novembro 20, 2009

A MORTE DO GOURMET

“Na intersecção da crosta com o miolo em compensação, é um moinho que toma forma diante de nosso olhar interior,a poeira do trigo voa em torno da mó, o ar infestado pelo pó volátil, e nova mudança de quadro, pois o palato acabou de esposar a espuma alveolada libertada de sua carga e o trabalho dos maxilares pode começar. É mesmo um pão.”

Neste que foi seu livro de estréia Muriel Barbery (A Elegância do Ouriço - sobre a vida dos moradores de um condomínio chique de Paris vista pela concierge-filósofa foi o segundo) analisa o valor e a verdade dos afetos gastronômicos. A Morte do Gourmet é uma história ambientada no mesmo condomínio parisiense e gira em torno de um de seus moradores. Pierre Arthens,o mais temido crítico de gastronomia de Paris, poderoso, inteligente e arrogante ( ‘decide’ o destino dos restaurantes) está à beira da morte e , fiel às suas obsessões, tenta relembrar o sabor que seria o instrumento de sua libertação, mas que foi perdido no tempo. Algo que provou, de um sabor particular que não lembra o que é.
Sua biografia vai sendo tecida em curtos capítulos escritos por amigos, amantes, famíliares e apreciadores de comida. Em que pese já haver sido premiado na área de gastronomia, o livro não trata apenas dos sabores degustados, mas dos sabores vividos, dos gostos que marcam nossa lembrança. A mobilização de sentidos, não só de quem cozinha, mas também de quem degusta.(“...degustar é um ato de prazer, e descrever esse prazer é um fato artístico, mas, a única verdadeira obra de arte, definitivamente, é o festim do outro”).
Há quem considere haver a autora aproveitado o espaço para lançar mão da tese de que a comida seria a principal arma de sedução das mulheres. Preparar o alimento com o coração, empreendendo num prato um grau de emoção difícil de ver numa cozinha profissional, seria a forma de prender seus homens "não pelos cordões da administração doméstica, pelos filhos, pela respeitabilidade ou mesmo pela cama - mas pelas papilas".
De enredo curioso, não é imperdível.

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