maio 14, 2010

Requiem a um ateu

"Então, estive estudando sobre envelhecimento e essas coisas. E dias desses, ouvi de uma pessoa querida a seguinte frase: não seria melhor se vc tivesse uma religião? Em momentos difíceis, ela dá esperança.
Mas defendo o ateísmo radical. É absolutamente necessário abraçarmos Espinosa: para a Natureza, é indiferente se um determinado homem existe ou inexiste. Qualquer dos nossos males faz-nos sentir "injustiçados", "violados" por uma força maior. "Why me?". O ateísmo liberta justamente desse senso de injustiça que, desenvolvendo-se ao seu limite, é a fonte da amargura e da Tristeza Maior dos velhos e doentes. Não há razão para que um mal físico qualquer atinja A ou B. Nós somos inocentes. Melhor atribuir nossas mazelas aos hábitos, à genética; até o acaso, que é outro nome para a má sorte. Mas não nos (des)culparmos; isso é irracional, não compreende as leis a que nosso organismo obedece e quer ir além das possibilidades que ele tem; faz pouco dos nossos esforços para sobrevivermos, tanto dos grandes quanto dos miúdos, que existem em nosso dia-a-dia. Não devemos buscar, a partir daquele equivocado sentimento de injustiça, uma reparação divina. A justiça e o mérito são conceitos humanos; a natureza não é justa ou injusta, e essa amoralidade essencial repete-se ao longo dos séculos; deixando-nos, para o dia em que nos extinguirmos, a certeza de que, por piores ou mais tolos que sejam os homens, ela vai seguir seu curso. O Universo é livre, e somos parte de sua liberdade essencial. Nenhuma falsa esperança deve servir para ocultar nossa imensa fragilidade; e nenhum temor excessivo que sobrevalorize a dor ou a solidão decorrentes de nossa velhice ou doença. É isso aí: acatar a indiferença da natureza também é evitar a autocomiseração e viver com o melhor que, ao longo desse trajeto material e vulgar, conseguimos tirar do gênero humano.
Mas abraçando essa indiferença da natureza... não desaparece tudo aquilo que é humano? Não estamos simplesmente sendo equívocos e covardes, negando a responsabilidade que temos para com os outros homens?
Bem, aí a história é outra. Nossa virtude ao adoecer e envelhecer deve, sim, vir da certeza de que fizemos da vida ou da morte uma escolha, de que não atormentamos os outros desnecessariamente, mas suportamos, firmes e de consciência limpa; certos de que não merecemos nem deixamos de merecer o que acontece em nosso corpo, mas sim que agüentamos o nosso mísero (e talvez amargo) quinhão de indiferença da natureza."

Do blog Cidade dos Sonhos - link no título

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