dezembro 20, 2009

Almodovar, quem diria...

É de Jorge Coli no seu Ponto de fuga,no domingueiro +Mais da FSP, o melhor comentário sobre Abraços Partidos...
"QUEM DIRIA
Almodovar, transgressor, provocador, petulante, neopunk da "movida madrileña", desde 1980 esfregava no focinho do mundo filmes como "Pepi, Luci e as Outras" e "Maus Hábitos".
Encarnou então a expressão cultural mais conhecida da insolente nova riqueza de uma Espanha que se fazia europeia:
eufórico, o país despertava de muitas décadas cinzentas e depressivas.
Em seguida, Almodóvar conheceu uma passagem mais frívola e desprendida com "Ata-Me!", "De Salto Alto" ou "Kika". Depois, enveredou por obras viscerais e angustiadas, das quais "Carne Trêmula" e "Tudo Sobre Minha Mãe" seriam as mais altas.
A sexualidade maluca dos primórdios persistia, mas transformada em loucura grave. Mantinha, em doses diferentes, a ironia que expunha a desordem dos desejos; e o drama, cujo kitsch era empregado para desmontar qualquer rótulo ou categoria sexual.
Diante desse passado, seu último filme, "Abraços Partidos", empalidece. Começa bem, com um cego sedutor e uma linda moça, que o ajudou a atravessar a rua: tem-se a impressão de um Buñuel light.
A estratégia da câmera toma pontos de vista inesperados, capta magistralmente reflexos, cria sequências seguras e elegantes. Mas ela é insuficiente para assegurar o interesse do espectador durante duas longas horas.
O filme se deixa ver com um vago sentimento de tédio.
Lágrimas
Com "Abraços Partidos", Almodóvar enfrenta o melodrama, desta vez a sério, à maneira de Goulding, Stahl, Sirk. Ou dos grandes mexicanos.
Não é nunca um cineasta banal. Mas lhe falta a intensidade passional exigida pelo gênero, a mesma que permitia a Sirk fazer milagres com um ator tão inexpressivo quanto Rock Hudson.
Um sentimentalismo pequeno percorre "Abraços Partidos", anêmico e insuficiente.
Logo o espectador não se importa mais com segredos terríveis ou trágicos destinos.
Fantasmas
"Abraços Partidos" é também um filme sobre o cinema.
Nele desfilam uma infinidade de citações nas quais Almodóvar parece se perder. Ao contrário de um Brian de Palma ou Tarantino, não nutrem a obra de vigor.
No início, o espectador tenta descobrir as referências. Logo, o joguinho enjoa: Michael Powell, Rosselini, Lang, Antonioni, Preminger, tantos e tantos, entre eles o próprio Almodóvar. Elas são mesmo constrangedoras para "Abraços Partidos", insistindo em expor, diante do próprio diretor e mais ainda diante dos outros, sua estatura acanhada.
Reação
Há um ditado que diz: quando o diabo fica velho, vira sacristão. Junto com a crise criadora, Almodóvar, hoje com 60 anos, resvala para o conformismo moral. Isso já despontava em "Má Educação", em que os laços amorosos e homoeróticos no colégio são mostrados de modo unívoco e condenatório (tão diverso de "Dúvida", de John Patrick Shanley); dentro do filme, o cineasta, alter ego do diretor, sentencia um discurso virtuoso.
Em "Abraços Partidos", o jovem homossexual é ridículo, feio, cheio de espinhas e tratado com desprezo por outro cineasta consagrado; ao se tornar adulto, mostra-se desequilibrado e incapaz.
Sua visão da velhice também é preconceituosa. O amante idoso da infeliz e atraente Lena vem qualificado como monstruoso e abjeto. É violento, possessivo e infame para que melhor triunfe a beleza da paixão sem jaça entre o casal formado por Penélope Cruz e Lluís Homar. Um cúmulo para Almodóvar, que, no passado, explorou de maneira pessoal e subversiva as variadas fronteiras da sexualidade".

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