março 11, 2009

A ALMA NÃO PRECISA DE OMEGA 3

As noites de insônia, em pleno verão que aprisiona a cidade na onde calor, não costumam ser profícuas. Ao contrário, geralmente estendem-se lânguidas e vagarosas sobre a cama do estio, fitando o céu sem estrelas, à espera do dia seguinte. Há certas noites, como a de hoje , por exemplo, quando me sento para escrever a crônica, em que tudo é silêncio . Não há vento e a cidade parece ressentir-se do calor extremo . Não há nada , nem ninguém nas ruas. Na varanda, olhos os mistérios do cosmos e penso no quão facilmente nos esquecemos de que nosso velho planeta não ocupa o centro dele. Como se a razão entendesse Copérnico , mas a emoção continuasse rendida ao geocentrismo de Ptolomeu. Enfim, divagações solitárias madrugada a dentro , frutos de uma mente que não consegue operar as inúmeras funções necessárias para que, simplesmente eu consiga adormecer.
Deixei as estrelas e vim para o computador , onde naveguei um pouco, atrás da inspiração para a crônica . Buscando a palavra, a história ou a saudade que me tome pela mão e me leve ao mundo das palavras.
Visitei alguns poetas de que gosto, outros que conheço pouco e que ainda quero conhecer. Deveríamos todos ler um poema por dia . As escolas deveriam iniciar seus trabalhos com um poema antes da maratona de aulas . Faz bem ao coração. Durante anos alimentei a fantasia de que as cidades deveriam operar emergências poéticas. Estabelecimentos que nos devolvessem a capacidade de sonhar e de adivinhar novos mundos, e que existiriam em cada bairro , abertos noite e dia, devolvendo humanidade aos pacientes . Na falta desta utopia , a internet é uma boa opção para quem, como eu, gosta de visitar a poesia regularmente.
Enfim, já tarde, acabei visitando Christina Rossetti, poetisa romântica inglesa que nos deixou uma obra delicada , de devoção e entrega. Rossetti foi deixada de lado pela onda modernista , mas na década de 70, o feminismo a trouxe de volta ao panteão das letras.
Cometi a heresia de traduzir um soneto dela, porque senti vontade de dividi-lo com vocês e porque trabalhar me ajuda a atravessar a noite, sem a desagradável sensação de ser o único ser acordado na cidade. A tradução não é grande coisa, mas a intenção é das melhores. De modo que a última página de hoje , para os leitores, encerra-se com poesia e, nos dias que correm, acreditem, a poesia é tão importante como o ômega 3 . O corpo vai deteriorar-se mais cedo ou mais tarde, mas as centelhas de inspiração avançam pelo tempo, como a luz acesas pelo poeta. Ao soneto, então:

Aqui pensando, em tudo o que perdi,
No que teria sido e jamais será,
Tua excelência vem me assegurar,
Que não sou merecedora de ti.

A mágoa é minha, que teimo em cair,
Que teimo em morrer, que teimo em deitar,
Querendo encolher, querendo chorar
Fitando a parede pra não mais fugir

E ainda assim, porque há esperança,
Rasgando a noite, o amor avança
E luta até que amanheça o dia ,
Quando, enfim, esgotada entrego o poder
E assisto ao meu coração florescer,
Pronta a aceitar que por ti morreria.

Miguel Falabella
na Isto É

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