março 22, 2011

Imediatismos

"O Homer  Simpson  entrou no mercadinho do Apu e deu um jeito de ver, contra a luz, um bilhete de raspadinha de US$ 500. Chegou ao caixa com o bilhete e viu uma barra de chocolate. Tanto o bilhete quanto a barra custavam o que ele tinha no bolso: US$ 2,50. Teve uma crise de dúvida. Mas comprou o chocolate e o devorou na hora.
O que isso tem a ver conosco? É que nossa espécie é a única capaz de pensar a longo prazo, de antever (ai de nós, inclusive a própria morte). Por isso estamos sempre em discussão interna entre o que Freud chamou de princípio de prazer e o princípio de realidade. O primeiro é mais primitivo. É o que diz "dane-se" a camisinha, porque o momento é de loucura. O segundo é mais complexo, capaz de pensar em consequências, o que leva à camisinha.
O primeiro somos nós manipulados por nossos genes. O segundo somos nós usando essa esquisitice que a natureza nos doou: a consciência.
Você já pensou que pode ser um velho pobre? Há destino mais cruel do que esse, na melhor das hipóteses jogado num asilo por parentes, para esperar a morte? É uma desgraça, estamos vivendo mais.
Você tem 60? Pode bem ter mais 30 anos pela frente! Digo isso porque vejo estar na moda o tal de "viver o presente". Paro e penso: quem vive o presente? Só quem sofre de Alzheimer, pois não tem mais capacidade de acessar seu passado nem de projetar seu futuro. O brócolis vive o presente, e ainda bem que não sou um.
Quando como bolo de milho com leite de coco, junto com o sabor estão memórias de brasilidade, de orgulho de nossa cultura, de Dona Benta e tia Nastácia, personagens do meu passado que dão mais água na boca, alimentam meu espírito. Sou melhor depois dessa experiência, porque vejo beleza nela e tenho capacidade de escolher os rumos de minha vida.
Como? Rumos de minha vida a partir de um bolo? É porque ele é um ícone dos meus desejos, minha estética, minha ética. Sabe esses ícones do computador, você clica e abre-se um enorme arquivo? Pois o arquivo que se abre contém algo diferente do imediatismo. Contém a vontade de repassar essa beleza ética-estética a meus filhos, o valor das coisas bem-feitas, da cultura, do que pode ser construído, do desfrutar dessa qualidade da natureza humana que é antever, projetar, construir um futuro melhor, mais justo e generoso conosco e com os outros.
E como faz bem a nós mesmos ser gentil, generoso, cuidar dos outros enquanto cuidamos de nós mesmos. Produz dignidade! Lembra-se desse valor? Dignidade e integridade só podem ser alcançadas se preferirmos nossa capacidade de antevisão ao pensamento imediatista.
Sorry, Homer."


FRANCISCO DAUDT

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