outubro 25, 2009

A cidade e a poesia


"As cidades são como as pessoas, têm os seus segredos, e às vezes guardam-nos bem guardados. Há quem goste muito do Porto e há quem o desteste. Queria falar desta cidade “tão masculina” sem nenhum peso de erudição, que é coisa tão inimiga da poesia, que só Borges, que eu saiba, lhe conseguiu arrancar alguns versos dignos da sua prosa. Também não me parece leal contrapor-lhe outras cidades e, menos ainda Veneza. Toda gente sabe que se Veneza não cheirasse a água podre seria incomparável, mas cheiro por cheiro antes o de Marraquexe; Marraquexe cheira a cavalos que é cheiro de homem. Há quem goste do Porto, dizia eu; Marguerite Youcenar - ninguém sabe, porque foi a mim que o disse - andou por aqui dois dias fascinada com a Ribeira e as encostas da Sé .Isto de gostar não tem explicação fácil . O mais simples é, se nos pedem razões, dizê-lo como as palavras de Montaigne: Parce que c' était lui, parce que c' était moi. Mas não só o amor tem estranhos mecanismos ..."
(Eugénio de Andrade, em À Sombra da Memória)

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