novembro 10, 2008

DESONRA

Acabei de ler DESONRA, de J.M.Coetzee, um dos mais conceituados autores contemporâneos em língua inglesa, nascido na África do Sul, ganhador do Nobel de literatura de 2003 e o único escritor premiado por duas vezes com o Booker Prize :com "Vida e Época de Michael K" e depois com "Desonra". Ambos os romances retratam a dura realidade social na África do Sul, pós-apartheid.
Como no romance Roubo, de Peter Carey (comentei aqui), temos a impressão de que nós brasileiros entendemos com facilidade a vivência com a brutalidade, decorrente da exclusão e das desigualdades sociais.
O intelectual e irônico David Lurie, professor universitário de poesia, era conformado com a falta de interesse dos seus alunos pela matéria que lecionava. “...brincava com a idéia de um trabalho que seria Byron na Itália, uma meditação sobre o amor entre os sexos na forma de uma ópera de câmara “. Com 52 anos, divorciado por duas vezes, era um homem solitário que resolvia sua necessidade de sexo com uma prostituta por quem nutriu um certo afeto.Desmoronou-se quando ela saiu de sua vida ("Sem os interlúdios das quintas-feiras, a semana fica tão sem forma como um deserto. Há dias em que ele não sabe o que fazer consigo mesmo") e passou a ter um caso com uma de suas alunas.
Desde que o mundo é mundo, professor(a) se apaixona por aluna (o) e vice versa (em todas as combinações) mas ali as absurdas regras do “politicamente correto” haviam sido transgredidas. Lurie responde a processo por abuso, sofre isolamento (primeiro a sentença, depois o julgamento) e é expulso da Universidade, após se recusar a assinar uma declaração admitindo que estava errado. Concluído o processo, pressionado pela condição de quem caiu em desgraça, decide se refugiar na fazenda de sua filha no interior.
Coetzee confronta vários aspectos da formação humanista de Lurie com a violência gerada pela pobreza dos excluídos em um país onde pertencer a uma classe social mais privilegiada pode ser "Um risco possuir coisas: um carro, um par de sapatos, um maço de cigarros. Coisas insuficientes em circulação, carros, sapatos, cigarros insuficientes. Gente demais, coisas de menos. O que existe tem de estar em circulação, de forma que as pessoas possam ter a chance de ser felizes por um dia.".
Lurie se dá conta de que suas angústias existenciais e desonra social são insignificantes diante da situação limite que vive com sua filha, ao serem atacados, na própria fazenda, por três negros que permanecem impunes.
É de total abandono e impotência a sua situação:"Ele fala italiano, fala francês, mas italiano e francês de nada lhe valem na África negra. Está desamparado, um alvo fácil, um personagem de cartoon, um missionário de batina e capacete esperando de mãos juntas e olhos virados para o céu enquanto os selvagens combinam lá na língua deles como jogá-lo dentro do caldeirão de água fervendo. O trabalho missionário: que herança deixou esse imenso empreendimento enaltecedor? Nada visível.".
O autor evidencia a brutalidade dos fatos omitindo o nome da atrocidade. Lurie e sua filha, em conseqüência, também entram nesse jogo de máscaras : “David, quando as pessoas perguntarem, você se importaria de contar só a sua parte, só o que aconteceu com você?” Confuso a princípio, o pai, revoltado, logo entende o que a filha quer dizer. Esta, sim, é a sua desonra.
Os personagens são imprevisíveis e de uma fragilidade intensamente verdadeira. A inadaptação de David Lurie às convenções do meio acadêmico e ao destino implacável, seja pela própria velhice que se aproxima ou pelas agressões sofridas por ele e a filha, constituem um estado de desonra permanente do qual ele não consegue escapar

Um comentário:

Anônimo disse...

Zelinha: gostaria que vc indicasse mais livros que ache interessantes com os respectivos comentarios.
Abr
Lala