abril 01, 2010

CHICO ALBUQUERQUE

" Lembro da manhã em que batemos à porta dele, em Fortaleza, para uma entrevista que seria publicada no caderno de cultura do jornal local. Ia acompanhado de um colega, então jovem e inexperiente como eu, que implorara para ir junto, pois assim teria a oportunidade de conhecer o homem que fizera still para Orson Welles, que introduzira a fotografia na publicidade brasileira, ajudara a conceber a identidade visual de quase todas as revistas da Abril e era o mestre de gente como Ed Viggiani e Bob Wolfenson.
Estávamos excitados para falar com "seu Chico" como nós cearenses sempre nos referimos a Chico Albuquerque, este gênio da fotografia, morto em 2000, e que agora, dez anos depois, ganha livro caprichado, com o melhor de suas quase sete décadas de carreira.
Naquela manhã de sol abrasador em Fortaleza, atendeu-nos à porta um velhinho de sorriso aberto e óculos de armação dourada. Os cabelos muito brancos, penteados para trás, deixavam exposta a testa larga, alva, pontilhada por pequenas pintas escuras. Já beirava os 80 anos, mas uma incontida jovialidade lhe irradiava dos olhos claros, que ficavam mais apertados e quase cerrados sob as pálpebras a cada vez que sorria.
E como sorria o seu Chico. Antes de acomodar-se na cadeira de balanço com encosto de palhinha, pediu-nos licença para ir até a vitrola e virar o disco de vinil que estava ouvindo.
Meu colega, talvez na intenção de quebrar o gelo, comentou algo assim, com ar saudosista: "Também prefiro o vinil a esses CDs que estão chegando agora ao mercado. Este chiadinho tem um charme danado, não é?". Seu Chico sorriu mais uma vez. "Ah, é? Pois eu não gosto", respondeu. "Detesto ouvir música com chiadinho.
Só que, infelizmente, este concerto de Mozart ainda não está disponível em CD." Foi a primeira lição do dia. Viriam outras, ao longo da entrevista.
"Vocês, jovens, precisam aproveitar os recursos do tempo no qual tiveram a sorte de nascer", ralhou, com sorriso delicado.
Sempre fora um pioneiro.
Décadas antes, quando os fotógrafos brasileiros ainda utilizavam calorentas luzes contínuas, ele importara um então moderníssimo conjunto de flashes eletrônicos para o estúdio na Rebouças, em São Paulo, onde revolucionou a arte do "portrait" (retrato) no Brasil.
Com isso, conseguiu efeitos até então inalcançáveis por outros profissionais do ramo no país. É o que revela Rubens Fernandes Júnior, professor e crítico de fotografia, autor do texto de abertura do livro Chico Albuquerque, que chega às livrarias. "O retrato dele era supremo", escreve, por sua vez, o fotógrafo German Lorca
.
Nascido em Fortaleza em 1917, Chico iniciou a carreira aos 15 anos, quando o pai, também fotógrafo, pediu para que o substituísse nas filmagens de um documentário sobre a seca.
Em 1942, quando Orson Welles veio ao Brasil filmar "It's All True", Chico, aos 25 anos, foi escalado para fazer o still do filme quase mitológico, nunca terminado. Depois de idas e vindas ao Rio de Janeiro, a partir de 1947 radicou-se em São Paulo. Dois anos depois, na agência J. W. Thompson, foi de suas lentes que saíram as primeiras campanhas a utilizar fotografias na publicidade brasileira. Os anúncios, antes disso, recorriam ao bico de pena.
Além de suave "gentleman", Chico era, acima de tudo, um eclético. Se seus sofisticados retratos, feitos em estúdio, marcaram época, as imagens que captava ao ar livre eram de embasbacar. Vide a série "Mucuripe", na qual imortalizou a labuta diária de uma aldeia de pescadores em Fortaleza.
Chico, que fotografou como ninguém homens suados e tostados de sol, soube imprimir irresistível glamour em anúncios de cigarros, sabonetes e automóveis. Era igualmente mestre na fotografia de arquitetura e de alimentos. Um esteta das formas, texturas, contrastes.
Tinha lá seus truques. Quando queria simular um apetitoso chantilly, não hesitava em usar creme de barba no lugar deste
.
De volta ao Ceará em 1975, nos últimos anos de vida estava descobrindo a fotografia digital. "Testemunhamos momentos de sua vibração e alegria com os resultados da nova tecnologia", diz o fotógrafo cearense Gentil Barreira, um de seus assumidos discípulos. Para Chico era assim, não havia lugar para anacronismos, mau humor ou queixas por supostas más locações. "A luz nos salvará", era seu lema preferido".

LIRA NETO

Nota:As fotos são da série "Mucuripe",de 1952, pescadores em praia de Fortaleza. (link no título)

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