setembro 20, 2010

Mil pequenas diferenças

"Voltei no mês passado a viver na Inglaterra após um hiato de 30 anos. Chovia. O meteorologista da TV, diante de um mapa cheio de nuvens negras, previu "períodos de sol" nas próximas 24 horas. Isso me fez voltar no tempo.
Períodos de sol! Fiquei muito tempo sem ouvir a frase, mas ela habitava algum lugar no fundo do meu ser. Sim, esses momentos iluminados entre as nuvens, tão típicos da Grã-Bretanha, em que o vento raramente morre e tudo goteja. Um "período", nesse sentido, tem a duração aproximada de quatro minutos, algo mais curto que sua variação, um "intervalo ensolarado", que segundo dizem dura meia hora.
A fleuma britânica é bem conhecida, e provavelmente tem muito a ver com sua milenar monarquia e com o tempo instável. Perguntei a um amigo sobre a mudança climática. Difícil saber, disse ele, o clima aqui muda a cada dez minutos. Mas claro que existe aquecimento global, não? "Sim, certamente desde que instalamos aquecimento central na década de 70!"
Esta é uma nação que já viu muita coisa. Para os britânicos, "wit" [presença de espírito] é a melhor resposta aos caprichos da vida. O Império veio e se foi, assim como a "Cool Britannia" de Tony Blair. O que sobra atualmente é uma nação endividada, farta dos banqueiros da City, e preocupada com cortes orçamentários.
Antes que eu fale de política, uma palavra sobre a língua inglesa. Perguntei outro dia pela "mail box" [caixa de correio], e ficaram me olhando. Sim, insisti, brandindo uma carta, "mail box". "Ah, o sr. quer dizer uma 'letter box'."
Acho que foi isso que eu quis dizer. É, deixa para lá, eu deveria ter dito em bom modo anglicano para que aquilo fosse "sorted" [resolvido]. Mas as coisas não estavam nada resolvidas. Passei por uma oficina que oferecia "tyre changes" [trocas de pneus].
Isso causou uma explosão no meu filho adolescente. "Eles não escrevem 'tire' com Y, né?" Sim, confessei, eles escrevem. Também pedem o café "branco", quando querem com leite.
Mil pequenas diferenças podem causar confusão, então talvez não seja surpreendente que as relações entre EUA e Grã-Bretanha estejam frias, apesar de ambos terem como líderes quarentões joviais, enfrentarem a ressaca da bolha das hipotecas securitizadas, sofrerem com déficits descontrolados e precisarem um do outro para confrontar um mundo com novos padrões de poder.
No mínimo a Grã-Bretanha, que já aspirou a ser para os EUA o que a Grécia foi para Roma, poderia dar conselhos sobre como fazer a transição do domínio para a cooperação, encarnada pela Commonwealth Britânica.
Mas Barack Obama não é Bill Clinton, que estudou em Oxford. Não é tampouco George W. Bush, que inalava "relações atlânticas" por meio do seu pai, guerreiro da Guerra Fria. Nem é Ronald Reagan, com seu intenso casamento ideológico com Margaret Thatcher. Não, Obama é de inclinação asiática, e seus assessores econômicos estão lhe dizendo que a Ásia e seu rápido crescimento são o que interessa. A "relação especial" da América com a Grã-Bretanha se tornou bastante banal.
É uma pena. A aliança ocidental é importante. Se Londres e Washington não conseguirem encontrar um léxico comum, o mundo será menos estável. O primeiro-ministro David Cameron é um pragmático. Vê a Grã-Bretanha como uma ponte entre os Estados Unidos e a União Europeia, mas precisa de um novo grau de envolvimento por parte de Obama.
O "intervalo ensolarado" da Grã-Bretanha no cenário mundial terminou décadas atrás. O da América vai passar também. Apesar dos conselhos vindos de Cícero -"Não hesite um só momento em travar com todas as suas energias uma guerra para preservar a glória do nome romano, a segurança dos nossos aliados, nosso rico rendimento, e as fortunas de inumeráveis cidadãos privados"-, Roma caiu.
Os EUA, em guerra enquanto a China ascende, precisam de todos os seus amigos agora, mesmo os antigos, naquele canto nublado e de baixo crescimento no oeste da Eurásia".

ROGER COHEN

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