abril 19, 2011

Com a morte na cabeça

"O ser humano é o bicho mais esquisito sobre a face da Terra. É o único que sabe que vai morrer. A morte e o que ela faz com a nossa cabeça antes de acontecer (já que depois é assunto para debate mais longo) é o tema de hoje.
A morte dos outros nos afeta em diferentes graus.
Se a gente é impotente, como no tsunami do Japão, há um momento de compaixão seguido da mais total indiferença e mesmo um fascínio pelas estatísticas (quantos graus na escala Richter?
Quantos mil mortos? Quero ver de novo as cenas no YouTube). As torres gêmeas até hoje parecem filme de ficção.
Se a morte nos atinge por semelhança (a tragédia de Realengo), pois poderia acontecer com as nossas crianças, a aflição e o fascínio são maiores (vendem jornal como pão quente), a vontade de ter uma explicação é maior (para que possamos dizer "isso não aconteceria com os meus"). São os mecanismos de defesa operando. Se atinge uma pessoa jovem e querida, como Lady Di, James Dean ou Ayrton Senna, mesmo sem conhecimento pessoal, sentimos dor.
Nós "amávamos" a pessoa, ela nos parecia íntima.
Isso nos leva ao luto, que é o processo de digestão da perda. Choramos. O choro é um resíduo do nosso tempo de crianças, quando nossas dificuldades não podiam ser expressas em palavras.
Se a morte atinge um velho da família, quanto mais próximo, mais luto, digestão difícil. Morte longa, Alzheimer, câncer doloroso, pouco luto ("descansou"). Morte súbita, mais luto, quanto mais viva parecia a pessoa.
Agora a coisa engrossa: morte de filhos. Os americanos, que amam estatística, fizeram uma curva de dor em relação a isso. Se você perde uma gravidez de até três meses, a dor é basal ("a "mãe natureza" não quis"). Quanto maior o tempo de gravidez, maior a dor.
Nascido o bebê, a dor dá um salto, e sua curva cresce a partir daí. O ponto máximo é a perda de um filho homem de 20 anos que não procriou (se ele teve filhos, a dor é menor) e morreu de acidente.
Por que um filho homem?
Raciocinam os neodarwinistas que você está perdendo uma descendência maior do que se fosse uma mulher (por razão semelhante à daqueles chineses que matam o bebê se for menina).
A partir daí, a curva da dor se estabiliza, para começar a cair se o(a) filho(a) passou dos 35 sem procriar. São razões contempladas pela economia: você investiu tempo, dinheiro e afeto, e seu investimento sumiu num estalar de dedos. Produz a primeira dor do luto: o vazio horroroso.
Sinto muito ser tão objetivo e conciso nesse assunto tão delicado. Parece frieza, mas, acredite, não é.
O final menos infeliz é que Freud ensinou que o fim do luto é a herança calorosa das boas memórias".

FRANCISCO DAUDT, psicanalista e médico,

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