novembro 20, 2010

POLITICAMENTE CORRETO?

O CRAVO NÃO BRIGOU COM A ROSA

"Chegamos ao limite da insanidade da onda do politicamente correto. Soube dia desses que as crianças, nas creches e escolas, não cantam mais O cravo brigou com a rosa. A explicação da professora do filho de um camarada foi comovente: a briga entre o cravo - o homem - e a rosa - a mulher - estimula a violência entre os casais. Na nova letra "o cravo encontrou a rosa/debaixo de uma sacada/o cravo ficou feliz /e a rosa ficou encantada".
Que diabos é isso? O próximo passo é enquadrar o cravo na Lei Maria da Penha. Será que esses doidos sabem que O cravo brigou com a rosa faz parte de uma suíte de 16 peças que Villa Lobos criou a partir de temas recolhidos no folclore brasileiro?
*É Villa Lobos, cacete! *
Outra música infantil que mudou de letra foi * Samba Lelê*. Na versão da minha infância o negócio era o seguinte: Samba Lelê tá doente/ Tá com a cabeça quebrada/ Samba Lelê precisava/ É de umas boas palmadas. A palmada na bunda está proibida. Incita a violência contra a menina Lelê. A tia do maternal agora ensina assim: Samba Lelê tá doente/ Com uma febre malvada/Assim que a febre passar/ A Lelê vai estudar.
Se eu fosse a Lelê, com uma versão dessas, torcia pra febre não passar nunca. Os amigos sabem de quem é Samba Lelê? *Villa Lobos de novo*. Podiam até registrar a parceria. Ficaria assim: Samba Lelê, de Heitor Villa Lobos e Tia Nilda do Jardim Escola Criança Feliz.
Comunico também que não se pode mais *atirar o pau no gato*, já que a música desperta nas crianças o desejo de maltratar os bichinhos. Quem entra na roda dança, nos dias atuais, não pode mais *ter sete namorados para se casar com um*. Sete namorados é coisa de menina fácil. Ninguém mais é *pobre ou rico de marré-de-si*, para não despertar na garotada o sentido da desigualdade social entre os homens.
Dia desses alguém [não me lembro exatamente quem se saiu com essa e não procurei a referência no meu babalorixá virtual, Pai Google da Aruanda] foi *espinafrado porque disse que ecologia era, nos anos setenta, coisa de viado *. Qual é o problema da frase? *Ecologia, de fato, era vista como coisa de viado*. Eu imagino se meu avô, com a alma de cangaceiro que possuía, soubesse, em mil novecentos e setenta e poucos, que algum filho estava militando na causa da preservação do mico leão dourado, em defesa das bromélias ou coisa que o valha. Bicha louca, diria o velho. Aliás, viado nem bicha, não; agora deve ser chamado como? Seria "portador de necessidades anais"?
Daqui a pouco *só chamaremos o anão* - o popular pintor de roda-pé ou leão de chácara de baile infantil - de *deficiente vertical* . O *crioulo* - vulgo picolé de asfalto ou bola sete (depende do peso) - só pode ser chamado de *afrodescendente*. O *branquelo* - o famoso branco azedo ou Omo total - é um cidadão *caucasiano desprovido de pigmentação mais evidente*. A *mulher feia* - aquela que nasceu pelo avesso, a soldado do quinto batalhão de artilharia pesada, também conhecida como o rascunho do mapa do inferno - é apenas a dona de um *padrão divergente dos preceitos estéticos da contemporaneidade*. O *gordo* - outrora conhecido como rolha de poço,
chupeta do Vesúvio, Orca, baleia assassina e bujão - é o *cidadão que está fora do peso ideal*. O *magricela* não pode ser chamado de morto de fome, pau de virar tripa e Olívia Palito. O *careca* não é mais o aeroporto de mosquito, tobogã de piolho e pouca telha. Chama-se deficiente capilar.
Nas aulas sobre o barroco mineiro, *não poderei mais citar o Aleijadinho*. Direi o seguinte: o *escultor Antônio Francisco Lisboa portador de necessidades especiais*... Não dá. O politicamente correto também gera a morte do apelido, essa tradição fabulosa do Brasil.
Falei em velho Bach e me lembrei de outra. A velhice não existe mais. O sujeito cheio de pelancas, doente, acabado, o famoso pé na cova, aquele que dobrou o Cabo da Boa Esperança, o cliente do seguro funeral, o popular tá mais pra lá do que pra cá, já tem motivos para sorrir na beira da sepultura. A *velhice agora é simplesmente a "melhor idade".*
Se Deus quiser morreremos, todos, gozando da mais perfeita saúde. Defuntos? Não. Seremos os inquilinos do condomínio Cidade do Pé Junto.
E pra findar não chame ninguém de corno filho da puta. Diga corretamente: Você é um grandissíssimo 'terceirizador de serviços conjugais, rebento duma locadora de vagina"!

Roldão Simas Filho

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