janeiro 23, 2009

Coisas da literatura

Terminei de ler O Jogo do Anjo com a impressão de que vai ser levado ao cinema e de que será um filme sombrio, sinistro, que não me agradará, mesmo tendo gostado tanto do livro. Ou exatamente por isto. Talvez o que tenha me levado a esta idéia não tenha sido nem a história em si,que é muito boa, mas o fato de saber que o Zafon vive de fazer roteiros para cinema, em Los Angeles. Não sei em que medida a mesma pessoa que escreve ficção em literatura consegue adaptá-la para a linguagem do cinema. Há coisas que a literatura tem e o cinema não.
Estes trechos colhi, aleatoriamente, do livro : :
“Abri os olhos. Colinas de pedras grossas como árvores ascendiam na penumbra até uma abóboda nua. Agulhas de luz poeirenta caíam em diagonal e delineavam fileiras intermináveis de caminhas miseráveis. Pequenas gotas d´água se desprendiam das alturas como lágrimas negras , que explodiam em eco ao tocar no chão . A penumbra cheirava a mofo e unidade.
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Quando o primeiro suspiro da aurora roçou a janela, abri os olhos e encontrei a cama vazia.
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Percebia-se sempre a noção da existência terrena como uma espécie de estação de passagem que convidava à docilidade e à aceitação da própria vida edas normas da tribo, pois a recompensa sempre estava num além que prometia paraísos transbordantes de tudo aquilo que havia faltado na vida corpórea.
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Ao voltar para a casa da torre, tinha aprendido a olhar com outros olhos aquele que tinha sido meu lar e minha prisão durante tantos anos. Entrei pelo portão sentindo que atravessava a goela de um ser de pedras e sombras. Subi a escadaria como se penetrasse em suas entranhas e abri a porta do andar principal para me deparar com um corredor escuro que se perdia na penumbra e que, pela primeira vez, parecia ser a ante-sala de uma mente medrosa e envenenada.
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Quando saí à rua , fui surpreendido por uma brisa fria e cortante que varria as ruas com impaciência e fiquei sabendo que o outono tinha entrado em Barcelona na ponta dos pés. Na praça Plaácio , peguei um bonde que esperava vazio como uma grande ratoeira de ferro batido.
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......encontrei uma porta metálica encaixada no muro de pedra . Um batedor reposusava sobre a lâmina de ferro, soldado por lágrimas de ferrugem...Os vidros refletiam a passagem silenciosa das nuvens.
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Saí de casa depois do amanhecer. Nuvens escuras se arrastavam sobre os telhados e roubavam a cor das ruas. Estava atravessando o Parque Ciudadela quando vi as primeiras gotas batendo nas folhas das árvores e estalando no caminho, levantando espirais de poeira como se fossem balas. Do outro lado do parque , um bosque de fábricas e torres de gás multiplicava-se até o horizonte, a poeira de carvão de suas chaminés diluindo-se naquela chuva negra que desmoronava do céu em lágrimas de alcatrão.
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Cristina virou a cabeça e olhou para mim. Tinha a expressão devastada , como se tivessem quebrada sua alma a marteladas.


São imagens que só as palavras qualificam....

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