novembro 25, 2008

Arte e mistificação

Nesta minha compulsória temporada curitibana, uma vez que retornando de Sampa não pude prosseguir para Santa Catarina, folheando alguns livros antigos, dentro de um deles, deparei-me com um recorte da FSP com esta crônica do Cony. Havia me lembrado dela este ano, ao visitar o Reina Sofia onde , atualmente, se encontra exposta esta grande (em vários sentidos) obra do Picasso, numa sala exclusiva no andar que lhe foi reservado.Enquanto observava as pessoas extasiasdas diante do imenso quadro, me perguntava - O que estariam vendo nele?
"Se o poeta é fingidor, segundo um deles, o artista, sempre que pode, mistifica. Talvez seja uma coordenada inerente à arte. Um caso que ilustra essa mistificação é o quadro "Guernica", que muitos consideram o mais importante do século.
O próprio Picasso e os partidos comunistas de todos os quadrantes foram os primeiros a classificá-lo como a denúncia do horror desencadeado pelo fascismo na Guerra Civil da Espanha, prenúncio do horror posterior a cargo dos nazistas. Existem toneladas de livros analisando a crueldade dos aviões de Goering despejando bombas na indefesa cidade espanhola.
Pior mesmo foram os críticos que interpretaram aqueles pedaços de touro e cavalo, de mulher e casa. Viram naqueles destroços os sinais da bestialidade nazifascista. Acontece que o quadro foi pintado antes do bombardeio. Picasso idolatrava o toureiro Joselito, morto tragicamente, e dedicou-lhe uma tela de oito metros de largura por três e meio de altura. Intitulou-a "A morte do toureiro Joselito". Usou de cores sombrias, fúnebres, que iam do preto ao branco.
O pintor chegou a se esquecer do quadro, até que lhe encomendaram um trabalho para o pavilhão republicano da Exposição Universal de Paris. Com alguns retoques, mandou a morte do toureiro. O nome foi mudado para "Guernica". Como era isso que esperavam dele, ninguém reparou. Teve início uma das mais ridículas interpretações críticas na história das artes.
Tanto o cavalo do picador como o próprio touro estão em lugares de destaque no quadro. A expressão de horror das cinco figuras humanas é comum nas arenas. A criança morta no colo da mãe é uma alusão à personalidade de Joselito, uma espécie de menino grande e heróico.
García Lorca também dedicou belo poema a um toureiro, "Llanto por Ignacio Sánchez Mejías". É um dos mais conhecidos: "Eran las cinco en punto de la tarde". Mas aí foi diferente."

CARLOS HEITOR CONY - na FSP

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