maio 05, 2010

André Comte-Sponville




RAZÕES PARA NÃO CRER
- O espírito do ateísmo
“A idéia de que Deus tenha podido consentir em criar tamanha mediocridade – o ser humano – me parece, mais uma vez, de uma plausibilidade baixíssima. 'Deus criou o homem à sua imagem', lemos no Gênesis. Isso nos faz duvidar do original. Parece-me muito mais concebível, muito mais sugestivo, muito mais verossímil que o homem descenda do macaco.” “A miséria do homem, como diz Pascal, me parece muito mais incompatível com sua origem divina do que sua grandeza com sua origem natural! O fato de sermos capazes de amor e de coragem, de inteligência e de compaixão, isso a seleção natural pode bastar para explicar: são vantagens seletivas, que tornam a transmissão dos nossos genes mais provável. Mas que sejamos a tal ponto capazes de ódio, de violência e de mesquinharia, isso (que o darwinismo explica sem dificuldade) me parece exceder os recursos de qualquer teologia. É inútil explicar que não sou exceção. Quanto mais eu me conheço, menos posso crer em nossa origem divina. E, quanto mais conheço os outros, menos a coisa se arranja... Crer em Deus é pecado de orgulho. Seria atribuir a nós mesmos uma causa muito grande para um efeito tão pequeno. O ateísmo, ao contrário, é uma forma de humildade.”
Como criações divinas, os homens são incompreensivelmente diabólicos. Como animais, são muito mais compreensíveis. “O mesmo homo sapiens, que não seria mais que uma imitação grotesca de Deus, é o mais extraordinário, de longe, de todos os animais: ele tem um cérebro espantosamente complexo e eficiente; é capaz de amor, de revolta, de criação; inventou as ciências e as artes, a moral e o direito, a religião e a irreligião, a filosofia e o humor, a gastronomia e o erotismo..”
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“A Inquisição ou o terrorismo islâmico, para tomar esses dois exemplos, ilustram claramente a periculosidade das religiões, mas não dizem nada sobre a existência de Deus. Toda religião, por definição, é humana. O fato de todas terem sangue nas mãos poderia tornar alguém misantropo, mas não bastaria para justificar o ateísmo – o qual, historicamente, tampouco está isento de recriminações, especialmente no século XX, nem de crimes.
Não é a fé que leva aos massacres. É o fanatismo, seja ele religioso ou político. É a intolerância. É o ódio. Pode ser perigoso crer em Deus. Vejam a noite de São Bartolomeu, as Cruzadas, as guerras de religião, o jihad, os atentados de 11 de Setembro de 2001... Pode ser perigoso não crer. Vejam Stálin, Mao Tsé-Tung ou Pol Pot... Quem vai calcular os mortos, de um lado e de outro, e o que eles poderiam significar? O horror é incalculável, com ou sem Deus. Isso nos ensina mais sobre a humanidade, infelizmente, do que sobre a religião.”
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“O que vocês pensariam de um pai que se escondesse dos seus filhos? 'Não fiz nada para manifestar minha existência, eles nunca me viram, nunca me encontraram', ele contaria a vocês. 'Deixei-os crer que eram órfãos ou filhos de pai desconhecido, para que fossem livres de acreditar ou não em mim...' Vocês achariam que esse pai é um doente, um louco, um monstro. E teriam toda razão. Que Pai seria este para se esconder em Auschwitz, no Gulag, em Ruanda, quando seus filhos são deportados, humilhados, esfaimados, assassinados, torturados? A idéia de um Deus que se esconde é inconciliável com a idéia de um Deus Pai.”
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"No fundo, o que é crer em Deus? Crer em Deus é crer que o essencial de nossos desejos, de nossos desejos mais fortes, será satisfeito, ou até mesmo já está satisfeito. O que desejamos, no fundo, acima de tudo? Não morrer, reencontrar aqueles que perdemos, ser amados... E o que nos diz a religião? Que não morreremos, ou não verdadeiramente, que vamos resuscitar; que reencontraremos aqueles que amamos e perdemos; enfim, que somos amados para além de toda a esperança. Como gostaria que isso fosse verdade!”
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“...não creio primeiro porque nenhum argumento prova sua existência; depois, porque nenhuma experiência o atesta; enfim, porque quero permanecer fiel ao mistério, ante o ser; ao horror e a compaixão, ante o mal; à misericórdia ou o humor, ante a mediocridade; enfim à lucidez, ante nossos desejos e nossas ilusões.”
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"Sinceramente, será que você precisa acreditar em Deus para pensar que a sinceridade é melhor do que a mentira, que a coragem é melhor do que a covardia, que a generosidade é melhor do que o egoísmo, que a doçura e a compaixão são melhores do que a violência ou a crueldade, que a justiça é melhor que a injustiça, que o amor é melhor que o ódio? Claro que não!
Se você acredita em Deus, você reconhece em Deus esses valores; ou, talvez, você reconhece Deus neles. É a figura tradicional: sua fé e sua fidelidade andam juntas, e não sou eu que vou criticá-lo por isso. Mas os que não têm fé, por que seriam incapazes de perceber a grandeza humana desses valores, sua importância, sua necessidade, sua fragilidade, sua urgência, e respeitá-los por isso?"

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