dezembro 10, 2010

TETRO

"Para o cineasta Francis Ford Coppola, nunca existiu nada além da família.
De lá vêm nossas dores, afetos, esperanças, pensamentos, ciúmes, rivalidades, frustrações, vaidades. Ou antes: existem outras coisas, claro, mas importam pouco, são meramente acessórias, existem apenas para que a trama familiar possa se desenrolar plenamente. 
Já era assim na trilogia "O Poderoso Chefão": ali tudo era família, tudo era feito por ela, para preservá-la. 
Não por acaso, Coppola trouxe para seus filmes Talia Shire, a irmã, Sofia, a filha, Nicolas Cage, o sobrinho, e Carmine, o pai. 
Quando os críticos falaram as últimas de Sofia como atriz no "Chefão 3", Coppola limitou-se a dizer algo assim: quando querem nos ferir, ferem quem nós amamos. 
"Tetro" é o retorno dele à família -à questão familiar- neste que é possivelmente o mais belo filme até aqui do século 21. 

FUGA 
Tetro, aliás, é o nome que adota Angelo Tetrocini, conhecido em sua juventude como Angie, o jovem escritor que some de sua casa, de seu país e de seu nome, quando vem bater em Buenos Aires. 
Tetro foge do pai. Do poder esmagador dele, do grande maestro, do gênio da família, daquele que quer para si toda a fama, toda a glória e, também, todas as mulheres (como o pai do "Totem e Tabu", de Freud, não esqueçamos). 
Após passar por um hospício, Tetro (Vincent Gallo) vive com a psiquiatra Miranda (Maribel Verdú), quando recebe a visita de Benjamin (Alden Ehrenreich), vulgo Bennie, seu meio-irmão caçula. Bennie, o indesejável: aquele que religa Tetro à família, ao pai, ao acidente de carro em que morreu a mãe. 
Bennie como que leva a tragédia familiar a Buenos Aires e, com ela, a lembrança terrível do pai, o maestro Carlo Tetrocini (Klaus Maria Brandauer), que, antes de esmagar o filho, já arrasara a vida do irmão, Alfredo (também Brandauer). 
Mas, sobretudo, é Bennie quem remexe os papéis de Tetro até que encontra um manuscrito escrito em código por ele. O livro de que não admitia se separar quando estava internado. E que, agora, não pretende rever. Então chegamos ao segundo tema do filme: a arte ou, mais especificamente, a literatura. 
E nesse capítulo Coppola é muito claro em suas propostas: toda boa literatura é ilegível (no fundo ou ostensivamente) e toda boa arte é, em algum nível, insuportável. 
Todo o resto pertence ao universo não das letras, mas da dita celebridade. Não é outro, aliás, o papel de Alone (Carmen Maura), a temida crítica teatral: distribuir celebridade entre os autores. 
Mas a arte não é isso. Trata-se de buscar o âmago das coisas, da existência: aquilo que faz de nós o que somos ou não somos, aquilo de que se fala sem falar, porque é impossível dar conta. 
É isso "Tetro": uma "banana" para o mundo artístico (e cinematográfico), uma "banana" para a fama. Um alô para a dor inescapável dos laços, também inescapáveis, da família: a tragédia. Porque, se não há felicidade possível, ao menos que exista a beleza, parece nos dizer este filme grandioso e sublime". 

INÁCIO ARAUJO

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