março 23, 2010

Juventude eterna

Tão antiga quanto a história da humanidade é a nossa obsessiva busca da fonte da juventude. E, como não poderia deixar de ser, a arte dos homens, que é, em última instância, seu exato espelho, vem refletindo, desde que começamos a nos entender como seres eminentemente criativos, e fabulantes, o propósito, bem inútil, de permanecermos jovens para sempre. Como se isto fosse possível...
Mas não tem sido de impossíveis sobre impossíveis que chegamos, por exemplo, à Lua? Sem falar de outras conquistas em que, superando-nos a nós mesmos, os humanos acabamos donos da Terra, ainda que, verdade seja dita, até hoje não alcançamos dominar de todo o nosso oscilante coração... Este que parecia tão fácil de ser domado, persiste selvagem e misterioso, assim como o espírito que o anima e lhe dá a palpitante vida das coisas.
Peter Pan, Dorian Gray –para ficar nos exemplos mais à mão– aí estão para dizer da busca nossa em driblar a morte inevitável e, mais que ela, a degenerescência da precária matéria de que fomos construídos. Num de seus textos profundos, Clarice Lispector clamava no deserto –“Se uma pessoa perfeita do planeta Marte descesse e soubesse que as pessoas da Terra se cansavam e envelheciam, teria pena e espanto”.
Não é pois de causar surpresa a notícia distribuída há não muito tempo, segundo a qual cientistas ingleses da Universidade de Manchester conseguiram, depois de décadas de pesquisas, prolongar, pela primeira vez, a vida de um animal, com a aplicação de vitorioso tratamento contra o envelhecimento. A “velhice” de microscópicos vermes, acrescentaram as agências noticiosas, foi retardada cerca de 50%, em comparação com os mesmos vermes não submetidos à “terapia vital”.
Há um conto árabe, de autoria anônima, certamente que reinventado por alguma Sherazade perdida no tempo, que nos dá o homem imortal. Passam-se os séculos, e El Alin Ben El-Al não morre nunca; e nem envelhece, o que é ainda mais interessante. Cansado, contudo, de tanta juventude e de tanto tempo sobre este vale de lágrimas, Ben El-Al _sabe o ele que faz?_ suicida-se! O que, entre os árabes, se não a serviço de Alá, é pecado hediondo e inominável.
Velho e ainda outra vez irrecorrivelmente imortal, o destino de nosso herói islâmico é bem trágico –permanecer para sempre queimando no inferno maometano, o qual, segundo as más línguas, é bem pior que o nosso preclaro inferno cristão com demônios e tridentes. No inferno maometano os condenados são obrigados a morrer e a nascer todos os dias...
Gordon Lithgow, o cientista que comandou o estudo em torno dos vermes Caenorhabditis elegans, explicou que estes foram submetidos a um coquetel de drogas anti-oxidantes para a eliminação dos chamados “radicais livres” –moléculas danadamente reativas que liquidam ao longo do tempo com as células de qualquer ser vivo. Os radicais livres seriam, por exemplo, como a ferrugem é para o metal exposto à maresia –detalhou aos leigos o eminente pesquisador britânico.
Em pesquisa científica, sabemos, basta uma amostragem para que se descortine todo um mar de possibilidades, ainda que essas possibilidades sejam mais remotas do que o condenado do Islã em salvar-se de sua morte cotidiana no intolerável inferno de Alá. Quantos milhares de anos teremos de esperar para que as pesquisas com os “elegans” sejam aplicadas aos seres humanos?
Como nenhum de nós certamente estará vivo para enxergar de frente o homem imortal, vamos ficando mesmo com esta morte nossa à qual já nos habituamos, e a incontornável velhice que pode vos pôr no rés do chão. Velhice esta que, a crer no eterno Dorival Caymmi (1914-2008), um antivelho por excelência, tão olímpico quanto zen, que afirmava ser ela capaz de nos condenar ao fim e à decrepitude, mas nos legava, em contraponto, ao espírito, o sabor do saber mais consistente e a “essência” que é, dos velhos e dos sábios, quase uma segunda alma.
Pena que Peter Pan nunca tenha desejado uma alma imortal, preferindo apenas a narcísica eternidade da carne –ali onde, cruel ironia, tudo enfastia, cansa e perece.

Wilson Bueno na Revista Trópico

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