pelos filhos sem passos; às mães que alcançam o som pelos que não ouvem; às mães que dão mais do que o razoável de seu tempo, de sua juventude, de sua capacidade física, de seus recursos a seus meninos e meninas. Nós, seus filhos, amamos muito vocês". 


JAIRO MARQUES 

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