novembro 16, 2009

Bilhete de Identidade

A vida da gente só parece vazia e desinteressante até o momento em que viajamos através da memória buscando contar uma história a nosso respeito. Ser ao mesmo tempo ator e expectador de nós mesmos, não é tarefa das mais fáceis. Como atores, agimos e sofremos, enquanto que, ao nos ver, somos tentados a 'compreender' , a ser auto-condescendentes, justificando as razões de nossos gestos e palavras. Tendemos a fazer com que a verdade passe a ser a nossa verdade. Porém, ser expectador e narrador de nós mesmos é o único caminho para se conseguir dar um passo além, nos tornando autor de nossa história. Não se trata de simplesmente narrar episódios vividos, mas de narrar nossa existência buscando nela o fio que liga nossas vivências e lhes dá sentido. (Ops! Isto não é uma introdução à minha autobiografia).
Tenho um lado meio de voyeur que gosta muito de (auto) biografias. Nelas não vejo apenas bisbilhotices. Considero que , ao ler (ou ouvir) sobre a vida dos outros, aprendemos como pode ser a existência, como arranjar a vida ante a velhice, o desamor, a morte dos outros e a nossa. Conhecendo a vida dos biografados, suas aventuras e desventuras, deduzimos o que nos espera.
Como diz a Dulce Critelli (terapeuta existencial que 'frequenta' este blog) : “Os anos vão nos fazendo e também nos desfazendo. Surgem perguntas sobre o que serei amanhã? O que terei feito de mim? A “navegação” da própria existência é cheia de riscos.... Num mundo cuja essência aleatória é cada vez mais evidente, quando não mais nos esperam nem o céu nem o inferno e nem existem ideologias nem religiões para ordenar convenientemente o caos, em meio a tanto vazio, a vida dos outros muitas vezes nos mostra o caminho.”
Todo este blablabla é para dizer que ando lendo o BILHETE DE IDENTIDADE, de autoria da portuguesa Maria Filomena Mónica, que traz um subtítulo Memórias 1943-1976. Bilhete de identidade é como se chama o documento nacional de identificação civil em Portugal. A memória seria como o bilhete de identidade do indivíduo, pessoal e intransmissível e a curiosidade surge precisamente com base nessa pessoalidade.
A propósito do lançamento do livro, no Diário de Notícias de 13 de Novembro de 2005 o comentário de João Céu e Silva: “...Nesse retrato que faz de si própria ao longo dos 33 primeiros anos de vida, Maria Filomena Mónica acaba por o transformar num retrato sociológico - e antológico - de uma geração que ainda hoje está no poder, ou por perto, exibindo a sua vida como um filme de muitas horas, que se vê sem doer o rabo.”
Não dói mesmo. É uma delícia!
Pensamento do dia: ainda que algumas vidas nos pareçam bem mais ricas e glamourosas do que a nossa, composta de miudezas e insignificâncias, o consolo é que tudo acaba igual!

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