março 03, 2011

Outros Carnavais

A FESTA de rua mais típica do Brasil foi crescendo, foi crescendo até que saiu das nossas mãos e caiu na avenida. Ficou rica, mas muito sem graça. Onde foram parar os concursos de fantasia, Clóvis Bornay e Evandro Castro Lima fantasiados de "glória, glória, aleluia a um imperador bizantino" ou "perua pavoneante bailando em Versalhes"?
Imaginamos, ao ver o Carnaval dos clubes se acabar, que estávamos, os velhos e os moços, amadurecidos, que vergonha aquela história de ficar pulando no meio do salão com dois dedinhos para cima, cantando "ala-la-ô, ô, ô, mas que calor, ô, ô, ô...".
Tudo bem, se era maturidade, sempre é bom alcançá-la um dia. Acontece que num piscar de olhos começaram todos a dançar muito. Então, vergonha de dançar não é. Nas baladas dança-se num dia mais do que se dançava no ano inteiro.
Estão articulando a volta dos velhos Carnavais. Aquele bem brasileiro, de marchinhas, de blocos, de bailes, será que com confete, lança-perfume Rodometálico e serpentina? Com essa onda turística prometida é capaz que se recupere tudo, até a laranja do entrudo e o talco.
Bunda sempre teve, é que eram bundas inconscientes, lindas, rebolando para se divertir e não para aparecer na TV. Vejam a primeira Luma de Oliveira, dionisíaca, pulando para ela própria, um esplendor, e a Luma que se seguiu, exibida.
Seria assim tão alienante o Carnaval? Nunca foi. Hora de cantar alto as desgraças e, quem sabe, exorcizar as repressões, no calor, no suor e na cerveja. Ah, quantas regras ficavam suspensas, o armário se abria inteiro. O síndico perturbador se vestia de mulher, a tímida pulava de biquíni. O menino de óculos virava Tarzan e o musculoso inventava um tutu de bailarina.
As marchas imploram: "Daqui não saio, daqui ninguém me tira, onde é que eu vou morar?"; "Ai, barracão, pendurado no morro pedindo socorro..."; "Bota o retrato do Velho outra vez, bota no mesmo lugar". Letra politicamente correta e burra não emplacava. "Branca é branca, preta é preta, mas a mulata é a tal!" "Será que ele é, será que ele é?"
E o horror dos cronistas de comida no Carnaval é a falta de assunto. Um ano se escreve sobre o barreado que era cozinhado e cozinhado no fogão de lenha durante os três dias e depois comido na quarta-feira de cinzas até a apoplexia.
No outro, se fala que Carnaval não tem comida típica. Dizem os sociólogos que é aí que se vê a separação entre a casa e a rua. Carnaval é festa de rua, o arroz e o feijão ficam de lado, não dá nem fome, dias de dormir tarde e acordar tarde, dias irresponsáveis. Porque "as águas vão rolar, garrafa cheia eu não quero ver sobrar...". Ressaca. As nutricionistas recomendam muita alface. Alguém já viu um folião comendo alface?
Suados, exauridos, ou melhor, exorcizados, quando se ouvia "as pastorinhas..." era a hora de sentar no degrau, passar as mãos pelos cabelos cheios de confete, tomar o último gole de guaraná quente, morder o pedaço de sanduíche de presunto com pão branco ressecado já se enroscando e se mandar para casa de olhos iluminados, recendendo o lança-perfume, esperando o próximo. Mas água de coco é bom. É que não usava. 


NINA HORTA

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