outubro 18, 2010

Os reflexos e as reflexões de Monet

"Pobre Claude Monet. Está em todos os lugares e, ao mesmo tempo, invisível, fora de moda há mais de um século. Será tarde para resgatar parte do choque e do frisson que ele causou na Paris dos anos 1870?
Surpreendentemente, não, e uma exposição no Grand Palais é um começo.
O maior espetáculo da arte neste outono europeu, com cerca de 160 pinturas, é a primeira chance, em muito tempo, de ver todo o alcance do seu trabalho. Os franceses a tratam como uma celebração nacional.
Monet, o decorador populista de bistrôs de gosto duvidoso, é o mais belo dos pintores modernistas, mas não foi particularmente dotado como pensador ou polemista.
A exposição restaura parte do seu status original. Mais do que apenas como o impressionista familiar, ele aparece como um pintor dotado de uma estranha e fugidia probidade, de memória e reflexão, como um artista que busca não só emular o sol, a chuva e a neve, mas também estados de espírito.
Em parte, ele faz isso voltando reiteradamente a certos locais e motivos, muitas vezes completando as imagens no seu ateliê, com base no que recordava.
Monet produziu 2.000 obras, mas suas melhores pinturas contornam o problema da sua própria reprodução ao infinito, já que são, digamos, irreproduzíveis.
Simplesmente não existe possibilidade de capturar a luz rosa e roxa que emana das suas sombrias divagações sobre Veneza, a não ser parando diante dessas obras.
As telas estão impregnadas com uma espécie de tristeza definida como delicada.
Seu caminho do materialismo realista para uma maior abstração nunca foi reto.
As condições ditaram o estilo. O vapor que se erguia pela escuridão na Gare Saint-Lazare um dia pediu delgados floreios de rosa e branco sobre manchas de pigmento cinza-azulado.
No dia seguinte, o sol impetuoso da primavera exigia uma clareza mais cristalina.
E antes mesmo do portal de pedra de Étretat, Monet já havia escolhido pontos e traços para conotar a natureza bruta e o vento forte. O estilo, precisamente o que chocou os parisienses da velha-guarda, fazia-se passar por um instantâneo do objeto.
O pintor criou versões tão chamativas para vistas e monumentos que, diante da coisa real, um instinto natural era reconciliar a verdade com a ficção, e não o contrário.
As visões de Monet sobre os lugares chegam até a suplantar nossas lembranças diretas dos mesmos.
Ele se aproveita de como a memória aciona as emoções, e se aloja na mente. Monet estava realmente pintando estados mentais, estados de reflexão.
Seus sublimes e tardios "Nenúfares" são literalmente isso: reflexos de luz, nuvens e folhagens no seu lago em Giverny.
O abismo erótico, misterioso e multicolorido do espaço cintilante e indefinido de certa forma descreve a própria memória.
O que torna essas imagens tão modernas é principalmente a aspiração de dar conta do intangível -de tornar imateriais milhões de fatos materiais, e libertá-los do tempo.
Em Giverny, Monet podia ver a transitoriedade diária das coisas, salvas do esquecimento apenas pela memória e a arte.
Há uma foto que ele tirou de si mesmo em torno de 1905, já sexagenário.
Ele aparece em pé, ao lado do lago dos nenúfares, e sua cabeça lança uma sombra sobre a água.
A foto exala melancolia, porque, como qualquer foto, é uma lembrança, com aquela sombra, de algo que já se foi, exceto na imagem e nas nossas recordações.
Monet conseguiu na foto o que ele exaltou na pintura: o prazer efervescente de ver, e a inevitável desaparição desse prazer. A realidade, com sua desordem e com seu ruído, não consegue ficar à altura do que Monet pintou.
Monet nos mostrou "lugares que já existiam na nossa imaginação", conforme disse Marcel Proust, "como que esperando para serem descobertos, e que agora clamam por nosso afeto".
"É preciso haver alguém que nos diga, 'Eis o que você pode amar: ame'."
Monet faz exatamente isso.
E como podemos não amar?"

MICHAEL KIMMELMAN

Nota: Link no título para a exposição (imperdível) e http://www.fondation-monet.fr para a Fundação Monet.

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