janeiro 26, 2011

Não sei mais dormir

"SE O PRIMEIRO verbo do título fosse conseguir, em vez de saber, o leitor poderia achar que este pobre cronista sofre de insônia. Infelizmente, não é o caso.
Digo infelizmente porque para a insônia há mil remédios, da contagem de carneirinhos brancos às maravilhas da tarja preta, mas contra o mal que impede o descanso de minhas retinas tão fatigadas não encontro truque ou substância eficaz. 
Meu problema, caro leitor, é a posição. Durante 33 anos, 2 meses e 11 dias, dormi de bruços. Um braço sob o travesseiro, o outro esticado para trás; perna direita reta, a esquerda meio dobrada, e oito horas mais tarde eu acordava, descansado e pronto para enfrentar as agruras da verticalidade, sob a inclemente gravidade de 9,8 m/s2. 
Fui feliz até a manhã da última quarta, quando, ao sair da cama, senti a fisgada na lombar. Com o passar dos dias, a dor piorou, obrigando-me a consultar um ortopedista. 
Após fazer algumas perguntas, o médico explicou-me, naquele tom sádico e pedagógico que os doutores usam para reprimir os hábitos do gentio inculto, que dormir de bruços era um comportamento execrável. Ao longo da noite você vai afundando no colchão, as costas envergam e as vértebras comprimem as cartilagens. Pelo que entendi, a posição em que dormia está para a coluna como o cigarro para o pulmão, o sol para a pele, o provolone à milanesa para as artérias; nos Estados Unidos, já deve até ser proibida. 
A ciência aprova apenas duas maneiras de se deitar: de lado, com as pernas encolhidas, ou com a pança para cima. Não consigo acostumar-me. De costas, sinto-me como se estivesse num caixão, prestes a ser enterrado vivo. De lado é ainda pior, pois os mortos, ao menos, sabem o que fazer com os braços, e os deixam paralelos ao corpo, ou cruzados sobre a barriga, mas, quando nos colocamos na lateral, eles sobram como duas incômodas excrescências, como mastros tombados de um navio. 
Faz uma semana que pergunto a conhecidos e desconhecidos como passam suas noites. Pelo que apurei, tirando os radicais, que continuam dormindo de bruços -e fumando, comendo provoleta e promovendo sacrifícios de criancinhas-, a maioria se acomoda mesmo de lado, resolvendo a questão dos braços agarrando-se a travesseiros. Confesso que tentei, mas fui incapaz de dormir assim, como uma mocinha de novela, a sofrer seus desamores. 
Já estava quase me desesperando, anteontem, quando tive a alegria mesquinha de descobrir que meu querido amigo, o poeta Fabrício Corsaletti, era também viúvo recente do sono de bruços. 
"E aí?! -empolguei-me, achando que ele iria me iluminar com sua contumaz sabedoria- Como você faz?!" Fabrício bocejou e disse que também estava perdido, e a única solução que lhe ocorria era desatarraxar os braços e guardá-los debaixo da cama, toda noite. Considerei a hipótese, mas a possibilidade de ter que ir ao banheiro, de madrugada, obrigou-me a descartá-la. 
Pelo visto, terei de aceitar meu infortúnio. Afinal, a vida é assim mesmo, um acúmulo crescente de incômodos: primeiro te tiram do útero, depois te viram na cama e, no fim, ainda te colocam num caixão, de pança pra cima, até o fim dos tempos. Aliás, é essa a posição que adotarei, de hoje em diante. Não que seja boa para dormir, mas pelo menos já vou me acostumando". 


ANTONIO PRATA

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