dezembro 19, 2010

ANTONIO CÍCERO


( Poema  escrito para "Livro de Sombras")  

Para onde vou, de onde vim? 
Não sei se me acho ou me extravio. 
Ariadne não fia o seu fio 
à frente, mas atrás de mim. 
Não será a saída um desvio 
e o caminho o verdadeiro fim? 

Não é hora de regressos 
Não é hora 

É certo que me perco em sombras 
e que, isolado em minha ilha, 
já não me atingem as notícias 
dos jornais a falar de bolsas, 

modas, cidades que soçobram, 
crimes, imitações da vida 
ou da morte televisiva, 
quadrilhas, teias penelópicas 

de horrores ou de maravilhas 
que dia a dia se desfiam 
e fiam sem princípio ou fim
novíssimas novas artísticas, 
científicas, estatísticas... 
e há na noite quente um jasmim. 

É aqui, mais real que as notícias, na própria 
matéria, na dobradura de uma folha 
em que se refolha este meu coração 
babilônico, na configuração 
da mancha gráfica sobre a tessitura 
do papel tensionado, ou onde se apura 
o lusco-fusco produzido por linhas 
e entrelinhas, entre o preto e o branco e o cinza, 

onde cada ideia, cada ponto e vírgula 
dos trabalhos e das noites se confunde 
com miríades de pontos de retícula 
e meios-tons de clichês, entre o passado 
que jamais está passado e alguns volumes, 
linhas e planos apenas esboçados, 

que súbito os elementos mais dispersos 
se articulam, claro-escuro filme negro, 
entre a pura matemática, o acaso 
e a arte (esta árvore já foi vestido 
de mulher) onde meu delírio é mais preciso, 
transparece o meu jornal imaginário. 

Para onde vou, de onde vim? 
Não sei se me acho ou me extravio. 
Ariadne não fia o seu fio 
à frente, mas atrás de mim. 
Não será a saída um desvio 
E o caminho o verdadeiro fim?

Ariadne   -   John William Waterhouse

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