janeiro 10, 2009
JUVENTUDE
"Domingos, Aderbal e Paulo: o elixir da eternidade
Todo mundo falava de "Fatal" ("Elegy"), filme de Isabel Coixet baseado em novela de Philip Roth, como novo suprassumo da filmografia sobre os dilemas do homem velho que se vê diante de um amor jovem. O romance do personagem vivido por Ben Kingsley com a aluna encarnada em Penélope Cruz, contudo, não convence na dramaturgia, e, por falar em drama, é em dramalhão que termina a trama.
Muito melhor é a farsa armada por Domingos de Oliveira em "Juventude", onde o diretor contracena com Paulo José e Aderbal Freire Filho. Transfigurados em personagens ficcionais (Paulo é um ricaço dividido entre a ex-esposa e uma mulher mais jovem; Aderbal, um médico outrora garanhão, hoje solitário na tentativa de salvar a filha do vício em heroína; Domingos, um dramaturgo profundamente amado e atormentado por uma princesa de 20 anos), os três setentões, no decorrer de um longo regabofe, percorrem suas trajetórias, suas agruras existenciais e, sobretudo, seu pânico de que a velhice afaste, no frigir dos ovos, esses quitutes tardios de amor que cismam em enfeitar a vida dos coroas. Instigante no filme é que as jovens mulheres e a filha viciada jamais aparecem em cena.
Suas vozes sequer são ouvidas quando estão ao telefone com os seus velhos. Como se eles estivessem já numa espécie de purgatório terreno, e lhes restasse aquele encontro para resolverem suas questões pendentes: abandonar antes de ser abandonado ou entregar-se aos estertores da lascívia? Dar uma última guinada na vida? Escrever o livro que jamais se escreveu? Pedir dinheiro emprestado para dedicarse à filha doente?
O filme começa num clima de ensaio, ou de um aquecimento de jogo de tênis. A gente tem certeza de que vai ser um documentário, de que é a vida desses três atores e criadores que vamos espreitar na tela, ansiamos até que seja isso. Mas, à medida que a ação se desenrola, os personagens vão se insinuando sorrateiramente e levando o espectador, por ora, à ilusão de jamais tê-los visto. A direção é difícil de classificar, se é que houve uma direção formal. A impressão que se tem é de que, ainda que decorado, o texto passa por um filtro de improviso, o improviso das emoções, o improviso da alma, a inquietação de devorar o texto e o tempo como uma última oportunidade.
Deve ser por isso que as falas são tão velozes e as dicções desmoronam sobre si: é preciso dizer tudo antes que seja tarde, antes que a morte venha e roube o que resta do vinho, o derradeiro suflê, a baforada final, o último pudim.
Como se Paulo, Domingos e Aderbal fossem aprisionados pelo filme e aqueles 72 minutos deliciosos, de repente, se convertessem na reserva do tanque: junto com a fita, acaba a vida; junto com a lâmpada, apaga-se a chama; e a tela branca é o vazio, sendo as próximas sessões meras reproduções, portarretratos em movimento de vidas que já se foram. Esta fala rápida, se por um lado pode confundir os ouvidos em algumas passagens, cria, por outro, uma aura de naturalidade que seria impossível num texto mais cadenciado, numa projeção mais empostada das falas.
Nesse corre-corre vocal, a personalidade dos três atores acaba por se desnudar, deixa o corpo dos personagens como num exorcismo involuntário: paralelamente à ficção, passa, em outra banda, o tal documentário que o filme promete no subtexto, a ponto de muita gente que sai do cinema achar, de novo, que é, no duro, uma tripla biografia em que a gente leva de brinde uma trama ficcional.
Que confusão! Que doce confusão! Quanto humor e quanta amargura esses homens escoam, quanta sacanagem, quanta putaria, quanta grandeza, quanta sordidez, quanto amor, quanta amizade, quanto despeito, quanto maujeito, quanta destreza, quanta decrepitude, quanta beleza, quanta juventude, desde uma radiante manhã na serra até o amanhecer incrédulo após uma noite que se faz súbito sombria e traz a morte a espreitar os corações em polvorosa. Da projeção de "Juventude" saí, assim, com a estranha sensação de que meus 43 anos são mais velhos que os quase 210 vividos por aquelas três expressões de uma arte maior.
Pois a arte é vida eterna."
Arnaldo Bloch (jornal O Globo de hoje)
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