agosto 04, 2009

Premio São Paulo de Literatura

Ronaldo Correia de Brito venceu com o livro "Galiléia" a categoria Melhor Livro do Ano, no Premio São Paulo de Literatura. Algumas crônicas dele podem ser lidas aqui no blog. O que disse Paisagens da Crítica em janeiro, a propósito do livro premiado:

"Galiléia  talvez seja o melhor romance brasileiro de 2008. Certamente é um dos dois ou três que marcaram o ano. 
Ronaldo Correia de Brito, médico e cearense que mora no Recife, já mostrara sua prosa reflexiva e cortante nos contos de As noites e os dias, de 1997, e em Faca, de 2003.  
Com Galiléia, porém, vai bem mais longe e conta a história de uma família que gira em torno de seu patriarca, Raimundo Caetano. O lugar de encontro é a fazenda Galiléia, no sertão do Ceará, onde Raimundo sempre imperou e, agora, moribundo, vai morrer. Para lá vão netos que migraram para a cidade, lá estão os que permaneceram no campo. Cada membro da família construiu, ao longo do tempo, seu repertório de aflições e a visita à Galiléia provoca o cruzamento terrível das angústias.
Por isso, o livro é uma odisseia em busca do passado e apresenta, de modo proustiano, nossas dúvidas frente ao que nos compôs – lugares, pessoas, gestos e desesperos.  A dificuldade de entender os momentos que definiram o que somos, para o bem e para o mal. O tempo – disse Borges, substância formadora dos homens.
A questão – e Adonias, o narrador de Galiléia sabe muito bem – é que o passado não existe em si, nem dispõe de qualquer concretude ou unicidade: “Se fosse possível ter a resposta de todas as perguntas…”, pondera e lamenta Adonias. Mas ele não tem porque o tempo não é sequência, como gostaríamos de acreditar. O passado se faz e refaz a cada instante e suas dimensões, inúmeras, existem simultaneamente. Daí a dor de revisitar a fazenda; daí a dificuldade, vivida também pelos primos Ismael e Davi, de lidar com a imagem que seus itinerários pessoais produziram.
Não se trata mais de averiguar o que é falso e distingui-lo do verdadeiro. Porque a impossível verdade do passado impede qualquer julgamento posterior e assegura a persistência da dor. Irreversivelmente, o tempo resta perdido e nos aflige para sempre. Irreversivelmente.
É o efeito das dobras da memória, de sua impertinência e de sua violência. Mas Correia de Brito não confina seus personagens apenas aos labirintos do passado. Eles se perdem também na geografia do sertão. E Galiléia sonda, assim, o lugar do regionalismo na nova prosa brasileira.
Enquanto seus personagens viajam e cruzam estradas perdidas, o narrador constata saber de cor os nomes das plantas da caatinga, sem ser capaz, porém, de reconhecê-las. O almanaque mental – espécie de catálogo imaginário nos moldes de Funes, o memorioso: denso, complexo e inútil – ilustra a infertilidade do que é deslocado, do que se pretende autônomo e autossuficiente.
Porque o sertão de Galiléia é como o de Euclides da Cunha, de Graciliano Ramos ou de Guimarães Rosa. É como a Amazônia de Milton Hatoum – para ficar num paralelo atual. É a localidade “conversadora do mundo”. A parte que, sem o todo, não é parte. A parte que só existe nos vínculos complexos com o todo, com o que está além de seus limites estritos e restritos. É a aldeia – lembremos Octavio Paz – que permite pleitear a universalidade.
A ubiquidade do sertão, porém, não traz liberdade para seus filhos; o sertão os acompanha quando vão para o Recife, para Nova York ou para a Noruega. Ele se entranha na pele, assim como a infância, com todos os traumas possíveis e a dificuldade de decifrar o que nos formou. Tal qual o tempo, que devia libertar, mas não o faz, a geografia é prisão, é limitação. Não pelo que foi, mas pelo que somos e não conseguimos deixar de ser.
Assim, tempo e espaço de origem rodeiam os egressos da Galiléia e seguem com eles para onde forem. E a narrativa de Correia de Brito nos afoga a cada página, nos transtorna, como um bom romance tem que fazer. Como uma corda na garganta, o mar para quem se afoga"

por Júlio Pimentel Pinto 

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