outubro 28, 2008

A literatura e a vida


J.L. Borges se irritava quando lhe perguntavam:
“Para que serve a literatura?”
Parecia-lhe uma pergunta idiota e ele respondia:
“A ninguém ocorreria perguntar qual é a utilidade do canto de um canário ou dos arrebóis do crepúsculo !”
Não se está querendo apurar qual seria a utilidade do gorgeio dos pássaros ou do espetáculo do sol se pondo no horizonte. Estas coisas, com certeza, mesmo que seja por instantes, sabemos que tornam a vida menos feia e menos triste .
Mas e a literatura?
Mario Vargas Llosa que, além de ficção, escreve crítica e teoria literária, nos ensaios intitulados A Verdade das Mentiras analisa as mais extraordinárias obras literárias do século XX . E o faz de maneira tão sedutora, ao ponto de levar a tradutora Cordélia Magalhães a declarar haver feito seu trabalho em “estado de graça e de temor reverencial”.
Foi a mesma CM que escreveu a orelha do livro que ela considerou “....uma comovedora declaração de amor à literatura”.... “ um canto de amor aos homens” .....”um passeio pelo universo mental de seu autor, planejado com mimos de um amante ferozmente apaixonado ....”.
Recomenda que se comece a ler o livro imaginando um mundo sem literatura, uma humanidade que jamais tivesse lido romances, poemas, dramas...
O livro contém 36 ensaios que abordam os grandes temas tratados pelos autores : a loucura e a morte, o amor e a perversão, o sexo e a guerra, a civilização e a barbárie.
Refiro-me aos ensaios para destacar o epílogo que foi acrescentado às edições recentes. É um texto sobre a relação entre a literatura e a vida dos leitores. Nele M.V. Llosa formula “algumas razões contra a idéia de literatura como um passatempo de luxo e a favor de considerá-la, além de um dos mais enriquecedores afazeres do espírito, como uma atividade insubstituível para a formação do cidadão numa sociedade moderna, de indivíduos livres....”
Para ele a literatura “foi e continuará sendo, enquanto existir , um desses denominadores comuns da experiência humana, graças ao qual os seres vivos se reconhecem e dialogam, não importa o quão distintas sejam suas ocupações e desígnios vitais, as geografias e as circunstâncias em que existem e, inclusive, os tempos históricos que determinam seus horizontes”.
Os efeitos benéficos da literatura no plano da linguagem o fazem considerar uma humanidade sem leitura, “não contaminada de literatura”, parecida com uma comunidade de gagos e de afásicos.
Segundo ele, "uma pessoa que não lê, ou que lê pouco, ou que só lê lixo, pode falar muito, porém dirá sempre poucas coisas porque dispõe de um repertório mínimo e deficiente para se expressar...”
E afirma "...nada defende melhor o ser vivo contra a estupidez dos preconceitos, do racismo, da xenofobia, das afirmações caipiras do sectarismo religioso ou político, ou dos nacionalismos excludentes, como essa comprovação incessante que sempre aparece na grande literatura: a igualdade essencial dos homens e mulheres de todas as geografias e a injustiça que é estabelecer, entre eles, , formas de discriminação, sujeição ou exploração...
...Ler boa literatura é de se divertir, sim, porém, também aprender dessa maneira direta e intensa que é a da experiência vivida através das obras de ficção, o que e como somos em nossa integridade humana, com nossos atos e sonhos e fantasmas, separados ou na trama de relação que nos vinculam aos outros, em nossa presença pública e no secreto de nossa consciência, essa complexíssima suma de verdades contraditórias de que está feita a condição humana".

E prossegue:
"A literatura apazigua momentaneamente essa insatisfação vital, porém, nesse milagroso intervalo, nessa suspensão provisional da vida na qual nos faz desaparecer a ilusão literária - que parece nos arrancar da cronologia e da história e nos converter em cidadãos de uma pátria sem tempo, imortal -, somos outros. Mais intensos, mais ricos, mais completos, mais felizes, mais lúcidos que na constrangida rotina de nossa vida real."
O texto é longo como a frustração de não poder transcrevê-lo integralmente, o que me leva a pinçar trechos que, por deficiência própria, talvez nem sejam os que melhor traduzem o seu pensamento. Registre-se, pelo menos, o esforço, a tentativa.
A propósito dos audiovisuais:
“A verdade é que o formidável desenvolvimento dos meios audiovisuais em nossa época, que de um lado revolucionaram as comunicações, fazendo-nos a todos co-participantes da atualidade e que, de outro monopolizam cada vez mais o tempo que os seres vivos dedicam ao ócio e à diversão, desviando-os e arrancando-os da leitura, permite conceber, como um possível cenário histórico do futuro mediato, uma sociedade moderníssima , eriçada de computadores, telas e microfones, e sem livros ou, melhor dizendo, na qual os livros – a literatura – teriam passado a ser o que é a alquimia na era da física: uma curiosidade anacrônica , praticada nas catacumbas da civilização midiática por minorias neuróticas ....”
Ainda que conclua considerando improvável que esta perspectiva terrível se concretize, atribui a nossa visão e a nossa vontade que esta utopia se realize ou seja eclipsada : “Se quisermos evitar que com a literatura desapareça, ou fique esquecida ou desprezada essa fonte motivadora da imaginação e da insatisfação , que nos refina a sensibilidade e nos ensina a falar com eloquência e rigor e que nos faz mais livres e com vidas mais ricas e mais intensas, temos que agir”.
Temos que ler bons livros, e estimular e ensinar a ler os mais novos, na família, nas aulas e em todas as instâncias da vida comum.
Tenho feito a minha parte...

Nenhum comentário: