outubro 29, 2010

Falsa Intimidade

"Fala-se sobre as frágeis relações amorosas de hoje, tão afetadas pela urgência de satisfazer desejos imediatos, pelas inúmeras possibilidades de contato instantâneo e pela pouca durabilidade dos sentimentos. Me pergunto:onde está o furo dessa história ? O que perdemos no meio do caminho? talvez nem tenhamos perdido, talvez simplesmente nunca tenhamos encontrado aquilo que só a poucos casais foi dado viver e que os mantem unidos a despeito de toda a artilharia.
A marioria, hoje, vive suas relações afetivas e sexuais de forma periférica. Contenta-se com cama, orgasmos e satisfação dos instintos. Isso somado a um cineminha, uma escapada no feriadão e um almoço em familia configura uma privacidade compartilhada, e é o que basta para confirmar que a relação existe, seja ela chamada de rolo, namoro ou mesmo casamento.
Ainda me pergunto: onde está o furo da historia? Por que essa privacidade compartilhada não se sustenta por muito tempo, não satisfaz 100% e gera tantas frustrações?
Com a possibilidade de acesso virtual a uma variedade de candidatos a grande amor e de seus cadastros (idade, profissão, time, fetiches), entrar na privacidade dos outros ficou muito fácil. Porém, em proporção inversa, que nem mesmo algumas relações duradouras conseguem atingir.
Intimidade não se externa, não se divulga, não se oferece na internet. É nosso bem mais secreto, e onde guardamos a chave do nosso mistério, das nossas dores, das nossas dúvidas, da nossa emoção genuína. Não se compartilha isso com outra pessoa se ela nao tiver sensibilidade suficiente para nos ouvir e entender, para nos aceitar e nos acrescentar, para nos respeitar e ofertar em troca sua própria intimidade, selando a partir daí um tipo de pacto que beira o sublime.
Essa intimidade requer confiança plena, compatibilidade na maneira de enxergar o mundo e nenhum instinto maléfico em relação ao outro. Intimidade é quando duas pessoas, mesmo distantes em espaço, estão profundamente unidas porque se reconhecem cúmplices, não competem pela razão. Claro que a intimidade não consegue evitar ciúmes e conflitos de idéias, e tampouco se pretende que ele acabe com a solidão de cada um, que é sagrada, mas ela assegurará a longevidade de uma união que será estabelecida pela generosidade do olhar: se estará mais preocupado em enxergar a alma do outro do que em fiscalizar para onde ele está olhando.
Amigos conseguem essa magia mais do que muitas duplas românticas, que frequentemente se enganam a respeito da falsa intimidade que o sexo faz supor. Invadir a privacidade alheia é moleza, basta um torpedo, um telefonema, um encontro. Mas ter acesso ao mundo interno que o outro habita e sentir-se à vontade nesse mundo é que torna tudo mais raro, mais mágico e mais eterno".

Martha Medeiros

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