“Esses pequeninos e vagos animais sonolentos que ainda não enxergam, não ouvem, não sabem nada, e quase apenas dormem, cansados do longo trabalho de nascer – ali está o mundo continuando, insistindo na sua peleja e no seu gesto monótono. Nós todos, os homens, lhes daremos nosso recado; eles aprenderão que o céu é azul e as árvores são verdes, que o fogo queima, a água afoga, o automóvel mata, as mulheres são misteriosas e os gaturamos gostam de frutas. Nós lhes ensinaremos muitas coisas, das quais muitas erradas e outras que eles mais tarde verificarão não ter a menor importância.”
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“Os animais se domesticam facilmente com um chicote na mão direita e um torrão de açúcar na esquerda. Os vegetais querem tesoura e estrume (…). Entre os homens às vezes há reis. E quando é Rei de fato (…) ele monta sua máquina de mandar. São máquinas monstros de mil compartimentos complexos – masmorras e picadeiros, com aparelhos de metralhadoras, microfones, casas de moedas e medalhas, uniformes, bandeiras, talentos, alicates de arrancar unhas e técnicos em festinhas escolares, foguetes, benemerências –, e se a quisésseis conhecer, toda essa engrenagem de aço e sentimentos, de ouro e vaidades, de bem-aventuranças fáceis e torturas facílimas, havereis de gastar uma vida, e não conseguiríeis. Não é preciso. Afinal, tudo é simples, tudo é chicote e torrão de açúcar, tudo é tesoura e estrume.”
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“É costume dizer que a esperança é a última que morre. Nisto está uma das crueldades da vida; a esperança sobrevive à custa de mutilações. Vai minguando e secando devagar, se despedindo dos pedaços de si mesma, se apequenando e empobrecendo, e no fim é tão mesquinha e despojada que se reduz ao mais elementar instinto de sobrevivência.”
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“O melhor é não amar, porém aqui, para dar fim a tanta amarga tolice, aqui e ora vos direi a frase antiga: que é melhor não viver. No que não convém pensar muito, pois a vida é curta e, enquanto pensamos, ela se vai, e finda.”
Rubem Braga (em 200 crônicas escolhidas)
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