fevereiro 19, 2011

A linha da beleza

Visão cínica e sentimental da dourada Era Thatcher

"Para políticos e agregados ao Partido Conservador, a capital britânica era uma festa naquele 1983 em que Margareth Thatcher conquistou seu segundo mandato à frente do governo do Reino Unido. Alan Hollinghurst usa a euforia gerada por essa vitória entre as classes mais favorecidas do país como pano de fundo para 'A linha da beleza', livro com que, além de ter vencido o Booker Prize de 2004, voltou a abordar o conflito entre homossexualismo, desejo e cinismo social. Temas que marcaram os três trabalhos anteriores de Hollinghurst, em especial 'The Folding Star', uma história que gira em torno do desejo de um professor por seu aluno de 17 anos e que valeu ao escritor inglês comparações com Nabokov.
Elogiado como um dos grandes expoentes da literatura de ficção gay, Hollinghurst também aproveita 'A linha da beleza' para satirizar a ambição dos anos dourados do thatcherismo, marcados por privatizações e um incentivo ao egoísmo entre os britânicos. A história começa com a chegada do protagonista Nick Guest à casa de Toby Fedden, o colega de Universidade de Oxford cujo pai acaba de ser eleito para o parlamento pelo Partido Conservador. Gerald, o patriarca, tem como obsessão a conquista de prestígio junto à legenda, sobretudo nos círculos mais ligados à Dama de Ferro.
E com Thatcher também tem em comum os valores tradicionalistas, sobretudo uma condenação da homossexualidade, que o parlamentar e a família descrevem como vulgar e insegura. Sendo assim, a residência de Notting Hill é também um palco onde Guest exibirá uma de suas facetas: a de dândi chegado a festinhas e aspiradas em carreiras de cocaína - ainda que o jovem protagonista se mostre muito mais viciado no perfume da riqueza e do privilégio.
Dilemas morais como pano de fundo.
Fora dos domínios dos Feddens ele inicia suas experiências sexuais, que vão de meros arremedos de romance a um tresloucado menage à trois que ocorre numa festa, momentos depois de um entorpecido Guest bailar com ninguém menos que Thatcher. Naturalmente, a bolha fica fina: Gerald Fedden tem os olhos maiores do que a barriga em sua carreira política e a Aids surge como uma sombra ameaçadora.
Em vez de apenas se preocupar em julgar os dilemas morais da década em questão, Hollinghurst prefere usá-los apenas como pano de fundo para a jornada sentimental de Guest, cuja busca de propósito é o ponto alto de 'A linha da beleza' - sua abundância de parceiros é um sinal de aspirações emocionais insaciadas. E ainda que esteja em meio a gente bonita da burguesia britânica, Guest parece ter plena noção de que não pertence a ela de fato.
Tudo isso é exposto por Hollinghurst com uma sutileza espetacular, à exceção das cenas de sexo, descritas com abusos de detalhes. Mesmo em trechos mais pesados do livro em termos emocionais, como a jornada em que Guest acompanha um de seus amantes doentes até a casa da mãe, a graça com que o autor aborda a situação passa longe do sentimentalismo inerente à situação.
Fica difícil esconder um sorriso diante do estudo carregado de ironia que Hollinghurst faz de Gerald Fedden, sobretudo seu afã de alpinista político e a afetação usada como fachada de suas limitações intelectuais e humanas.
Também são bastante curiosas as passagens em que Guest, cujo único propósito mais convencional parece ser a tese de doutorado sobre o notório escritor Henry James, faz-se valer de metáforas artísticas para tentar absorver o que se passa à sua volta, incluindo uma hilária interpretação dos traços faciais da Dama de Ferro. A falta proposital de profundidade nos diálogos e observações como 'os Fedden se comunicam por meio de um idioma de tremenda concordância' (feita durante uma hilária e banal discussão sobre Veneza, em que a palavra fascinante parece ser a única no vocabulário da turma) dão um tempero extra aos trechos mais satíricos.
Amargura causada por relações superficiais.
'A linha da beleza' também flerta com a amargura causada pela superficialidade nas relações entre seus personagens e o ambiente de uma sociedade em que o amor por coisas é maior do que o reservado para as pessoas. Mas o autor também não hesita em brincar com dualidades mais profundas. A tal linha da beleza pode ser tanto o apelido de uma bela carreira de cocaína como um conceito acadêmico designado para mapear a apreciação artística. (link)
O glamour, independentemente de sua ridicularidade, dá lugar a uma sinistra decadência nos trechos finais do livro, em que tragédias pessoais são postas em perspectiva diante de problemas mais abrangentes". 
Fernando Duarte

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