fevereiro 27, 2009

A CABEÇA NO FUNDO DO ENTULHO DA LEITURA

Este texto é de autoria de Fernando Monteiro publicado no RASCUNHO O Jornal de Literatura do Brasil que vc pode acessar clicando no título desta postagem.
"Por que o brasileiro abandonou as poesias de T. S. Eliot para se abraçar ao livreiro de Cabul.
Há menos de trinta anos, a então boa cabeça do leitor brasileiro estava motivando matéria na revista Veja (12/08/1981). O título era Qualidade é sucesso, e o texto - não assinado - assinalava "a volta da literatura de qualidade, com os clássicos nas livrarias e Memórias de Adriano, de Marguerite Yourcenar, comemorando um semestre na lista dos mais vendidos no país".
A famosa lista começou a ser publicada em junho de 1973, com tal impacto que muitas livrarias passaram a exibir cartazes destacando "os mais vendidos da Veja", nas girândolas da entrada, reunidos atrativamente. A revista semanal da Abril foi quem introduziu aqui o que nos Estados Unidos era uma prática já antiga naquela altura - com a lista do jornal The New York Times na posição de ranking mais influente. Uma curiosidade: exatamente no ano em que a revista brasileira inaugurava a sua lista, o escritor Gore Vidal havia se debruçado, num artigo, sobre as listas do jornal americano (por sinal descobrindo - segundo ele - que a "arte de escrever" estava se transformando na "arte de escrever para o cinema", etc).
A primeira relação brasileira dos livros mais vendidos da semana, publicada há 35 anos, apresentava um romance de Erico Verissimo - Incidente em Antares -, o estudo A hegemonia dos Estados Unidos, de Celso Furtado, e um ensaio do americano Alvin Toffler (alguém se lembra do futurólogo?) como campeão de vendas: O choque do Futuro. Consultando-se a relação, nos meses subseqüentes, Erico comparece com o primeiro volume de sua autobiografia - Solo de clarineta - e o cinematográfico O exorcista, de William P. Blatty, aparece nas primeiras posições entre os estrangeiros, numa altura em que a revista separava obras nacionais e de fora (embora misturasse ficção com não-ficção).
Pulemos uma meia dúzia de anos, agora, para avançar até a assinalada "glória" das listas literárias dos "mais-mais", naquele dourado ano de 1981: o leitor brasuca havia levado ao primeiríssimo lugar (ao longo de cinco meses) o já citado Memórias de Adriano - ficção baseada em rigorosas pesquisas da Yourcenar sobre o imperador romano do século 2 ("o século dos últimos homens livres"), segundo a autora belga - e, em seguida, virava assunto da matéria especial de agosto daquele ano por se revelar atraído por qualidade acima de qualquer suspeita: estava lendo o romance Sempreviva - do bom Antonio Callado - e se mostrava também influenciado pelo cinema, ao guindar O beijo da mulher-aranha, de Manuel Puig, às posições de topo nas quais O exorcista já fizera ecoar aqui a tendência observada pelo também roteirista Vidal. Na lista memorável, vinham, em seguida, um livro mais ou menos (Um homem, de Oriana Fallaci, com alguma qualidade pelo menos do "novo jornalismo", etc.), e O livro dos seres imaginários, de Jorge Luis Borges, na quarta e quinta posições, respectivamente, sendo o argentino um freqüentador ocasional do topo da relação, no tempo daquele país ainda civilizado, literariamente, que foi, até pouco tempo, o Brasil que, em 1981, se mostrava surpreendente mesmo era na "sexta posição" (a confiar na Veja, etc.) de agosto daquele ano: senhores e senhoras, brasileiras e brasileiras, nordestinos e sudestinos, o nosso Pindorama estava lendo - com cinco mil exemplares vendidos em um mês - nada mais nada menos que Poesia, de T. S. Eliot!
Cortázar e Proust
Poeta considerado difícil e requintado, Eliot tivera a primeira edição de uma antologia da Nova Fronteira esgotada no primeiro mês do lançamento no segundo semestre do ano da graça de 1981, o tal cuja dos "livros mais vendidos" prosseguia com a sétima posição ocupada por uma obra do excelente Julio Cortázar - Alguém que anda por aí -, seguida sabem do quê? Outra surpresa: dos sete volumes de Em busca do tempo perdido, a obra-prima de Marcel Proust, esgotada em dois meses!
É tudo verdade, como diria Orson Welles. (Ou, pelo menos, é a verdade de Veja, veja bem).
A se acreditar nela, o que aconteceu, my God, desde então? No país das mesmas 400 livrarias de sempre (o número não muda? Aqui, os dados - recentes - pelo menos da capital pernambucana são: 21 livrarias no Grande Recife, enquanto Buenos Aires são - pasmem - 10 mil (?) pontos de venda de livros (estariam aí incluídas as bancas de jornais?). Porém os recifenses ganham, amplamente, em bares abertos para a falsa boemia de hoje: temos 2,2 mil enquanto na capital argentina são 790). Recomeçando a frase: no país das mesmas 400 livrarias de sempre - já na matéria de 1981, essa é a estimativa referida -, além do Adriano como livro de cabeceira levado até para a praia [nota: a reportagem Qualidade é sucesso mostrava a foto de uma jovem carioca de biquíni, com livro da Yourcenar sobre uma toalha na areia da praia; não parecia uma foto posada, etc.], no país das mesmas 400 livrarias de sempre etc., etc., dava-se, então, o fenômeno dos 190 mil exemplares de Os irmãos Karamázov, de Dostoiévski, vendidos em bancas de revista, na coleção Gênios da Literatura, selecionada com notável apuro.
O que deu errado?
Menos de trinta anos depois, você vai e confere que estamos patinando, nas listas, no pântano dos Paulos Coelhos, esforçamo-nos para alcançar as 100 escovadas antes de ir para a cama (Melissa Panarello), queremos saber Por que os homens fazem sexo e as mulheres fazem amor? (Allan e Barbara Pease), se Tudo valeu a pena (Zibia Gasparetto) para o Homem-cobra e a mulher-polvo (Içami Tiba) e também Quem mexeu no meu queijo? - pergunta transcendental do título da obra de Spencer Johnson (seja lá quem for).

CONT...clicando no título.

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