"QUERIDO PAPAI NOEL,
Como tem passado? Espero que esta missiva o encontre em boa saúde e na santa (sem trocadilho) paz.
Observo pelo canal meteorológico que a neve tem castigado a sua Lapônia, e fico aqui torcendo para que Prancer, Dancer e o resto da turma de galhudos se ponha em forma para a grande viagem que os aguarda amanhã.
Pois é, faz tempo que não escrevo, provavelmente uns 45 anos. Mas o senhor há de convir que também não fez da sua uma presença, digamos assim, substancial aqui em casa nestes Natais passados.
E não adianta vir me dizer que o senhor andou mostrando serviço nos últimos tempos porque eu finalmente conheci o grande amor da minha vida. Eu sei muito bem que nenhum ajudante de Papai Noel, veadinho lapão ou enviado do Polo Norte teve nada a ver com essa dádiva.
Pensa que sou otária, ô, da barbicha? Estou sabendo que seu complexo industrial no Polo Norte não atende ao setor de assuntos imateriais, aqueles que concernem ao espírito e/ ou ao coração. O presentão que eu recebi está sob a jurisdição do seu chefe. É a ele que eu devo meus agradecimentos e a quem presto contas, vamos deixar isso bem claro.
Presentes de Papai Noel são de outra natureza, caem na categoria "hard shopping", devem forçosamente ter a ver com papel de embrulho, laço, caixa e estojo e precisam envolver transações comerciais pagas, de preferência, em três vezes com cartão de crédito. Se a compra for feita na Tiffany's, na Fast Shop ou na Chanel, tanto melhor, mas eu divago.
Veja: não escrevo para cobrá-lo por sua notada ausência em minha vida nas últimas décadas. Para ser bem sincera, por longos períodos esqueci completamente da sua existência. Cheguei mesmo a pensar que o senhor não passava de uma invenção da Coca-Cola, da loja de departamentos Macy's ou, quem sabe, que fosse um mal-sucedido garoto-propaganda dos Vigilantes do Peso. Ho! Ho! Ho!
Mas o motivo desta minha cartinha não é para jogar na cara que o senhor não comparece desde os tempos em que eu montava um Hot Wheels que ia do topo ao fundo da escada ou caía da cama durante a noite para dar espaço aos meus ursos de pelúcia.
Não, não. Escrevo para lembrá-lo respeitosamente de que o coração não envelhece nunca e que todo mundo, até o Alexandre Frota e a Erenice Guerra, ainda guardam alguma lembrança sobre a sua chegada pela chaminé.
Neste 2010, em que colocamos uma mulher na presidência, ano em que perdi meu pai e perdemos o Glauco; em que os mineiros chilenos viveram uma fantástica aventura de superação; em que os acontecimentos no Morro do Alemão podem ter marcado uma virada na maneira de tratar a violência no Rio e que todos queremos fechar esquecendo do gosto de óleo de rícino deixado por Felipe Mello, Dunga, as bolinhas de papel e a maldita vuvuzela, queria pedir que o senhor caprichasse na fartura da ceia, com família e amigos ao redor da mesa. O resto, pode deixar que a gente se vira.
Muito obrigada pelo seu saco de ouro, bom Natal e um 2011 de amor, humor e sabedoria,
Barbara
P.S. Antes de sair com as entregas, não se esqueça de colocar um antigripal no bolso do Rudolph."
BARBARA GANCIA
Um comentário:
A senhora, Dona Barbara Gancia, é uma mulher muito perigosa.
Como quem nada quer, agarra o coração da gente por essa irresistível crônica.
Quanto à mim, foi a mesma coisa com Ella Fritzgerald, quando há décadas a assistí no Municipal.
Paixão que perdura até hoje.
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