março 18, 2011

Cópia Fiel


"Cópia Fiel" é um filme de deslocamentos. Há, primeiro, uma mulher francesa que vive na Itália com o filho, onde tem uma galeria de arte. Há um escritor inglês que vai à Itália fazer uma palestra sobre o livro que escreveu. 
Há uma história em que se discute ideias sobre arte que mais parece uma paquera. 
São muitas as referências e não é difícil se perder. Talvez a mais evidente seja aquela enunciada por James Muller, o escritor do filme. Para ele, uma boa cópia equivale ao original, pois é o modo de olhar um objeto que é importante, não o objeto em si. 
Já se desenvolveu essa ideia em arte (Marcel Duchamp) ou na literatura (Jorge Luis Borges). No cinema, Abbas Kiarostami foi o primeiro a tocar na questão. Em seus filmes, o que transforma as coisas mostradas em arte é o olhar do espectador. 
O casal lembra muito o de "Viagem à Itália", de Roberto Rossellini, e da crise conjugal que ali se desenvolve. 
A construção remete à inversão de papéis de "Cidade dos Sonhos", de David Lynch, já que no início temos um homem e uma mulher que parecem mal se conhecer e a partir de certo instante eles são marido e mulher. 
Também é possível evocar o tema da memória, numa chave que não parece estranha a "O Ano Passado em Marienbad": alguém (a mulher) descreve um acontecimento; alguém (o homem, no caso) não se recorda do que ela disse. 
Há o encontro com um senhor (Jean-Claude Carrière, o roteirista de Luis Buñuel) que dá conselhos ao escritor. 
Existe, por fim, a lancinante cena do restaurante, em que a mulher, Juliette Binoche, dirige-se diretamente à câmera, como nos filmes de Yasujiro Ozu. Mas em lugar da placidez, há desespero e solidão naquela imagem. 
Em poucas palavras, Abbas Kiarostami na Europa tateia. Seu cinema parece não ter mais aquela segurança que vinha da paisagem, da familiaridade com a língua e os personagens iranianos. 
Pode-se dizer que o tatear de um cineasta de seu porte vale mais do que a segurança de mil talentos. Ainda assim, ele parece estar entrando, a contragosto, talvez, numa nova e ainda incerta fase de sua luminosa carreira."

 INÁCIO ARAUJO

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