tag:blogger.com,1999:blog-15159854934148901742023-11-16T12:45:06.172-03:00Uma certa idade..."Vivo nas estrelas porque é lá que brilha minha alma." (M. Bandeira)Uma certa idade...http://www.blogger.com/profile/02710853390133423414noreply@blogger.comBlogger3731125tag:blogger.com,1999:blog-1515985493414890174.post-22199401259304079392014-07-25T08:14:00.002-03:002014-07-25T08:14:38.541-03:00Zelo<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="fine_line" style="font-family: 'Times New Roman', verdana, arial; font-size: 18px; font-weight: bold;">
<div style="font-size: 20px !important; font-style: italic; font-weight: normal; margin-bottom: 18px !important;">
<span style="color: #cc0000;">Jesus é um homem; Cristo, uma ideia. A quem pertence uma ideia? À humanidade, provaria Paulo de Tarso</span></div>
</div>
<span style="color: #990000; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">"</span><span style="color: #990000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"></span><span style="color: #990000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large; text-align: justify;">Os primeiros capítulos de "</span><b style="color: #990000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">Zelota</b><span style="color: #990000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large; text-align: justify;">" - do escritor e estudioso de religiões americano-iraniano Reza Aslan - descrevem a Palestina no período em que Jesus veio ao mundo. A multiplicação de seitas entre a população carente, a aceitação dos valores romanos pela elite judaica, a presença ostensiva das legiões no território ocupado e o terror do apocalipse lembram, em tudo, os dias de hoje no Oriente Médio.</span><span style="color: #990000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><div style="text-align: justify;">
Com o avanço das tropas israelenses sobre Gaza, e a Síria embrenhada numa guerra civil sem solução, o paralelo entre a rejeição dos profetas do século 1º à civilização romana e a negação do Islã a se render ao capitalismo global é quase inevitável.</div>
</span><span style="color: #990000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><div style="text-align: justify;">
Mas a leitura de "Zelota" fala tanto do conflito entre Ocidente e Oriente naquela estreita faixa do planeta, como também elucida uma outra contenda, em curso aqui, neste sítio que permaneceu Paraíso até 1500 d.C.: a dos direitos sobre a imagem do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro.</div>
</span><span style="color: #990000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><div style="text-align: justify;">
Sem revelar nada que não seja conhecido, o autor parte da morte na cruz --punição prevista aos que cometessem crimes contra o Estado-- para separar o Jesus histórico da figura de Cristo. O revolucionário, do pacifista.</div>
</span><span style="color: #990000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><div style="text-align: justify;">
Contrário à romanização dos hebreus, Jesus ambicionava estabelecer o Reino de Deus sobre a Terra, prometido a Davi por Javé. Para tanto, seria preciso expurgar abastados e sacerdotes subservientes a Roma e bani-la do solo sagrado. Jesus pregava uma revolução.</div>
</span><span style="color: #990000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><div style="text-align: justify;">
Ela viria, três décadas depois da crucificação e com trágicas consequências. Em 66 d.C., grupos radicais conquistaram Jerusalém e queimaram os arquivos contendo a dívida do povo. Farta, Roma enviou o general Tito --mais tarde imperador-- à antiga Canaã e a varreu do mapa.</div>
</span><span style="color: #990000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><div style="text-align: justify;">
Do Templo de Jerusalém, só sobrou o Muro das Lamentações.</div>
</span><span style="color: #990000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><div style="text-align: justify;">
As imagens dos bombardeios a Gaza, estampadas nos jornais de hoje, bem ilustrariam a passagem histórica.</div>
</span><span style="color: #990000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><div style="text-align: justify;">
O massacre, comparável à invasão babilônica, tornou os sobreviventes avessos aos que defendiam o confronto direto com os Césares. Nesse cenário, surgiu Paulo de Tarso. Paulo afasta Jesus da causa judaica, elimina o caráter territorial do Reino de Deus e converte os gentios. Cristo é criação do letrado Paulo.</div>
</span><span style="color: #990000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><div style="text-align: justify;">
Jesus é um homem; Cristo, uma ideia. A quem pertence uma ideia? À humanidade, provaria Paulo. Em três séculos, o Império Romano se renderia ao Nazareno.</div>
</span><span style="color: #990000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><div style="text-align: justify;">
Em 2010, as famílias dos engenheiros responsáveis pela construção do Cristo Redentor perderam para a Arquidiocese do Rio de Janeiro, na Justiça, o direito sobre a imagem da estátua. O precedente deu à Cúria poderes para coibir o uso indevido, segundo a Igreja, do monumento. Os distribuidores do blockbuster "2012" sofreram processo e os italianos foram impedidos de vesti-lo com a camisa azul da seleção.</div>
</span><span style="color: #990000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><div style="text-align: justify;">
Essa semana, a Arquidiocese liberou o episódio dirigido por José Padilha para a película "Rio, Eu te Amo", onde o personagem de Wagner Moura, num sobrevoo de asa-delta, acusa o Senhor cara a cara de virar as costas para os problemas mundanos.</div>
</span><span style="color: #990000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><div style="text-align: justify;">
A Mona Lisa resistiu aos bigodes de Duchamp; Rodin, se vivo, teria orgulho da multiplicação de charges do Pensador e os punks se apropriaram da cruz. O veto inibe o ícone. Bem fez a Cúria em liberar.</div>
</span><span style="color: #990000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><div style="text-align: justify;">
Tratar o Redentor como posse é medir o Reino de Deus em metros quadrados. O convertido Saulo ensina que a mensagem deve circular livre de dogmas e de acordo com seu tempo.</div>
</span><span style="color: #990000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><div style="text-align: justify;">
O poder do Templo de Jerusalém era baseado no fato de ali, e somente ali, no Santo dos Santos, ser possível a comunicação com o Altíssimo. Sua arquitetura era voltada para dentro, com muros altos que separavam os milhares de visitantes em pátios internos, um labirinto que se afunilava até a presença divina.</div>
</span><span style="color: #990000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><div style="text-align: justify;">
A exclusividade transformou o santuário num lucrativo mercado de oferendas e corrompeu o clero. É o que denuncia Jesus, pouco antes de promover o quebra-quebra que o levaria à prisão.</div>
</span><span style="color: #990000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><div style="text-align: justify;">
A natureza do Cristo da Guanabara é oposta. Plantado do cume do Corcovado, basta olhar para o alto para se dirigir a Ele.</div>
</span><span style="color: #990000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><div style="text-align: justify;">
Entendo que a Cúria zele pelo Nosso Senhor. Os engenheiros também têm razões para reivindicar seu quinhão, respeitando, é claro, os 60 anos do falecimento dos autores, todos mortais, não sujeitos à ressuscitação.</div>
</span><span style="color: #990000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><div style="text-align: justify;">
Mas o imaginário a Deus pertence.</div>
</span><span style="color: #990000; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</span><div style="color: #1f1f1f; font-family: 'Times New Roman', verdana, arial; font-size: 18px;">
<span style="color: navy; font-weight: bold; letter-spacing: 0.30000001192092896px; text-transform: uppercase;">FERNANDA TORRES</span></div>
</div>
Uma certa idade...http://www.blogger.com/profile/02710853390133423414noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515985493414890174.post-79406730127740151512014-04-30T09:07:00.001-03:002014-04-30T09:07:37.683-03:00As regras da casa<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgyikF0XgsuXvORavgcVbZDIyf2QCq9g6CqORBZ_3fYCgUS-T0ot_WH8SCBgH3P3T94BarVj4W4JQGkbOC7f02Abud5w1v744aIH0wg6SPcN5d8llvOFe50Lm0OIUYu_CaU7Um79TiTvgdQ/s1600/MG_5915.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgyikF0XgsuXvORavgcVbZDIyf2QCq9g6CqORBZ_3fYCgUS-T0ot_WH8SCBgH3P3T94BarVj4W4JQGkbOC7f02Abud5w1v744aIH0wg6SPcN5d8llvOFe50Lm0OIUYu_CaU7Um79TiTvgdQ/s1600/MG_5915.jpg" height="320" width="213" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
"Traduzida de sua origem grega, a economia fica assim muito mais fácil de entender. Ecologia é o estudo da casa, do ambiente. E anomia é um estado de caos, quando não há regras e vale tudo.</div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Economistas que passaram por meu consultório entendiam muito de ativos e passivos, custos fixos e variáveis, investimentos (com bons e maus retornos, arriscados ou seguros) e gastos, e de outros pertences dessa curiosa feijoada.</div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Mas, para minha surpresa, não se davam conta de que o conceito de economia, quase com os mesmos pertences, também se aplica à vida psíquica, e se mostravam gestores desastrados de seu capital mental.</div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Pareciam fazer investimentos de péssimo retorno (como na gratidão, por exemplo). Ignoravam o custo de um favor pedido. Ou o perigo de um momento de ternura com o inimigo. Carregavam passivos inexplicáveis, sofrendo com eles.</div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Para quem não é do ramo, ativos são seus bens, aquilo que você possui como patrimônio. Passivo é aquilo que você deve, o peso que você carrega.</div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Aplicado à vida mental, seu ânimo, sua capacidade de amar, sua liberdade, sua intimidade, sua inteligência, seu alto astral, sua generosidade de espírito, seu gosto pela vida, sua libido, sua ética e sua estética, seu desfrutar das artes em geral, sua habilidade profissional, o gostar do que se faz, sua habilidade em ser pai/mãe, sua afetividade, o fazer amigos, de se comunicar bem --essas coisas todas são parte de seu patrimônio mental, seus ativos psíquicos, disponíveis para investimentos.</div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
É bem verdade que ser coitadinho e lucrar com isso (os "coitadistas") virou um ativo político, mas isso já faz parte das doenças psíquicas chamadas de "perversões".</div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Por outro lado, o sentimento de culpa, de obrigações alheias ao seu gosto, o sentir-se preso ao passado, as inibições, a vergonha do próprio desejo, a compulsão ao sofrimento, o mau humor, o destempero, o desespero, as neuroses e perversões, os vícios, qualquer coisa/pessoa que nos aprisiona, esses fazem parte do passivo, daquilo que se deve.</div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Uma síntese, grosseira, mas bem-humorada da psicanálise, diz: "Deveu? F%#&u!"</div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
De fato, o que parece má gestão da economia psíquica, não o é, há sempre uma razão, oculta e enigmática, sim, mas há, cabendo ao psicanalista se debruçar sobre a história do paciente para entender que diabo de passivo estranho ele está penando para pagar.</div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
O sujeito parece estar cumprindo pena de crimes horríveis. Por quê? Aí, o psicanalista precisa ser a um só tempo economista e advogado de defesa.</div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Um, pega o livro-caixa e faz uma auditoria. O outro quer ver os autos do processo, para saber se o crime de fato existiu, se o tribunal não foi injusto, se a pena prescreveu.</div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Exemplo: aquele que parece se sabotar para não ser nunca feliz.</div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Sem que a gente saiba, ele está pagando uma "dívida" por ter nascido inteligente, se dado bem e saído do subúrbio, "esqueceu dos pobres, né?"</div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Enfim, a psicanálise, aplicada à economia, quer apostar na saúde já existente, acertar as contas do passivo e deixar os ativos líquidos para investimento no desejado."</div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;">FRANCISCO DAUDT</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
Uma certa idade...http://www.blogger.com/profile/02710853390133423414noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1515985493414890174.post-46760672980974454972014-04-30T08:59:00.002-03:002014-04-30T08:59:30.703-03:00Alugando um apartamento em 1962<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgn_Nw5tA_FHJgRGmqGEjvlLdkWLQqoOYn_uL5zzo-5wrcYGsdgfCtGZE5mpQaY0-RhPdp_7zYWpla6sHOZ-tIg4f3p7ewEkesgfDGdUbjdkqDrTKzOPdoMSgVAmx5LvpCWa1G67isM3QX7/s1600/016_outubro.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgn_Nw5tA_FHJgRGmqGEjvlLdkWLQqoOYn_uL5zzo-5wrcYGsdgfCtGZE5mpQaY0-RhPdp_7zYWpla6sHOZ-tIg4f3p7ewEkesgfDGdUbjdkqDrTKzOPdoMSgVAmx5LvpCWa1G67isM3QX7/s1600/016_outubro.jpg" height="306" width="400" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;">"Você não tem ideia do que era o Brasil em 1962. Andávamos de bonde, o Rio - então uma "cidade maravilhosa" - era mais importante do que São Paulo; Niterói, onde eu morava e insisto em morar, tinha um restaurante chamado Petit Paris onde Sergio Mendes tocava piano; só rico andava de avião e você ia trabalhar de paletó e gravata. A praia de Icaraí tinha águas transparentes e, na barca para o Rio, víamos golfinhos. A televisão ainda não importava, por isso "íamos ao cinema", escolhendo ver filmes franceses, americanos, italianos, russos ou alemães. Tomávamos chopes, pois não havia essa frescura de vinho de hoje. As ruas eram vazias de veículos, comprávamos linhas de telefone e pedia-se um </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><span style="color: #cc0000;">interurbano quando se queria falar para o Rio...</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><span style="color: #cc0000;">Todo intelectual era "conscientizado" e "de esquerda" de modo que a "politização" se tornou uma chatice e uma religião que, em poucos minutos, deflagrava discussões amargas porque quem não queria as "reformas de base" e sonhava em revolver as "estruturas arcaicas" do Brasil, era xingado de "reacionário" e "alienado".</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><span style="color: #cc0000;">Eu era recém-casado com uma moça linda, tinha um filhinho e estava alugando um apartamento. Fomos falar com o proprietário, um português abastado que vivia de alugar imóveis.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><span style="color: #cc0000;">- Muito prazer. Quanto o senhor quer de aluguel?</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><span style="color: #cc0000;">- Qual é a sua profissão? Respondeu o dono.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><span style="color: #cc0000;">- Sou professor e pesquisador do Museu Nacional, retruquei orgulhoso como todo pobre.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><span style="color: #cc0000;">- Então você não vai poder me pagar! O aluguel é alto para um professor.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><span style="color: #cc0000;">- Passar bem! Despedi-me injuriado.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><span style="color: #cc0000;">A experiência confirmava minhas convicções. Eu havia falado com um explorador do povo. Naquele dia, vituperei contra o capitalismo e, apaixonado pelo conceito de "confisco", sonhei com a revolução que iria mudar o País, dando apartamentos, casas e sítios para os despossuídos. Apaixonei-me pela palavra "confisco" muito usada pelos líderes políticos daquele momento. Um deles, poeta conhecido e admirado, disse para mim num momento de regozijo revolucionário: "Agora, só falta instalar os sovietes".</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><span style="color: #cc0000;">Discuti muito com meu pai (que havia abandonado a Escola Militar) o qual, não cansou de me advertir: um dia, os militares tomam conta...</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><span style="color: #cc0000;">Sorri de sua "falsa consciência".</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><span style="color: #cc0000;">No domingo seguinte, saí acintosamente de uma missa no meio de um sermão de um padre reacionário. Redefini minha relação com a religião e aderi ao "agnosticismo" de um querido professor. Era, agora, um materialista devidamente antenado com o meu tempo de conscientização.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><span style="color: #cc0000;">Esse ato revolucionário, único de minha hoje longa vida, me custou uma briga sartriana com minha mulher. O quarto foi testemunha de uma discussão filosófica, deixando de ser o palco do amor. Eu assinalava que não era um "pequeno-burguês"; ela pensava no leite do nosso filho.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><span style="color: #cc0000;">Na margem esquerda do Rio Tocantins, perto da então cidade de Itupiranga, no Pará, eu esperava um barco. Ali, vivia numa palhoça miserável um coletor de castanha. Resolvi conscientizá-lo e sugeri que eles precisavam fundar um sindicato. O homem me olhou assustado e perguntou: o que é um sindicato.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><span style="color: #cc0000;">Eu, politizado, não sabia.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><span style="color: #cc0000;">Em setembro de 1963, embarquei para os Estados Unidos com uma bolsa da <i>Fulbright Comission</i>. Ficaria um ano acadêmico em Harvard, estudando antropologia com um mentor inglês, ali radicado. Tornei-me amigo de uns poucos esquerdistas, que estudavam em Harvard e no MIT. Lembro ao leitor que, àquela época, ouvíamos notícias pelo rádio e lendo jornais, que chegavam com semanas de atraso.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><span style="color: #cc0000;">No dia 2 ou 3 de abril, um amigo me telefonou e informou que a "nossa revolução cubana havia começado". Imediatamente, comuniquei o fato a um vizinho, estudante de Física. Uns 20 minutos depois, o mesmo amigo me comunicou que o Brasil sofria um "golpe militar". Pensei no meu pai.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><span style="color: #cc0000;">Deprimido, perguntei-me de onde vinha o poder dos golpistas se nós somente falávamos em operários, camponeses, estudantes e no povo oprimido e simpático à causa revolucionária? Como não havia resistência? Onde estava o dispositivo militar? Havia algo errado na minha teoria. Ali nasceu o meu interesse no carnaval e no papel dos elos pessoais no Brasil.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><span style="color: #cc0000;">Voltei em setembro de 64 para novamente voltar a Harvard em 67, onde fiquei até 70.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><span style="color: #cc0000;">De 70 a 2014, muita água correu debaixo da ponte e hoje temos a esquerda no poder. Estão aí o corporativismo e o aparelhamento. Os elos pessoais que não ensejam a coragem de dizer não aos amigos, falam alto e valem milhões de dólares. Talvez eles fossem as tais "estruturas arcaicas" que parte de minha geração queria mudar".</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><span style="color: #cc0000;"><br /></span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 13.540999412536621px; text-align: start;"><span style="color: blue; font-size: x-small;">Roberto Damatta</span></span></div>
</div>
Uma certa idade...http://www.blogger.com/profile/02710853390133423414noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515985493414890174.post-69704605174855661572014-04-27T21:39:00.001-03:002014-04-27T21:40:09.121-03:00Conspirando com Gabo<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div style="margin-bottom: 1.5em; padding: 0px;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQDE_-JRFJegv72qlSm3eF9YWyTIIBoAmE3lAIuo8GV9NbsXlaP74WKhNNI4tLE3u-n3Pr11pJqYMWFPv0QYQRoC0Qdwhkv9-tFlVttMe_XMinLRQh9hovX6NwPmMVUqic5GamsAaSGXUR/s1600/gagr.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQDE_-JRFJegv72qlSm3eF9YWyTIIBoAmE3lAIuo8GV9NbsXlaP74WKhNNI4tLE3u-n3Pr11pJqYMWFPv0QYQRoC0Qdwhkv9-tFlVttMe_XMinLRQh9hovX6NwPmMVUqic5GamsAaSGXUR/s1600/gagr.jpg" /></a></div>
<span style="clear: right; color: #351c75; float: right; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><br /></span>
<div style="text-align: justify;">
<span style="clear: right; color: #351c75; float: right; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;">"Nem só de literatura são feitas as lembranças de Gabo, agora que o seu corpo já não está entre nós. Acredito que nos sete anos que passei, desde 1973, conspirando com ele, graças ao exílio e a Pinochet, juntando-me a ele, almoçando em sua casa em Barcelona e jantando no Pedregal de San Ángel, sentados nos cafés de Paris e de Roma e até, acho, certa vez, em Estocolmo, sempre conspirando, conjurando, tramando, sempre em busca da maneira mais rápida e imaginativa para acabarmos com as ditaduras que assolavam nossa América Latina.</span></div>
<span style="clear: right; color: #351c75; float: right; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;">
<div style="text-align: justify;">
Que mais poderia desejar um jovem escritor latino-americano, como eu era naquela época, senão passar horas e horas na companhia do autor de Cem Anos de Solidão? Era possível pedir algo mais, em meio àquele caudal de encontros, Gabo abrindo suas agendas de contatos, Gabo atendendo ao telefone nas madrugadas e Gabo entrevistando figuras da resistência, sempre disposto a intervir para salvar uma vida, transpor uma porta, escrever um artigo? Era possível pedir mais?</div>
<div style="text-align: justify;">
Eu não tinha sequer me colocado a questão quando o destino me ofereceu, em agosto de 1980, a oportunidade de compartilhar com Gabo e vários outros escritores uma semana inteira em Cocoyoc como jurados de um concurso literário sobre militarismo na América Latina. Digo que o destino me proporcionou essa graça, porque é uma delícia narrar a própria vida com uma frase típica do próprio García Márquez, mas a verdade é que o convite não veio do destino e sim de Julio Scherer, o lendário diretor da revistaProceso. Assim que recebi o convite, tive consciência do que me fizera falta ao longo desses sete anos anteriores, com a revelação de que, durante tantas sessões insubstituíveis e amáveis com Gabo, estimulados pela urgência da política, quase nunca havíamos tido tempo de falar sobre literatura, daquelas obras que, em tempos mais normais, teriam sido tema cotidiano e incessante de conversação.</div>
<div style="text-align: justify;">
E aconteceu que a semana que passamos nesse balneário mexicano foi uma interminável tertúlia estética. O tema, para mal dos nossos pecados, era o militarismo na nossa triste América e não o modo como Chekov fazia fluir um conto ou a terna violência com a qual Cervantes tratava e maltratava seus personagens. Mas a Dama do Cachorrinho, o Jardim das Cerejeiras , o Quixote e uma quantidade de outros livros que nos rondavam iam se infiltrando nas conversas que acompanhavam as comilanças e as deliberações. Como não falar de Kafka e de Dante quando discutíamos romances ou as fronteiras imprecisas entre ficção e testemunho, fantasia e jornalismo, quando nos perguntávamos se cabia em nossa seleção um compêndio de fotografias? E foi nessa semana que tive inúmeras ocasiões para discutir Sófocles com Gabo, ou La Vorágine, ou as vicissitudes do thriller. Mas, ele e eu não estávamos sozinhos, e às vezes me bastava simplesmente presenciar às escaramuças de Gabo com Julio Cortázar, outro dos jurados, ou a tenacidade e finura com que ele defendia um texto diante de Pablo González ou René Zavaleta ou Theotonio dos Santos; bastava-me isso para sentir que, vagamente, ia me aproximando de García Márquez de uma maneira nova.</div>
<div style="text-align: justify;">
O que trouxe comigo, isto sim, dessa semana foi uma lembrança precisa e imorredoura.</div>
<div style="text-align: justify;">
Na primeira noite em que chegamos, enquanto bebericávamos do lado de fora de seu chalé, observei que Gabo segurava debaixo do braço um manuscrito, e não o soltava nem sequer para beber ou para servir-se de um tira-gosto; por nada neste mundo ele queria pôr essas folhas sobre a mesa. Acho que esperava que eu perguntasse do que se tratava, que misterioso e fino objeto ocultava. E não o decepcionei, perguntei. Ele sorriu de maneira quase provocadora e certamente maliciosa e me deixou espiar o título: CRÓNICA DE UNA MUERTE ANUNCIADA. Quis sequestrar o romance imediatamente, esquecer os vários volumes que esperavam meu veredito e benevolência em meu quarto, mas Gabo não permitiu. "As duas mulheres mais importantes da minha vida", sentenciou, referindo-se a Mercedes, sua esposa, e a Carmen Balcells, sua agente, "declararam que se eu deixar este livro sair das minhas mãos antes de ser publicado vão me matar." Era um exagero. Julio Scherer, que ouvia com uma expressão sagaz e um tanto maliciosa nosso diálogo sentado em sua cadeira embaixo dos coqueiros, admitiu que já havia lido a crônica na noite anterior. Mas isso não me dava nenhum direito, tampouco esperança, pois nunca se soube que ninguém decente pudesse negar algo a Scherer quando ele pedia com seu habitual entusiasmo e intensidade. De maneira que decidi não insistir.</div>
<div style="text-align: justify;">
Então, para aliviar minha frustração, Gabo me presenteou com uma revelação. Contou que acabara de receber, acrescentando que foi depois que terminou de escrever o romance, uma cópia da autópsia do cadáver de Cayetano Gentile, um amigo seu que em 1951 foi assassinado a facadas e cuja desamparada sombra e destino exigiam havia décadas um depoimento intenso e inesquecível.</div>
<div style="text-align: justify;">
Gabo se inclinou para a frente e baixou a voz, como se fosse me confidenciar um segredo extraordinário.</div>
<div style="text-align: justify;">
"O único ferimento mortal", disse García Márquez, "encontrado no cadáver foi nas costas, justamente na terceira vértebra lombar, e lhe perfurou o rim. E, sabe de uma coisa? Foi ali, exatamente nesse ponto, que eu, desconhecendo em absoluto esse detalhe, imaginei a lesão do meu personagem Santiago Nasar; pus uma chaga na minha ficção que imitou, recordou e antecipou a exatidão do real."</div>
<div style="text-align: justify;">
Os olhos de Gabo brilhavam como os de uma criança maravilhada, como devem ter brilhado os olhos de Bernal Díaz del Castillo quando, não muito distante do local em que eu conversava com meu amigo, viu a capital dos astecas e declarou que o lembrava das cidades fictícias de Amadis de Gaula. E meus olhos também brilhavam por essa viagem instantânea até as origens, pela vertigem que experimentava ao poder aproximar-me da maneira como García Márquez criava suas obras. Para ele, como para nossa América, tudo era ao mesmo tempo verídico e fabuloso, história e invenção, dor e mito.</div>
<div style="text-align: justify;">
Então, nossos olhos brilharam simultaneamente, os meus e os dele, por compartilharmos da alegria de quem descobre um rio imenso no instante obscuro em que nasce da fonte mais remota de uma montanha. Porque o arcanjo Gabriel me presenteava com a certeza de que, depois de tudo, talvez não estivéssemos tão sós, se podíamos imaginar a praga da nossa violência e a praga da nossa desventura de uma maneira tão minuciosa, excessiva e perfeita.</div>
<div style="text-align: justify;">
Uma certeza que continua e continuará nos presenteando uma América agora de luto.</div>
</span><span style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><span style="background-color: white; line-height: 13.540999412536621px;"><span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Ariel Dorfman</span></span><span style="color: #351c75; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;">TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA</span></span></div>
Uma certa idade...http://www.blogger.com/profile/02710853390133423414noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515985493414890174.post-22228959485714849832014-04-21T17:07:00.002-03:002014-04-21T17:07:45.659-03:00Síndrome de Peter Pan<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiqMzNkMtkGVPE75KfAKC17HObMv-0Fjm4_lkm7tqj_0gZOkWWGT4lNkjN3i8_UQU1Asjj9HvN3SbGSwzaj4rvjRDgJJYOP9za_PwZwV6BfAO2sZBPbC47H2u-KVUv3I2eb3covS8mbA-Jo/s1600/growup.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiqMzNkMtkGVPE75KfAKC17HObMv-0Fjm4_lkm7tqj_0gZOkWWGT4lNkjN3i8_UQU1Asjj9HvN3SbGSwzaj4rvjRDgJJYOP9za_PwZwV6BfAO2sZBPbC47H2u-KVUv3I2eb3covS8mbA-Jo/s1600/growup.jpg" height="305" width="400" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
"Publicado há cerca de três décadas, o livro "Síndrome de Peter Pan" mostrava um novo padrão de comportamento social para a época. Seu autor, dr. Dan Kiley, simplificou algumas ideias de Jung, usava o personagem de ficção como parâmetro de um grupo cada vez maior de adultos que não abriam mão de seus privilégios adolescentes.</div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Peter Pan, para quem não leu o livro nem se lembra da versão da Disney, é um menino que se recusa a crescer. Dotado de poderes mágicos e de uma fadinha de estimação, vivia com "garotos perdidos" na Terra do Nunca, um eterno playground.</div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
A tal síndrome descrita pelo dr. Kiley não era exatamente uma doença, mas um desvio de comportamento de quem cresceu em ambiente de superproteção e que, confrontado com a dura realidade das escolhas cotidianas, preferia se refugiar em ambiente conhecido. Como a criança que ao fechar os olhos se julga invisível, esses adultos entravam em uma espécie de negação primitiva, criando uma bolha em torno de si.</div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Entre as características dos "Peter Pans" estariam relutância em assumir responsabilidades, cuidado excessivo com a aparência, envolvimento compulsivo em atividades lúdicas e baixa autoconfiança.</div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Morto há dez anos, Dr. Kiley não viveu o suficiente para ver a condição que definiu transformada em pandemia. Seria interessante ouvir sua opinião em meio a tantas teorias rasas propostas por analistas de tendências, publicitários e antropólogos de aluguel em geral.</div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Quaisquer que sejam as origens de tanta imaturidade --popular nas piadas machistas dos programas de "humor", no egoísmo de empresários e políticos, no narcisismo de atores e web-celebridades, na futilidade das redes sociais e na alienação geral de praticamente todo mundo--, um fator é inegável: a natureza das mídias digitais, se não causa, certamente estimula esse tipo de comportamento.</div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
"Selfies", check-ins, "badges", Tinder, buscas pelo próprio nome e competições por "curtidas", amigos e seguidores não teriam nada de errado se fossem produtos de nicho, encarregados de manifestar uma fase de exceção marcada pela insegurança. Quando se transformam em regra é natural que demandem análise dos meios por que circulam.</div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Boa parte das tecnologias de consumo tem a cara de seus donos, a maioria homem, jovem e rico, se beneficiando de uma cultura que fetichiza a juventude. Há pouquíssimos apps para os menos favorecidos e, incrivelmente, para qualquer mulher que não esteja obcecada por sexo, compras, decoração ou moda.</div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Boas ideias, mesmo quando surgem, acabam rechaçadas por uma panelinha de investidores que considera mulheres (50% do planeta) e pobres (99%) mercados de nicho.</div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
O resultado dessa triste miopia se reflete no estímulo a um comportamento machista, ingênuo e misógino da "cultura geek". Pessoas levemente deprimidas, insatisfeitas e misantropas, que fazem da tecnologia o tema central de suas vidas e buscam sempre a última novidade podem ser bons consumidores, mas não são seres humanos exemplares.</div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
A tecnologia, que sob tantos aspectos é um dos setores mais avançados da sociedade, guarda em si uma infantilidade patológica. Enquanto não nos livrarmos dela, o futuro não será tão bonito como prometem romances adolescentes." </div>
<div style="color: #134f5c; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">LULI RADFAHRER</span></div>
</div>
Uma certa idade...http://www.blogger.com/profile/02710853390133423414noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515985493414890174.post-58080274753521963292014-04-17T20:24:00.003-03:002014-04-17T20:24:44.493-03:00Trinta anos de bode : GABO versus Mario <div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgn9NpNC2hR8x2rDGhqqcU9uP_ucUcuTZswJFGeQqAMPdxMzyhYcauC78QVRYoftXqqAp0EME4A7_G_K6X0JIyuzsOEe0MFPOjXa7HZ6PqrLxPukzIHALDUne-P3woVRSKiqFD8j8cnjqlU/s1600/gabo.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgn9NpNC2hR8x2rDGhqqcU9uP_ucUcuTZswJFGeQqAMPdxMzyhYcauC78QVRYoftXqqAp0EME4A7_G_K6X0JIyuzsOEe0MFPOjXa7HZ6PqrLxPukzIHALDUne-P3woVRSKiqFD8j8cnjqlU/s1600/gabo.jpg" height="272" width="400" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
"A primeira notícia sobre um possível degelo nas relações dos dois consagrados mestres da moderna ficção em qualquer língua, Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa, foi publicada no início de janeiro no prestigioso jornal The Guardian, no Reino Unido, oriunda (possivelmente) do laptop do correspondente Giles Tremlett, em Madri. A reportagem se referia sobretudo à publicação, em 2007, de uma edição especial comemorativa do 40º aniversário de publicação do consagrado romance Cem Anos de Solidão, de autoria do colombiano García Márquez, tido como uma das obras-primas do século XX e leitura obrigatória para todos interessados em arte, cultura e o realismo mágico, do qual, conforme sabemos, o cubano Alejo Carpentier é renomado precursor.</div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
O legítimo homme du monde peruano Mario Vargas Llosa, autor também do notável A festa do bode, publicado em 2000, outro volume seminal de nos jours, e quaisquer outros jours também, embora distante do realismo mágico, mas chegado à nossa cultura (seu livro sobre Canudos, A Guerra do Fim do Mundo, de 1981, é um clássico, embora poucos tenham sabido ler e entender, tal como se deu da mesma forma, o que muito explica, com o evento histórico), está encarregado da apresentação, apesar de trinta anos de gélida guerra entre os dois mestres do idioma de Cervantes - e de Shakespeare e de Molière e de Gil Vicente e outros tantos, já que passaram por traduções hoje tidas como exemplares, inclusive em nosso Brasil.</div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Argumenta-se, nos meios literários, que esta introdução nada mais é do que uma adaptação de um estudo crítico assinado pelo talentoso peruano, em 1971, e que levou o título de A História de um Deicídio. Vargas Llosa vem se recusando à republicação do tomo desde o histórico desentendimento, ou rixa e ainda rusga, se preferirem, entre os dois magníficos ficcionistas, num pequeno cinema mexicano, em 1976.</div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Justiça seja feita a um e outro: nunca tocaram nos detalhes daquilo que, ao que parece, começou com palavrório, tão comum naqueles que vivem da palavra escrita e falada, mas que chegou às vias - e como! - de fato. Tamanha discrição só serviu para alimentar a curiosidade natural, e malsã também, sejamos honestos por uma vez na vida, daqueles que se interessam pela literatura da América hispânica e ainda por suas querelas, num nível mais baixo, mas nem por isso menos humano, all too human conforme sentenciou o Bardo Imortal. O fato de que na política os dois aspirantes ao Parnaso assumam posições radicalmente - mas radicalmente mesmo - diferentes sempre constou da equação que os mais corajosos tentaram explicitar e resolver.</div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Detalhes?</div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
García Márquez já publicou o primeiro volume de suas memórias. Consta, segundo relatos vindos daqueles que fazem parte de sua roda, igreja e catedral (onde se deve conversar, segundo Vargas Llosa), que Gabo, como é chamado na intimidade de seu lar e de outros lares também, quer a todo custo evitar entrar de novo "naquele cineminha mexicano" de 1976, e que ainda está lá para, se quisesse, contar a história, que nós aqui, mediante diversas viagens e entrevistas (trabalhamos mais que Truman Capote em A Sangue Frio, embora munidos de gravador digital mais que portátil), conseguimos reunir e deixar a última palavra com a pessoa mais importante dessa discórdia toda: você, leitor!</div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Agora, leia, digira os dados e chegue à sua própria conclusão, que é a única que conta. Obra mais aberta não há nem poderá haver. Depois, nos diga - e este é o teste - quem você acha que está com a razão: Gabo ou Mario?</div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
O local</div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Trata-se de um pequeno cinema, de seus duzentos lugares, que já conheceu melhores dias. Hoje em dia, limita-se a passar cópias desgastadas de velhos filmes mexicanos e cubanos maltratados pelo tempo e por curadores descuidados. Presentes ídolos que não estão mais entre nós, e dos quais poucos jovens ouviram falar: Maria Antonieta Pons, Ninon Sevilla, Tito Junco. Sempre em números especiais, Pedro Vargas e Toña la Negra. Agustín Lara, o grande Agustín, também comparece! Vez por outra, quase que por distração, levam algo com Pedro Armendáriz e Maria Félix, dirigidos por Emílio Fernandez (lembram-se de The Wild Bunch, que no Brasil chamou Meu ódio será tua herança?) e fotografados pelo genial, assim o dizem, Gabriel Figueroa.</div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Muitos anos antes, em 1976, já que estamos sendo precisos com evento beirando o histórico, diante de um sol pastoso de julho, Gabo e Mario, depois de tomar umas tequillas e chupar umas goiabinhas, ambos apreciadores ferrenhos da Sétima Arte, passaram diante do Cine Cortés, ali mesmo na Calle de los Conquistadores, naquele bairro afastado de Ciudad de Mejico, onde tinham a certeza de não serem reconhecidos por seus admiradores. Sim, meus amigos, vivíamos numa época em que não só as modelos anoréxicas e os astros parrudos de Hollywood faziam sucesso nas paragens que os tolos gostam de chamar de "O Terceiro Mundo". Gabo e Mario eram o orgulho do Continente que dera ao mundo Bolívar e O'Higgins, para citar apenas dois ídolos e heróis. A pena (o computador ainda não tinha sido inventado) também era uma espada e a espada... uma pena? Não creio. Alegres e extrovertidos, os dois amigos notaram que estavam exibindo Casablanca, produção da Warner de 1942 inexplicavelmente tornada obra-prima pelo medíocre, mas prolífero, Michael Curtiz, em condições normais um diretor rotineiro, que, não obstante, nos legou inegáveis chef-d'oeuvres, tais como The Sea Hawk, 1940, e The Adventures of Robin Hood, feito dois anos antes. Um mistério que ambos, Gabo e Mario, não sabiam - talvez ainda não saibam! - explicar. Pois entraram os dois e - atenção, muita atenção - se sentaram no meio da quinta fila.</div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
No que passamos então a nossos depoimentos exclusivos.</div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Depoimento de Jesús Maria Iberrurtí, ex-lanterninha, 81 anos, cego de um olho.</div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
"Sim, senhor. Lembro-me como se fosse hoje. Os dois cavalheiros, quarentões ambos, não paravam de fumar, e eram só charutos finos, o que é proibido, pelas regras do estabelecimento, mas fazíamos vista grossa diante de clientes mais finos. Eu já vira o tal do filme umas vinte vezes e, desculpe-me, eu o odiava. Baixo sentimentalismo, canções estrangeiras, péssima dublagem em espanhol, atuações que não poderiam beijar os pés de uma Sarita Montiel ou Luis Mariano. Entraram com o filme já começado e uns vinte minutos depois estavam aos socos e pontapés. Com o auxílio do guarda (Pablo de Tal. Foi impossível localizá-lo. Consta que teria morrido afogado, tentando atravessar a nado a fronteira com os Estados Unidos.), que fui catar no café Los Libertadores, conseguimos expulsá-los. Nunca ouvi tanto palavrão na minha vida. Nem parece que eram homens de berço. Não sei qual era o pomo da discórdia, mas um deles, o bigodudo, mais baixo e entroncado, não cessava de se referir à conduta sexual das senhoras, tanto a esposa quanto a progenitora do outro, o mais alto e de terno branco, camisa listrada azul, mas sem gravata. Essas pessoas dificultavam muito meu trabalho."</div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Depoimento de Mérida Pinión, academicista, 77 anos.</div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
"Parecia um sonho! Dois dos maiores escritores do planeta brigando na minha frente. Nem consegui prestar atenção no filme do Cary Grant. Tenho a certeza que foi por minha causa. Mario já se voltara duas vezes (só mais tarde, muito mais tarde, ficamos íntimos, e como! Qui, qui, qui!), eu estava três filas atrás dos dois, e perguntara se a fumaça estava incomodando. Fiz-me de desentendida, que não sou de falar ou ir com qualquer um, mesmo que se chame Vargas Llosa ou García Márquez. Como resposta, ouvi um palavrão. Gabor, hoje eu sei que foi Gabor, tomou-lhe satisfação e, não a tendo, deu-lhe uma - com o perdão da má palavra - porrada na cara. Daí saí correndo e mais não vi. Mais tarde, em casa de amiga, escrevi um conto a respeito. Foi incrível! Publicaram no Brasil dois meses depois."</div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Depoimento de um coronel ao qual ninguém escreve, 107 anos presumíveis.</div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
"Hein? O quê? Fale mais alto. Minha memória já não é mais o que era. A crise de Suez, disse você? Pois não. Foi lá pelos idos de 1962 e o presidente americano, Harvey de Tal, se não me engano, quase bombardeia de forma atômica Costa Rica. Ou Honduras. Uma dessas calouras fuleiras que insistem em nos imitar. Era um tempo irado, cheio de ventos, mas eu vivia razoavelmente com os cobres de minha pensão. Dava para servir um café às visitas, coisa que hoje, como está vendo, me é difícil. Naquela época era muito perigoso falar em política, principalmente nas alfaiatarias. Não me pergunte por quê. Somos estranhos como as éguas que, por motivo algum, relincham no meio da noite. Quando sair sua revistinha, promete me mandar um exemplar?"</div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Depoimento de Juan ******, 68 anos, autor não-publicado.</div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
"Prefiro o anonimato. Prefiro também a prosa de Carlos Fuentes à dos dois paspalhões que brigavam por uma guimba de charuto. Em Fuentes, uma sentença começa com a simplicidade de um ovo. Depois, bica sua existência até adquirir asas, parte meio sem jeito para o vôo, encontra sua corrente de ar, onde respira e navega, forma seu verbo como se o tivesse catado em vegetação próxima, junta-o a advérbios e adjetivos boiando em poças d'água da redondeza, esquiva-se das armas furtivas dos caçadores, passa com desdém diante das fuças dos cães que o buscam, mergulha numa lagoa, sai com um sujeito no bico e um predicado preciso numa das garras, para finalmente pousar e - surpresa - ver-se no caso acusativo. Escrever é isso. É Fuentes. Colombianos correm do pau e se aviltam diante do primeiro socialismo que lhe fizer cócegas no ego. Peruano? Só rindo. Por que acha que a expressão "não há cu de peruano que agüente" surgiu? Não há de ter sido por nada. Brigaram os beldroegas por analfabetismo e desmesurada ambição política. Vargas Llosa presidente do Peru! Só rindo, só rindo."</div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Depoimento de 14 putas tristes, entre 70 e 80 anos, várias esquinas.</div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
"Nós sempre vemos juntas Casablanca quando passam. Nesse dia a que o senhor se refere éramos 25. Todas pagamos entrada, sim senhor, apesar do gerente ter feito proposta indecorosa, ainda que interessante. Trabalho é trabalho, arte é arte. Choramos então, choramos hoje, nós que sobramos. Quando el negro Sam cantava aquela canção, o senhor sabe qual é, nesse pedaço não dublavam. Nos derretíamos feito manteiga. Hoje igualzinho. Esses dois marmanjos de que o senhor fala estavam rindo na hora que el Umfrey pede para ele tocar a música para ele. Nós reclamamos em alto e bom som. Apesar de parecerem gente fina, nos responderam com palavras cabeludas, expressões de baixo calão. Erêndira, que era da pá virada e vivia com o pito aceso - tinha uns olhos azuis que só vendo! -, partiu para cima dos dois e, se o baleiro não separasse, o mais magrinho teria se machucado, está sabendo? O mais baixinho e forte estava com o pau para fora. Parecia um taco de beisebol: grande, grosso, uma loucura! Esse comigo não teria vez, por dinheiro algum. Não quero falar mal de ninguém, que isso foi há muito tempo, mas eu gostaria de saber o que é que os dois estavam fazendo naquela hora da tarde num cinema vagabundo. Me explica isso?, o senhor que me parece pessoa de instrução. Essa vida tem cada uma. Durma-se com um barulho desses. Ou não se durma. O senhor sabe onde eu quero chegar, não sabe?"</div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
****</div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
E aí está, leitor amigo. Agora você está de posse dos dados que conseguimos, num louvável esforço de reportagem, obter. (Sorry, o baleiro também sumiu, como se a terra o tivesse tragado.) Não foi mole, como diria uma dessas senhoras da última entrevista. Salientamos que todo esse texto é uma seleção de longos depoimentos, muitos deles sofridos, realizados nas mais precárias das condições. A Cidade do México lembra o que vai ser, mais uns aninhos, o Rio de Janeiro. Ou São Paulo. Dizem. Forme agora sua opinião. Escreva para os escribas em questão. Blogueie, se for essa a sua. Veja de novo Casablanca, se achar que vale a pena. O que não pode, mas não pode mesmo, é ficar aí feito um idiota só lendo, lendo e lendo. Vá até a esquina, dê um passeio ou ainda... convide um amigão, desses do peito, para ir com você, de tarde, a um cineminha, depois de tomar umas e outras. Veja, por exemplo... Não. O programa eu deixo com você. Digo, vocês".</div>
<div style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Ivan Lessa</span></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Nota: Gabo faleceu hoje. <a href="http://brasil.elpais.com/brasil/2014/04/06/cultura/1396805501_535827.html">link</a></span></b></div>
</div>
Uma certa idade...http://www.blogger.com/profile/02710853390133423414noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515985493414890174.post-27460611344087267932014-04-12T15:03:00.001-03:002014-04-12T15:03:04.337-03:00Garantia de ridículo<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgghsA805n3yf3JEpm0xU8bMlqYzwYlLnkPQAEL9PFe7127HdVw9YzAlhkL1BoozozIY-zsqXXNbzUKh_OkdanRNZUOrSp_wwdoEX5iZrl6ARcNQwOUj87QR4VKjrIPixCD-NRLrMXbQYDF/s1600/tangoemparis.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgghsA805n3yf3JEpm0xU8bMlqYzwYlLnkPQAEL9PFe7127HdVw9YzAlhkL1BoozozIY-zsqXXNbzUKh_OkdanRNZUOrSp_wwdoEX5iZrl6ARcNQwOUj87QR4VKjrIPixCD-NRLrMXbQYDF/s1600/tangoemparis.jpg" height="285" width="400" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="color: #cc0000; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><div style="text-align: justify;">
"Em dezembro de 1972, o Brasil sob Médici estava proibido de assistir a filmes como "<b>Laranja Mecânica</b>", de Stanley Kubrick, e "<b>Último Tango em Paris</b>", de Bernardo Bertolucci, recém-lançados em Londres e Paris. Mas todos sabiam da existência deles. Naquele fim de ano, redator da "Manchete", demos capa e seis páginas sobre "Último Tango" --com Marlon Brando e Maria Schneider nus em cena-- e outras tantas sobre "Laranja Mecânica".</div>
<div style="text-align: justify;">
Em janeiro de 1973, fui trabalhar em Portugal. Salazar acabara de morrer, mas seus sucessores continuavam tocando a ditadura mais moralista da Europa. Sob a qual os dois filmes estavam não apenas proibidos, como a imprensa portuguesa não podia nem mencioná-los, muito menos dizer que estavam censurados e que havia censura no país. A asfixia era completa. Curiosamente, todas as publicações tinham de exibir um quadrinho no rodapé, onde se lia "Visado pela Censura".</div>
<div style="text-align: justify;">
No dia 25 de abril de 1974, a "Revolução dos Cravos" derrubou a ditadura, e uma das grandes alegrias daquela manhã foi ter em mãos um exemplar do "República", o pequeno e bravo tabloide vespertino dirigido pelo socialista Raul Rêgo. Os matutinos, como o "Diário de Notícias" e "O Século", tinham saído com o noticiário de véspera. Mas o "<b>República</b>" já trazia manchetes sobre a revolução e, no pé da primeira página, o quadrinho: "<i><b>Este jornal NÃO FOI visado pela Censura</b></i>".</div>
<div style="text-align: justify;">
Dias depois, "Laranja Mecânica" e "Último Tango" foram liberados em Lisboa. E outros filmes, que nem se sabia que estavam engavetados, também logo chegaram às telas. Um deles, "<i><b>Irma La Douce</b></i>", de Billy Wilder, com Shirley MacLaine e Jack Lemmon, estava proibido desde 1963 por ser uma comédia sobre a prostituição.</div>
<div style="text-align: justify;">
Os censores são incapazes de imaginar o ridículo que o futuro inevitavelmente lhes reserva. Esta é a nossa única vingança".</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: navy; font-family: 'Times New Roman', verdana, arial; font-size: 18px; font-weight: bold; letter-spacing: 0.30000001192092896px; text-align: start; text-transform: uppercase;">RUY CASTRO</span></div>
</span></div>
Uma certa idade...http://www.blogger.com/profile/02710853390133423414noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515985493414890174.post-84963373375638772322014-04-08T15:35:00.000-03:002014-04-08T15:35:10.750-03:00Tudo é vaidade<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div id="articleNew" style="margin: 0px; padding: 0px;">
<div class="fine_line" style="font-family: 'Times New Roman', verdana, arial; font-size: 18px; font-weight: bold;">
<div style="font-size: 20px !important; font-style: italic; font-weight: normal; margin-bottom: 18px !important;">
<b><span style="color: #cc0000;">Razão para o desinteresse nos e-books está no fato de que livros, para a maioria, são objetos de decoração</span></b></div>
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjtZ_3mWaEDNmnkx-zCcE33BEge0WN-bCe8jS5l_JT3BV6oCscm2lTniK3xP_CSavvojiJcVVYX9Z2VP0gW_sSI6WqnishESONOcQzWRwGRKAxxw-zLVAWbOxKpcONPZ1XMRw3JcgTCSZw_/s1600/joao+pereira+coutinho.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjtZ_3mWaEDNmnkx-zCcE33BEge0WN-bCe8jS5l_JT3BV6oCscm2lTniK3xP_CSavvojiJcVVYX9Z2VP0gW_sSI6WqnishESONOcQzWRwGRKAxxw-zLVAWbOxKpcONPZ1XMRw3JcgTCSZw_/s1600/joao+pereira+coutinho.jpg" height="320" width="241" /></a></div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
"Qual a pergunta mais idiota que é possível ouvir quando temos uma biblioteca generosa? Exato, leitor: "<i>Você já leu tudo isso</i>?"</div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Engolimos em seco. Respiramos fundo. E depois explicamos, pela décima, centésima, milésima vez que uma biblioteca não é uma coleção de livros lidos. As bibliotecas são feitas de livros que lemos no passado, que consultamos no presente e que um dia, talvez, leremos no futuro. Ou que alguém lerá por nós.</div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Mas existe uma situação mais constrangedora no mundo das bibliotecas: quando descobrimos que uma parte delas nem sequer são constituídas por livros.</div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Aconteceu uma noite: fui convidado para um jantar em casa de um conhecido literato português. E, deambulando pela casa, encontrei uma estante com livros.</div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Ou, pelo menos, eu pensava que eram livros. Ao remover um deles, reparei que a coleção era mero enfeite, feito de lombadas e nada mais. O meu anfitrião presenciou o funesto momento. Ninguém disse palavra. Nunca mais fui convidado para jantar algum.</div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Ficou a lição: a posse dos livros começa por ser vaidade. Só residualmente é uma questão intelectual.</div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
E é exatamente por isso que nunca comprei a febre triunfal dos e-books. Sim, tenho um bicho desses: um Kindle rudimentar, onde recebo jornais, revistas e os livros que desejo ler de imediato com uma ganância que arruína qualquer possibilidade de enriquecimento pessoal.</div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Mas todas as notícias apontam para o mesmo cenário: o negócio dos e-books brochou em 2013 e é provável que não recupere mais. A Barnes & Noble não está contente com o seu Nook e há rumores de que tenciona desistir do negócio. A Sony não tem dúvidas: desistiu mesmo. E até o Kindle já conheceu melhores dias. Como explicar o naufrágio?</div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Sociólogos diversos falam na saturação do mundo digital: a novidade de ontem virou rotina hoje e está morta amanhã. Outros, mais românticos, lembram que o livro tradicional não tem concorrência no "plano dos afetos" (grotesca expressão): quando o objeto é em papel, podemos tocá-lo, cheirá-lo. Eventualmente comê-lo.</div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
E a seita dos economistas reduz tudo a meras contabilidades: segundo o "<i>New York Times</i>", os <i>e-books</i> levaram a uma queda no preço dos livros tradicionais (70% na Amazon, em alguns casos), o que reconciliou os leitores com o objeto físico.</div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
É possível que tudo isso tenha dado seu contributo. Mas a razão mais funda para o desinteresse nos e-books está na vaidade humana: os livros, para a maioria, são objetos decorativos de afirmação pessoal e social.</div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Um <i>Kindle</i> pode armazenar milhares de obras que obtemos instantaneamente (e, com certos títulos clássicos, gratuitamente). Mas serão sempre milhares de obras escondidas no interior de um minúsculo aparelho --e não exibidas com orgulho nas estantes da sala, para impressionar as visitas.</div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
No <i>Kindle</i>, é possível ler e apenas ler. Não é possível mostrar que se lê --uma diferença fundamental. Ora, sem essa dimensão fálica de espetáculo público, os e-books estariam sempre condenados.</div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Ou, então, condenados a servirem uma ilustre minoria para quem o livro, antes de ser objeto de estatuto social, é sobretudo a fonte mais preciosa que existe de conhecimento e lazer. O problema é que uma minoria, logicamente, não justifica um negócio global.</div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Se os e-books desejam sobreviver, talvez a solução passe por transformar livros tradicionais em livros digitais --mas um de cada vez, como se fossem CDs ou DVDs.</div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Tenho a certeza que milhares de kindles na estante da sala teriam um sucesso social que o solitário Kindle jamais será capaz de atingir.</div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; text-align: justify;">
<b style="font-size: x-large;">P.S. ""</b> Parece que o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) errou ao afirmar, na sua pesquisa, que quase dois terços dos brasileiros toleram a violência sexual contra mulheres de minissaia. Não são 65% os tolerantes; são "apenas" 26%.</div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; text-align: justify;">
Em condições normais, saber que um quarto dos brasileiros continua a tolerar a brutalidade contra mulheres não alteraria o essencial do meu artigo da passada semana. Mas como acreditar em qualquer número do Ipea depois desse "flop" homérico?</div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; text-align: justify;">
Por mim, talvez fosse mais útil fazer outra pesquisa e tentar saber quantos brasileiros gostariam de espancar, não as suas mulheres --mas os pesquisadores e responsáveis do Ipea. Tenho a certeza que os números seriam novamente alarmantes. E, dessa vez, verdadeiros<span style="font-size: large;">.</span></div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"><b>JOÃO PEREIRA COUTINHO</b></span></div>
</div>
</div>
Uma certa idade...http://www.blogger.com/profile/02710853390133423414noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515985493414890174.post-75920990999508457692014-04-05T21:35:00.000-03:002014-04-05T21:35:40.943-03:00Os russos<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjBcXFqWlWCjr3eSQE3W6056wIgjJUPXbUqmqggyX0zDYQXjBcxUMlic0dqjJAJJL5aQEGpUlGGqcNYEnqBTY2HYo6qiBG4ZnuD3hVaJvnG2n4G_A8npkOCaFnoM4GxZZF9o5BI7SVGtRKN/s1600/Fernanda-01-201x300.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjBcXFqWlWCjr3eSQE3W6056wIgjJUPXbUqmqggyX0zDYQXjBcxUMlic0dqjJAJJL5aQEGpUlGGqcNYEnqBTY2HYo6qiBG4ZnuD3hVaJvnG2n4G_A8npkOCaFnoM4GxZZF9o5BI7SVGtRKN/s1600/Fernanda-01-201x300.jpg" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><div style="text-align: justify;">
"O professor de geografia do oitavo ano revelou à turma que a palavra lucro vem de outra, logro, que quer dizer roubo.</div>
<div style="text-align: justify;">
- Todo lucro é roubo.-concluiu.</div>
<div style="text-align: justify;">
Impressionada, a classe se debruçou sobre o tema, usando como exemplo uma carrocinha de pipoca. Se o dono da carroça empregar alguém para remexer a panela e tirar disso o seu sustento, estará se apropriando do esforço alheio, o que é reprovável.</div>
<div style="text-align: justify;">
Meu filho, presente em sala, se mostrou avesso à ideia de que o investimento não merece retorno. Mas, assim como na redução lógica do professor havia uma condenação moral embutida, a rejeição do menino trazia outro exagero. A feroz defesa que fez do livre mercado soava algo reacionária.</div>
<div style="text-align: justify;">
Me formei em escolas liberais da zona sul do Rio de Janeiro.</div>
<div style="text-align: justify;">
A anistia aconteceu no primeiro ano do meu secundário. Livres da ditadura, que exilou intelectuais, artistas, militantes e catedráticos de esquerda, os professores ganharam o direito de falar abertamente, em sala, sobre as suas convicções políticas.</div>
<div style="text-align: justify;">
A liberdade de expressão foi uma conquista inestimável.</div>
<div style="text-align: justify;">
Nas matérias de história e geografia, em especial, combatia-se o fatalismo do subdesenvolvimento com a aversão ao imperialismo. A direita, os milicos e os americanos encarnavam os cavaleiros do nosso Apocalipse.</div>
<div style="text-align: justify;">
Trinta e quatro anos distanciam a minha sétima série do oitavo ano do meu filho. Na época, a divisão entre capitalismo e comunismo ainda era clara, não mais.</div>
<div style="text-align: justify;">
A competitividade econômica do oeste revelou-se eficaz e foi adotada pelo igualitarismo vermelho do leste; mas a especulação financeira, que culminou com a bancarrota de 2008, foi paga pelo Estado. Acabaram-se, assim, as fronteiras que separavam um lado do muro do outro.</div>
<div style="text-align: justify;">
Você pode argumentar que, para ensinar, é preciso partir dos fundamentos; que só é possível entender o atual paradoxo depois de expor aos imberbes os ideais puros nos quais se baseiam ambas correntes.</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas 50 anos depois do golpe, 40 depois da anistia, 30 da perestroika, 20 do Real e 12 da eleição do PT, eu guardo a suspeita de que o Brasil é um país que se situa em algum lugar entre a "Veja" e a "Carta Capital". Entre o meu filho e o professor dele.</div>
<div style="text-align: justify;">
No capítulo 11 da parte seis de "<b>Anna Kariênina"</b>, Liévin - o único personagem imune ao traço de reprovação cômica com que Tolstói descreve o resto dos abastados - fala do desprezo que sente pela elegância custosa dos grandes centros e da sua admiração pelos mujiques do campo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Em uma caçada na companhia de dois hedonistas natos, parentes chiques de São Petersburgo, a conversa recai sobre a decência e o lucro.</div>
<div style="text-align: justify;">
Depois de desdenhar da iniciativa privada, o jovem fazendeiro defende que o único ganho legítimo é aquele adquirido através não da astúcia de terceiros, mas da força do trabalhador.</div>
<div style="text-align: justify;">
- Qualquer lucro que não corresponda a um trabalho investido é desonesto -afirma ele.</div>
<div style="text-align: justify;">
A mesma explanação do mestre de geografia do fundamental 2 proferida ali, pelo herói russo, meio século antes dos caipiras da revolução bolchevique varrerem do mapa os entediados condes, duques e princesas do romance.</div>
<div style="text-align: justify;">
A literatura me veio como solução.</div>
<div style="text-align: justify;">
Tolstói se vale de igual conceito, mas o enriquece de figuras que negam, rebatem, discutem. A contradição humana é o narrador. Se o objetivo é ampliar os horizontes do aluno para que ele forme uma visão mais completa do mundo, não conheço cartilha melhor.</div>
<div style="text-align: justify;">
A provocação do professor, sem o contexto, soa como doutrina, e nenhuma doutrina sobreviveu às últimas intempéries.</div>
<div style="text-align: justify;">
Hoje, é quase impossível discernir movimento de classe de manobra política; interesse partidário de real empenho pela população. Não defendo que um guri de 14 anos dê conta de "<b>Guerra e Paz</b>", mas um capítulo já faria efeito.</div>
<div style="text-align: justify;">
A opinião do educador, se proferida por Liévin, traria maior resultado; a pilhéria do cunhado perdulário, que sugere que o parente acabe com a culpa doando a fazenda aos empregados, enriqueceria a discussão, e os 137 anos que separam a adúltera de Tolstói dos jovens cariocas dariam a perspectiva histórica da reflexão.</div>
<div style="text-align: justify;">
<b>A arte é um sério antídoto contra as certezas.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>E uma baita aliada da educação</b>."</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</span><span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"><b>FERNANDA TORRES</b></span></div>
Uma certa idade...http://www.blogger.com/profile/02710853390133423414noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515985493414890174.post-10325368849276170792014-04-05T21:18:00.001-03:002014-04-05T21:18:44.588-03:00Paraíso construído<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgc1fTnwrr1P3mFMoG0tHxf1zWV7pO2Wd1MxFbgyfVNgXUHAqMLk4sBIykrWEpCz4TMV-H0eNDTJDABSFFypW1xv7kyL20k6Kqfaydx5Cng9Q0KuQ5Y9clYjEY82GThVeNUvyukYOUSC4nj/s1600/avos.png" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgc1fTnwrr1P3mFMoG0tHxf1zWV7pO2Wd1MxFbgyfVNgXUHAqMLk4sBIykrWEpCz4TMV-H0eNDTJDABSFFypW1xv7kyL20k6Kqfaydx5Cng9Q0KuQ5Y9clYjEY82GThVeNUvyukYOUSC4nj/s1600/avos.png" height="320" width="320" /></a></div>
<span style="color: #3d85c6; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /><div style="text-align: justify;">
Publicado em inglês sob o mesmo título (<i>The grandmothers</i>), <b>As avós</b>, de Doris Lessing, aparece no Brasil apenas com uma das quatro histórias que compõem, originalmente, a publicação.</div>
<div style="text-align: justify;">
A Companhia das Letras classifica a obra como romance, mas o texto é considerado, pelos críticos de língua inglesa, como uma novela, sem dúvida por causa de sua pequena extensão, mas também graças à etimologia da palavra “novela”, que tem a ver com novidade. Mas será que ainda se pode considerar novidade esses textos que se preocupam com o feminino, e que giram em torno de uma espécie de utopia onde a sociedade aceita, embora não compreenda bem, um matriarcado idealizado e fantasioso, tingido de lesbianismo e de édipo?</div>
<div style="text-align: justify;">
Talvez a novidade esteja na maneira despreocupada e “natural” em que se descrevem comportamentos fronteiriços aos tabus abordados. A história de As avós se passa num lugar paradisíaco; um “pequeno promontório”, banhado por um “mar brincalhão”, bem diferente do oceano bravio que rugia além da “bocejante baía”, e trata de duas mulheres, amigas desde o tempo do colégio, que não se separam, nem mesmo ao casar. A maternidade também se revela mais um vínculo entre as duas, que tomam como amantes o filho uma da outra. Finalmente, elas resolvem abdicar deste arranjo não-questionado para que seus filhos se casem e procriem. Cada um tem uma filha, e essas crianças, quase que imperceptivelmente, passam à esfera de fascínio que as duas mulheres parecem possuir, sem se esforçar para tal. Inesperadamente, algumas cartas antigas vão parar nas mãos de uma das noras, que se horroriza e resolve interromper a situação idílica em que a história se abre.</div>
<div style="text-align: justify;">
O que mais causa estranhamento, em minha opinião, não são as ousadias do texto — que, em si, não é mais tão ousado — na Grécia antiga, em tempos imemoriais, Édipo já tinha levado a mãe para a cama, e tinha até tido uma prole inteira com a fogosa Jocasta, que reservava a castidade para o nome, pelo visto. O estranho do texto está em tudo aquilo que é deixado de fora da história. Tal como o mar bravio e ameaçador, tudo está contido pela “barreira dos dentes”, imagem de Homero, mas que cabe à perfeição neste caso. Nesta baía as águas são mansas, o sol é intenso, tão intenso que as personagens de Lessing não têm uma palheta de cinzas: são perfeitamente recortadas, de encontro ao cenário encantador, e ofuscam com sua beleza e serenidade, “gente serena e radiante, como são os que sabem usar o sol”, ou deusas e deuses imortais, vivendo neste quase Olimpo africano. Nesta ilha de bem-aventurança, eles não são os únicos despreocupados. À sua volta espalham-se “pessoas tão felizes quanto eles”, vivendo vidas atraentes:</div>
<div style="text-align: justify;">
E essas vidas eram de uma facilidade incrível. Pouca gente no fundo tem uma vida tão agradável, tão sem problemas, tão sem censuras: ninguém, nesse litoral abençoado, passava a noite acordado, chorando por seus pecados ou por dinheiro, muito menos por comida. Que gente mais bem-apessoada, brilhante e suave de sol, de esportes, de boa comida. </div>
<div style="text-align: justify;">
Quanta diferença da África que <b>Doris Lessing</b> retrata na sua conferência de aceitação do prêmio Nobel. Lá se descrevem as dificuldades, as faltas, a miséria em toda sua crueza: ela fala de amigos escritores, de pele negra, que aprenderam a ler sozinhos, nos rótulos de latas apanhadas no lixo. Conta-nos de um que cresceu numa área rural destinada aos negros no Zimbábue, numa terra seca e árida, onde só logram brotar esparsos arbustos. Nesse ambiente desolado, ele encontrou uma enciclopédia infantil jogada no lixo, e foi assim que conseguiu se “educar”. Ela nos conta da corrupção do governo de Mugabe, um regime de terror, mas onde, apesar dos pesares, numa vila em que as pessoas tinham ficado três dias sem comer, ainda assim falavam de livros e da maneira de obtê-los, e de como alcançar educação. Certamente que esses retratos foram laboriosamente excluídos da narrativa, e somente suspeitamos que o mundo pode não ser tão idílico quando o ex-marido de Roz decide ir morar fora desse paraíso, numa terra árida:</div>
<div style="text-align: justify;">
Lá se foi Harold para a universidade, rodeada não por oceanos e ventos marítimos, não por canções e lendas do mar, e sim por areia, mato ralo e espinhos.</div>
<div style="text-align: justify;">
Enquanto isso, no paraíso habitado por Roz e Lil, a perfeição se aprimora com a transformação dos dois meninos em belos adolescentes: “<i>[...] e eram os dois tão lindos que as duas endireitaram o corpo na cadeira para olhar uma para a outra, dividindo a incredulidade”</i>. Digressando sobre o assunto da beleza juvenil, diz a autora: <i>“A beleza de jovens rapazes — ora, isso não é coisa assim tão fácil. As meninas sim, cheias de óvulos tentadores, as mães de todos nós, isso faz sentido, elas têm de ser belas e em geral o são, mesmo que só por um ano, ou um dia. Mas os meninos — por quê? Para quê? Há um momento breve, por volta dos dezesseis, dezessete anos, em que eles têm uma aura poética. São como jovens deuses</i>”.</div>
<div style="text-align: justify;">
A narrativa se constrói, então num cenário, separado do mundo por esses “dentes” podres, onde tudo se arranja como numa utopia. Os conflitos se desfazem com pequenas rusgas — o primeiro se soluciona com uma “dentada” aplicada por Ian na perna de seu par, Tom. Cenhos franzidos, viagens, palavras caladas e traços de lágrimas são passageiros, e a vida vai se ajustando, sem custos maiores. Muitos anos se passam antes que outra “dentada” seja aplicada, desta vez na perna de Ian, pelas rochas que encerram o mundo paradisíaco. A sensação de irrealidade perpassa todo o texto, está presente no cérebro dos leitores e nas palavras dos próprios personagens. Aqui e ali aparecem pequenas frases reveladoras dessa situação mítica. Veja-se, por exemplo, como a idéia de envelhecimento se transforma em alguma hipótese alheia à vida engendrada nesta sociedade perfeita:</div>
<div style="text-align: justify;">
<i>[...] um dia, quando a viu deitada sobre os travesseiros, logo depois de concluírem o ato do amor, alisando a pele envelhecida e solta do braço, ele deixou escapar um grito, agarrou-a e exclamou: “Não, não faça isso, não faça isso, nunca pense numa coisa dessas. Eu não vou deixar você ficar velha.”[...] “Não, Roz, por favor, eu amo você.</i>”</div>
<div style="text-align: justify;">
E por isso eu não posso envelhecer, é isso Ian? Não tenho permissão para envelhecer?</div>
<div style="text-align: justify;">
Essa sensação de onipotência provoca uma espécie de estranhamento que nos faz desejar “corrigir” essa fábula. E, dentro da narrativa, as coisas parecem tender para esse mesmo desejo, com o casamento dos dois rapazes com moças que eles encontraram fora desse mundo mítico, lá onde a paisagem se muda e resseca. Inconformado com a expulsão do paraíso, Ian protesta: <i>“Por quê, para quê? Nós somos perfeitamente felizes. Porque você quer estragar tudo?”</i></div>
<div style="text-align: justify;">
Em verdade, desde o início pairava sobre o grupo a sensação de que a perfeição era passageira, e estava fadada a desaparecer. A beleza efêmera, que se surpreende um ano, ou um dia, é paralela à felicidade passageira, pois há sempre um preço a ser pago:</div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Lil disse a Roz que se sentia tão feliz que isso a deixava com medo. “Como é que algo pode ser assim tão maravilhoso?”, cochichou ela, com medo de ser ouvida — por quem? Não havia ninguém por perto. O que ela queria dizer, e Roz sabia, é que uma felicidade assim tão intensa tinha que ter seu castigo.</i></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas o castigo não chega, as coisas se arranjam surpreendentemente fáceis, nesta fábula de um édipo que se olha no espelho, e que resolve os tabus recriando um cruzando as imagens obliquamente. A suspeita de homossexualidade, que parece incomodar Lil, se dissolve, embora atinja, de modo mais suave, o relacionamento dos rapazes, que fazem tudo juntos, que se pegam em brigas, se tocam e depois resolvem suas neuroses nos corpos de suas respectivas mães. As Jocastas do texto evitam o próprio fruto de seus úteros, mas levando para a cama o filho da outra, também estão realizando suas fantasias mais duradouras. O intrigante é que a autora tenha resolvido dar ao seu livro o título de <b>As avós</b>. Se formos analisar o texto, há muito pouco sobre sua vida de avós, e isso chama a atenção, mais uma vez, sobre o que é deixado do lado de fora da narrativa. E, se achamos que o espelhamento é um dado essencial na construção da novela, já que os pares se espelham e multiplicam, podemos conjecturar que esse espelho se volta para a própria autora: <b>nas avós, nessas mulheres já passadas dos sessenta anos, que podem imaginar idílios em lugares idílicos, as pulsões ainda se revelam com toda a força e exuberância necessárias para a vida. E são essas as forças que, com mais ou menos aptidão, sustentam a mão da escritora octogenária, avó de todas elas."</b></div>
</span><img alt="" class="article_end" src="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/wp-content/themes/rascunho/style/images/articleend_body.png" style="border: 0px; color: #111111; float: right; font-family: Georgia, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 12px; line-height: 12px; margin: 0px 15px 0px 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;" /><br />
<div id="authors_resume" style="border: 0px; float: left; font-family: Georgia, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 12px; line-height: 12px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 25px 0px 0px; vertical-align: baseline; width: 525px;">
<a href="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/?post_type=autor&p=6092" style="border: 0px; clear: both; display: block; font-family: Tahoma, Geneva, sans-serif; margin: 0px 0px 7px; padding: 0px; text-decoration: none; vertical-align: baseline;"><span style="color: blue;"><b>LÚCIA BETTENCOURT</b></span></a></div>
</div>
Uma certa idade...http://www.blogger.com/profile/02710853390133423414noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515985493414890174.post-78870763454459015512014-03-05T17:27:00.003-03:002014-03-05T17:31:47.438-03:00Vila-Matas, ‘O mal de Montano’<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgJwrt4mrxsKviLB7ELL1-QDqB8WvpMvKHT9EDYxOknBPEzc-DZJ7R-RRd1MLcTBwu1zoMZ5B9Ma5uiq45D-wS2vmvVuLNihh3RZi-2pmgjNo7RRrsi5IYy4onBKsCZibdwiCVb7f02OjWf/s1600/mal-de-montano.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgJwrt4mrxsKviLB7ELL1-QDqB8WvpMvKHT9EDYxOknBPEzc-DZJ7R-RRd1MLcTBwu1zoMZ5B9Ma5uiq45D-wS2vmvVuLNihh3RZi-2pmgjNo7RRrsi5IYy4onBKsCZibdwiCVb7f02OjWf/s1600/mal-de-montano.jpg" height="400" width="301" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
"A ideia da literatura como doença não é exatamente novidade na ficção. Personagens como Dom Quixote e Ema Bovary têm seus destinos arruinados por enxergarem a vida como uma extensão idealizada do que leram: aventuras de cavalaria, no primeiro caso, e histórias românticas, no segundo. A diferença do protagonista de <b>O Mal de Montano</b> (Cosac Naify, 328 págs.), romance que deu ao catalão Enrique Vila-Matas os prêmios Heralde e Médicis, é a consciência do próprio desvio: crítico que inicia a trama numa viagem de visita ao filho, Rosário Girondo se angustia ao perceber que seus diálogos são citações, seus atos imitam passagens de clássicos e pessoas ao seu redor lembram criaturas como Hamlet e o Conde Drácula. A “<i>intoxicação literária</i>” pauta seu relacionamento com a mulher, Rosa, e o faz ir a lugares como Chile, Açores e Budapeste.</div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Impossível não ver no enredo um complemento de Bartleby e Companhia, a obra-prima de Vila-Matas sobre escritores que desistiram do ofício. Se esta era uma história sobre a “elegância de se calar”, como o autor já disse em entrevistas, O Mal de Montano também tem como ponto de partida o silêncio. Não só porque traz um personagem em crise por ter publicado um livro semelhante a Bartleby, mas porque o tormento de Girondo é causado por um excesso de vozes. Todas as convenções já foram usadas, todas as fórmulas já foram descobertas, todas as rupturas já foram promovidas no eterno presente da ficção universal. Quem as sussurra são outros escritores, claro, que em sua época viveram os dilemas de uma atividade desde sempre tirânica e ingrata. Por que sacrificar a vida em nome dela? Que sentido ainda faz praticá-la hoje?</div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Como todo artista que de alguma maneira bebeu nas fontes do pós-modernismo, Vila-Matas prefere a ironia das perguntas à solenidade das respostas. Sua vítima predileta são as supostas leis de certa ficção contemporânea. Brincando com os cacoetes estilísticos do romance, do ensaio, do diário, da enciclopédia e da autobiografia, O Mal de Montano trata de destruí-las uma a uma: os personagens mentem, os fatos se contradizem, as certezas do leitor acabam se revelando falsas. Rosário Girondo não fala apenas de como é difícil ser original: ele demonstra na prática, e a sua narrativa é o maior exemplo, como se tornou fácil criar ilusões com a linguagem.</div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Contraditoriamente, à medida que o romance se livra do andamento algo maneirista de seu início, essas ilusões ganham encantamento autônomo. Aí está o talento de Vila-Matas: com humor, transformar o que seria um mero estudo sobre os limites da criação artística numa prova de suas possibilidades ainda vivas. Como o próprio Girondo descobre, respirar literatura pode ser um ato de resistência em um mundo cada vez menos literário. Ato que traz dentro de si a cura para quem escreve sob o espectro do conformismo".</div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"><b>Michel Laub</b></span><br />
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"><b><br /></b></span>
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"><b>O que diz a</b> <a href="http://www.leyaonline.com/pt/livros/romance/o-mal-de-montano/"><b><span style="color: blue;">CRÍTICA</span></b></a></span></div>
</div>
Uma certa idade...http://www.blogger.com/profile/02710853390133423414noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515985493414890174.post-17363012299210222702014-03-04T20:00:00.004-03:002014-03-04T20:08:32.026-03:00No Oscar 2014, miopia estética ignora produções de exceção<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhXR3uROuZ3FTjioNOGTpYFVrxFvKbetUabizEnSVAPs_c3p9LcEKbZuiiQojt7aOxOg7ZlqGaexEvLxJgeYM25_nWDqTDvZ0B5GcXF5nkKs5Y8yjb1KUgTzPbAJ60129bF9q3JfUvk8CKP/s1600/nebraska5656.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhXR3uROuZ3FTjioNOGTpYFVrxFvKbetUabizEnSVAPs_c3p9LcEKbZuiiQojt7aOxOg7ZlqGaexEvLxJgeYM25_nWDqTDvZ0B5GcXF5nkKs5Y8yjb1KUgTzPbAJ60129bF9q3JfUvk8CKP/s1600/nebraska5656.jpg" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large; font-style: italic;">"</span><i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"></span></i><br />
<div style="display: inline !important;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">No Oscar, as indicações dão um retrato geral, ainda de contornos indefinidos. A premiação traça as linhas de preferência definitivas</span></i></span></i></div>
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">
</span></i></div>
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"></span></i><br />
<div style="text-align: justify;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"></span></i></span></i><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">
daquele ano e estabelece o perfil consumado da temporada de cinema nos Estados Unidos.</span></i></span></i></div>
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">
<div style="text-align: justify;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"></span></i><br />
<div style="display: inline !important;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Deveríamos ver essa instituição anual apenas dessa forma. Mas é claro que, por questões geopolíticas e econômicas, que acabam se transformando em imperativos da cultura, essa festa americana ganha foros de universalidade.</span></i></span></i></div>
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">
</span></i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"></span></i><br />
<div style="display: inline !important;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">No entanto, é bom lembrar, sempre, que essa universalidade é enganosa: boa parte da produção planetária não entra na festa de Hollywood a não ser pelo funil de uma categoria que eles valorizam pouco – a dos filmes em língua não inglesa, "filme estrangeiro", para nós.</span></i></span></i></div>
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">
</span></i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"></span></i><br />
<div style="display: inline !important;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Feita essa ressalva, o que temos a destacar? Três produções que se distanciam das outras em termos de número de indicações: Trapaça e Gravidade com dez cada uma, e 12 Anos de Escravidão, com nove.</span></i></span></i></div>
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">
</span></i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"></span></i><br />
<div style="display: inline !important;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Os dois primeiros devem levar alguns prêmios e Gravidade pode dar ao mexicano Alfonso Cuarón o troféu de direção, repetindo o prêmio que já ganhou no Globo de Ouro. Trapaça é uma boa comédia sobre a ambição, mas sem fôlego para se impor como vencedora.</span></i></span></i></div>
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">
</span></i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"></span></i><br />
<div style="display: inline !important;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Há, por fim, 12 Anos de Escravidão, tido como favorito para o prêmio principal, o de melhor filme, e também o de ator, para o incrível Chiwetel Ejiofor. A não ser que a estatueta de ator vá para Matthew McConaughey por seu também excelente trabalho em Clube de Compras Dallas.</span></i></span></i></div>
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">
</span></i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"></span></i><br />
<div style="display: inline !important;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">É bem possível que esses três filmes, 12 Anos de Escravidão, Trapaça e Gravidade, monopolizem a premiação que, ainda assim, será pulverizada, pois não se vê entre eles nenhuma produção arrebatadora, daquelas que pontuam da última à primeira das categorias propostas pela Academia.</span></i></span></i></div>
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">
</span></i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"></span></i><br />
<div style="display: inline !important;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">A disposição de colocar nove candidatos como finalistas a melhor filme traduz-se na possibilidade de incluir produções que, de outra forma, dificilmente seriam lembradas. Casos, por exemplo, de <b>Ela</b>, <b>Philomena</b>, e, sobretudo, <b>Nebraska.</b> Claro, são filmes que estão lá para constar.</span></i></span></i><br />
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></i></span></i>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgMNl45xpZJFIrFQGYhyzoaNvRo9WYjQCBIUFMeKDnV2tEXzY7YiewygaIEBzP48e5wXrgKwqQnlprEubjAAz_m4FX5jC1fizhoGeA34omZHKLNUJlBrpeX_mWFbCccox5l-J0_mDSlLOCB/s1600/ela.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgMNl45xpZJFIrFQGYhyzoaNvRo9WYjQCBIUFMeKDnV2tEXzY7YiewygaIEBzP48e5wXrgKwqQnlprEubjAAz_m4FX5jC1fizhoGeA34omZHKLNUJlBrpeX_mWFbCccox5l-J0_mDSlLOCB/s1600/ela.jpg" height="300" width="400" /></a></div>
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></i></span></i></div>
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">
</span></i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"></span></i><br />
<div style="display: inline !important;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Ninguém vê chances que um deles venha a ganhar o troféu principal, o que seria uma zebra. Mas, mesmo assim, esse destaque já é importante.</span></i></span></i></div>
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">
</span></i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"></span></i><br />
<div style="display: inline !important;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><b>Em especial para um filme tão bonito e fora da curva quanto Nebraska, em que Alexander Payne fala de velhice, obstinação e honestidade em um melancólico preto e branco. Bruce Dern, como o idoso que se põe na estrada para receber um imaginário prêmio de US$ 1 milhão, é de uma intensidade ímpar.</b></span></i></span></i></div>
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">
</span></i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"></span></i><br />
<div style="display: inline !important;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">O mais corrosivo dos candidatos, O Lobo de Wall Street, parece não ter nenhuma chance no prêmio principal. Talvez esse retrato de um arrivista do mercado financeiro, que leva uma vida de golpes, sexo e drogas seja incisivo demais para os padrões da Academia. A direção de Scorsese é brilhante e Leonardo DiCaprio segura o papel com graça e maturidade.</span></i></span></i></div>
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">
</span></i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"></span></i><br />
<div style="display: inline !important;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">No entanto, falando-se da produção americana de 2013, não se poderia deixar de fora <b>Inside Llewyn Davis – Balada de Um Homem Comum</b>, dos irmãos Coen. Concorre em apenas duas categorias, fotografia e mixagem de som. Isso equivale a dizer que, aos olhos da Academia, foi reconhecido apenas por quesitos técnicos, mas não como obra orgânica digna de ser levada em consideração em seu todo. Ora, se essa não é a maior prova da miopia estética dos acadêmicos, não sei qual poderia ser. <b>Inside Llewyn Davis é magnificamente escrito, filmado e interpretado. É, sim, uma balada terminal da sociedade de espetáculo americana, pontualmente localizada no âmbito da música country, mas que poderia se estender para uma concepção de vida em geral. Tem um brilho com o qual nenhum dos outros concorrentes pode rivalizar.</b></span></i></span></i></div>
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">
</span></i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"></span></i><br />
<div style="display: inline !important;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Por outro lado, o Oscar 2014 será valorizado se os prêmios forem para os filmes certos em categorias menos badaladas nos Estados Unidos, porém influentes no plano internacional. A Grande Beleza, de Paolo Sorrentino, um poema decadentista da Itália contemporânea, parece a escolha inevitável na categoria filme estrangeiro. E Vidas ao Vento, canto do cisne do mestre japonês Hayo Miyasaki, deve ser a bola na caçapa da categoria de longa de animação. Nesse que talvez seja seu melhor trabalho, Miyasaki acompanha 20 anos da vida japonesa através do construtor de aviões de caça Jiro Horikoshi. Personagem verídico, tempo de guerra, um caso de amor triste, a filosofia de que o vento alça os aviões mas também arrasta a vida e as vaidades desse mundo... Talvez ingredientes adultos demais para um gênero associado a produções infantis. O filme é lindo".</span></i></span></i></div>
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">
</span></i></div>
</span></i><span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"><b>Luiz Zanin Oricchio</b></span><i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><div style="text-align: justify;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"></span></i><br />
<div style="display: inline !important;">
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></i></span></i></div>
<i><span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">
</span></i></div>
</span></i></div>
Uma certa idade...http://www.blogger.com/profile/02710853390133423414noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515985493414890174.post-85859849377895728872014-03-04T19:35:00.000-03:002014-03-04T19:35:37.625-03:00Destruir o cinema<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #741b47; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjUF3ToLqXz0fqBRdWF08VcBuBsyR4dC6F6nk3o55293vzeN9RH0wxAUgkNOzQZeQC04XeQMXgsMQX7qNVSShyphenhyphenwA73Rv6FOl4uA_PygSo7Fm2YoiFzFBKWuNIXgwEQagVOSA65skHORGCEl/s1600/alainresnais.gif" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjUF3ToLqXz0fqBRdWF08VcBuBsyR4dC6F6nk3o55293vzeN9RH0wxAUgkNOzQZeQC04XeQMXgsMQX7qNVSShyphenhyphenwA73Rv6FOl4uA_PygSo7Fm2YoiFzFBKWuNIXgwEQagVOSA65skHORGCEl/s1600/alainresnais.gif" /></a></div>
<div style="color: #741b47; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #741b47; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #741b47; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
"Quando vejo um filme, interesso-me pelo jogo de sentimentos mais do que pelos personagens. Imagino que podemos chegar a um cinema sem personagens psicologicamente definidos, no qual o jogo dos sentimentos circularia. Como em uma pintura contemporânea, o jogo das formas chega a ser mais forte do que a história". Foi assim que o diretor francês Alain Resnais, morto no último domingo, fez do cinema uma arte que não temia sua própria destruição.</div>
<div style="color: #741b47; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Em 1959, Resnais apareceu com seu primeiro longa-metragem, "<i>Hiroshima Mon Amour</i>" ("Hiroshima, Meu Amor"). Em 1961, saia esta que é uma das maiores obras-primas do cinema, "<i>L'Année Dernière à Marienbad</i>" ("O Ano Passado em Marienbad"), com seu roteiro escrito por Alain Robbe-Grillet e fotografia dirigida por Sacha Vitry.</div>
<div style="color: #741b47; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Com ela, Resnais produziu, no cinema, a forma do que a França procurava pensar por meio do setor mais avançado de sua literatura na época (o "<i>nouveau roman</i>", de Grillet, Marguerite Duras, Samuel Beckett e Natalie Sarraute), da psicanálise (Jacques Lacan) e da filosofia (não por acaso, é de Deleuze uma das mais belas páginas sobre Resnais).</div>
<div style="color: #741b47; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Resnais nos forneceu a imagem de um mundo no qual não éramos mais sujeitos, ao menos no sentido tradicional que demos a esse termo. Não nos encarnávamos mais em personagem portadores de narrativas cheias de conflitos psicológicos que pareciam todos descritos em um romance de Balzac. Não habitávamos mais o tempo linear de uma história, mas o tempo simultâneo, no qual passado, presente e futuro entravam continuamente em colapso. Um tempo no interior do qual não se progride, mas no qual se circula.</div>
<div style="color: #741b47; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Tempo no qual a circulação do jogo de afetos produz repetições que nos fazem repetir os mesmos gestos, falar as mesmas palavras para, apenas dessa forma, habitar vários instantes. Essa repetição, que incomoda mais de um espectador de Marienbad, é a procura de movimentos imperceptíveis que anunciariam uma outra percepção.</div>
<div style="color: #741b47; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Este mundo de outros tempos e movimentos, que se apresentava em um grande hotel, que podia também ser um sanatório ou um espaço termal de repouso, era um gesto de adeus às ideias que haviam se colado em nós, moldando nossa forma de ver e filmar. Ideias que produziram nosso cinema.</div>
<div style="color: #741b47; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
O mundo desvelado por Resnais continuou a produzir obras-primas nos lugares mais improváveis. Não haveria a fúria antinarrativa de Peter Greenaway ou o tempo libidinal de David Lynch, só para ficar em dois cineastas mais recentes e conhecidos, sem a destruição produzida por Resnais.</div>
<div style="color: #741b47; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Sua condição de antecipador marcou para sempre a arte de nossa época".</div>
<div style="color: #741b47; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;">VLADIMIR SAFATLE </span></div>
<div style="color: #741b47; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #741b47; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #741b47; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<img src="http://stats1.folha.uol.com.br/stats?url=http%3A//www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/154831-destruir-o-cinema.shtml&ref=http%3A//www1.folha.uol.com.br/fsp/&rand=3651057560" /></div>
</div>
Uma certa idade...http://www.blogger.com/profile/02710853390133423414noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515985493414890174.post-66855608185369734792014-02-09T17:15:00.001-02:002014-02-09T17:15:38.639-02:00'Philomena'<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiPhsXP7y7dXBzDVQoP29sFRP_SJz0ZrNGAXJXh0apoyOh7rOyTxg2bi1mmgeWGw3n3ZJ_6w-0r_KsLTzZZ_Lgcv6dcCnNihFjVqudybrYmD8vvNPQAW5lbKOJoiUFEHWeaBvL-la6zwv7E/s1600/cena-de-philomena-de-stephen-frears-1389301783065_956x500.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiPhsXP7y7dXBzDVQoP29sFRP_SJz0ZrNGAXJXh0apoyOh7rOyTxg2bi1mmgeWGw3n3ZJ_6w-0r_KsLTzZZ_Lgcv6dcCnNihFjVqudybrYmD8vvNPQAW5lbKOJoiUFEHWeaBvL-la6zwv7E/s1600/cena-de-philomena-de-stephen-frears-1389301783065_956x500.jpg" height="208" width="400" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #0b5394; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="color: #0b5394; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
"Philomena" começa com a imagem de um jornalista político, Martin Sixsmith (Steve Coogan), em depressão após perder seu emprego no governo britânico. Em seguida é que entra Philomena (Judi Dench), senhora que, em sua juventude, na Irlanda, vivia num orfanato. Após uma gravidez inesperada, foi forçada pelas freiras a entregar seu filho de um ano a adoção.</div>
<div style="color: #0b5394; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
No dia em que o filho completaria 50 anos, Philomena tem em mãos a foto do menino que uma jovem freira lhe entregou em sigilo. É sua única prova da existência do menino. Sua angústia se manifesta com força nesse dia: quem seria hoje o menino, onde estaria, como se saiu na vida, será que algum dia ele pensou na mãe, ou chegou a lembrar-se dela?</div>
<div style="color: #0b5394; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Daí começa a busca, na qual Martin se envolve por pura falta de opção. Ele despreza esse tipo de "matéria de interesse humano", mas é um profissional e vai se empenhar na busca.</div>
<div style="color: #0b5394; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Além de profissional, na verdade, Martin não é um grande fã do catolicismo: é ateu declarado e não compreende como Philomena pode ainda ser tão fiel à sua fé, depois da atrocidade que lhe fizeram as freiras.</div>
<div style="color: #0b5394; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
A partir daí a história se bifurca. Temos, por um lado, o drama (o melodrama, na verdade) de Philomena: a dor de não saber nada sobre próprio o filho, a dura luta para conseguir alguma informação só a partir da foto que, milagrosamente, ainda tem consigo.</div>
<div style="color: #0b5394; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
O segundo drama diz respeito à Igreja Católica, seus usos, costumes, certas crenças, seu apego à negação da sexualidade. Esse é o aspecto da história que mais parece interessar a Stephen Frears. A primeira parte da ação (a doação, na verdade venda de crianças) ocorre em 1957, pré-Concílio Vaticano 2º. E a segunda parte, em 2009, ainda no período de ortodoxia antissexualidade que marcou os pontificados de João Paulo 2º e Bento 16.</div>
<div style="color: #0b5394; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Esse aspecto intransigente do catolicismo surge com força seja na figura da madre superiora (e a estranha teia que tece envolvendo a perda da castidade e os sofrimentos a que Philomena e outras "pecadoras" estariam condenadas), seja na de Michael, o filho, de cuja homossexualidade tomaremos conhecimento (sabe-se: os últimos papas foram restritivos quanto à sexualidade e ao uso de métodos anticoncepcionais).</div>
<div style="color: #0b5394; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Se do ponto de vista da formulação intelectual esse é o eixo principal do filme, é a busca do filho perdido e o que a cerca que se mostra não raro comovente, não só pelas razões óbvias, como pela ligação que vai se criar entre essa mulher simplória e esse jornalista sabido, como a lembrar que a verdade não é feita apenas de simplicidade, mas também não só de sofisticação. Nem só de coração e nem só de intelecto.</div>
<div style="color: #0b5394; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Diga-se a bem da verdade, Frears se desincumbe melhor da parte do coração. A do intelecto (a crítica à igreja) sucumbe pela frágil demonização de um ou outro personagem.</div>
<div style="color: #0b5394; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"><b>INÁCIO ARAUJO</b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
Uma certa idade...http://www.blogger.com/profile/02710853390133423414noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515985493414890174.post-32783360707854549552014-02-09T17:06:00.001-02:002014-02-09T17:07:01.245-02:00Dia do Frevo<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg-MMZsCk1iyjYpo65bcUZkpqeZAU7Pc2ksCnptxmspEuhOvDYDn7gmZswcVSX_zCmqKXUpfrBRZkbue2jKqvBllusG68yEmbzdRlu4WgIAb7bPEeQlQ_Y8cGBciuUwUZJq8hwBPUIkuiGR/s1600/dia-do-frevo_.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg-MMZsCk1iyjYpo65bcUZkpqeZAU7Pc2ksCnptxmspEuhOvDYDn7gmZswcVSX_zCmqKXUpfrBRZkbue2jKqvBllusG68yEmbzdRlu4WgIAb7bPEeQlQ_Y8cGBciuUwUZJq8hwBPUIkuiGR/s1600/dia-do-frevo_.jpg" height="267" width="400" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;">"Hoje, dia 9 de fevereiro, em Recife, comemora-se o dia do frevo. Também hoje faz um ano e pouco mais de dois meses que o frevo foi elevado à condição de patrimônio imaterial da humanidade. Ainda hoje, também em Recife, será inaugurado o Paço do Frevo.</span></div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; text-align: justify;">
<span style="font-size: large;">Como se vê, o frevo está em alta. Mas frevo para quê? Por que frevo?</span></div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; text-align: justify;">
<span style="font-size: large;">Foi o escritor Ariano Suassuna quem, indiretamente, apresentou-me a ele. Com seu convite para integrar o Quinteto Armorial, dei início a uma viagem de aprendizado dos cantos, danças e modos de representar presentes em manifestações populares como o reisado, o maracatu, o caboclinho e sobretudo o frevo.</span></div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; text-align: justify;">
<span style="font-size: large;">Com o passar dos anos, esses aprendizados foram se conectando a estudos e reflexões sobre a cultura brasileira em geral e a popular em particular. Esse casamento entre conhecimento empírico e teórico foi conduzindo-me à constatação de que vivemos num país que reluta em aceitar-se integralmente.</span></div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; text-align: justify;">
<span style="font-size: large;">Que outra razão para tal desperdício de insumos culturais tão vastos e de tão imensa riqueza simbólica como o nosso reservatório de ritmos presente em batuques, cortejos e folguedos; de formas e gêneros poéticos --quadrões, décimas, galope à beira-mar; de passos e sincopados armazenados no nosso imaginário corporal popular?</span></div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; text-align: justify;">
<span style="font-size: large;">E o que temos feito com tudo isso? Empurrado para o gueto da chamada cultura folclórica, regional ou popular, falsamente antagonizante daquela que se convencionou denominar de cultura erudita.</span></div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; text-align: justify;">
<span style="font-size: large;">Há quase cem anos que a "entidade" frevo vem despejando no país, especialmente em Recife, volumoso material simbólico. Esse "material" foi se formando dentro daquilo que venho denominando de uma linha de tempo cultural popular brasileira. Essa "entidade" frevo materializou-se por meio de um gênero de música instrumental, o frevo-de-rua, orgânica forma musical onde palhetas e metais dialogam continuamente, ancorados pela regular marcação do surdo e a sacudida movimentação da caixa; uma dança, o passo do frevo, imenso oceano de impulsos gestuais e procedimentos coreográficos; e dois gêneros de música cantada: o frevo-canção e o frevo-de-bloco, cada um com características particulares tanto de natureza poético-literária quanto musical. Um valioso armazém de representações simbólicas.</span></div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; text-align: justify;">
<span style="font-size: large;">Mais do que preservar o frevo, nossa tarefa está em amplificar, dinamizar, trazer para a órbita de nossa cultura contemporânea os valores, procedimentos e conteúdos presentes nessa "instituição" cultural.</span></div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; text-align: justify;">
<span style="font-size: large;">Essa ação amplificadora poderia abranger escolarização musical --por que não se estuda frevos em nossas escolas de música?--; a prática da dança --a riqueza lúdica e criadora proporcionada pelo seu multifacetário estoque de movimentos--; a valorização de modelos de construção e integração social advindos do mundo-frevo etc. Tudo isso ajudaria ao Brasil entender-se melhor consigo mesmo e com o mundo em que vivemos.</span></div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; text-align: justify;">
<span style="font-size: large;">O frevo é uma das representações simbólicas mais bem-acabadas e representativas que o povo brasileiro construiu. Assim como o samba, o choro, o baião, uma entidade transregional cuja imaterialidade poderemos transmudar em matéria viva operante se tivermos a suficiente compreensão do seu significado e alcance sociocultural."</span></div>
<div style="color: #cc0000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"><b>ANTONIO NÓBREGA </b>é multi-instrumentista e dançarino. </span></div>
</div>
Uma certa idade...http://www.blogger.com/profile/02710853390133423414noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515985493414890174.post-74966559842545227422014-02-06T14:58:00.003-02:002014-02-06T16:03:25.857-02:00PERA PALACE - O quarto de Agatha Christie<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiZxyJ9vO3JJHFVhSlnFKiQzJsr6K_vcOAVvo0qdMU0LYBFkFsXWs_she4eS0e6aee0t8YKPbVd50gbgadSZnz6kaUQ6VdwOhJ026bLVN5ZBPVpzwK96O4vEVqY7bpefDKmOVziRXQfSvQQ/s1600/perapalace1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiZxyJ9vO3JJHFVhSlnFKiQzJsr6K_vcOAVvo0qdMU0LYBFkFsXWs_she4eS0e6aee0t8YKPbVd50gbgadSZnz6kaUQ6VdwOhJ026bLVN5ZBPVpzwK96O4vEVqY7bpefDKmOVziRXQfSvQQ/s1600/perapalace1.jpg" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #990000; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<span style="color: #990000; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"></span><br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #990000; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">"O mundo era maior, mais caro, e para os poucos que podiam pagá-lo o Pera Palace foi construído. Um opulento baile de abertura em 1895 celebrou a nova casa dos passageiros do Orient Express que desembarcavam no terminal de Sirkeci, em Constantinopla, saídos da Gare de L'Est, numa Paris a 3.000 quilômetros e 80 horas dali.</span></div>
<span style="color: #990000; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">
</span>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #990000; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Depois dos palácios otomanos, o hotel foi o primeiro endereço da cidade a receber eletricidade e água quente. Também ganhou o primeiro elevador do país, uma extraordinária gaiola de ferro rococó que hoje apenas funciona no passeio guiado oferecido aos hóspedes por um concierge de chapéu após o check-in. Debruçado sobre o Bósforo, sofreu poucas mudanças antes da grande renovação de 2006 que durou quatro anos e lhe retirou apartamentos (eram mais de 150 e hoje são 115), além de deixá-lo com aquele cheiro anódino encontrado em hotéis de cinco estrelas por todo o planeta.</span></div>
<span style="color: #990000; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhc-Jfrwlyjc1_gQp8yxxC-_S9V21dPNSpzClSageC_BGSsu3iH4Y7r4wMp0OzInzKeODyBDnLBHzgkl5lVuOxEWcPnMppXV_NA0sMHh9COkNteiYGs4KxGOenW5zbY3PMXOkYiCIg3DBYC/s1600/pera-palace-hotel-jumeirah-06-hero.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhc-Jfrwlyjc1_gQp8yxxC-_S9V21dPNSpzClSageC_BGSsu3iH4Y7r4wMp0OzInzKeODyBDnLBHzgkl5lVuOxEWcPnMppXV_NA0sMHh9COkNteiYGs4KxGOenW5zbY3PMXOkYiCIg3DBYC/s1600/pera-palace-hotel-jumeirah-06-hero.jpg" height="177" width="400" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O suntuoso hall em mármore com seis cúpulas retráteis que abrem seus vidros turquesa para o vão central do edifício exibe uma mistura de orientalismo, art nouveau e neoclássico. Na virada do século, a salada francófila entre beaux-arts e estilo otomano ainda deveria ser inacreditável ou cafona para alguns olhos, mas hoje tudo é simplesmente "magnífico". É o que repete a guia de um grupo de japoneses que subitamente lota o lobby apontando câmeras fotográficas para o extravagante teto. Eles usam chapéus de pescador, elas, coletes de tweed. Depois, beberão chá --as mulheres num canto, os homens no outro.</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiTpCsdIc5siGpwxlSrXxu1ViUCFUJ9WooNv_ngP9zKxmqFupOY3zRn_E8Yxb-fOjqe4qFlJmsV-9jCzUZ33HFrAGY5n7dX0dqAV6tXyNJku3XStcYkopPGgCmoKo7iZRMn__0UjmuAo_wq/s1600/pera-palace-hotel-jumeirah-orient-bar-hero.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiTpCsdIc5siGpwxlSrXxu1ViUCFUJ9WooNv_ngP9zKxmqFupOY3zRn_E8Yxb-fOjqe4qFlJmsV-9jCzUZ33HFrAGY5n7dX0dqAV6tXyNJku3XStcYkopPGgCmoKo7iZRMn__0UjmuAo_wq/s1600/pera-palace-hotel-jumeirah-orient-bar-hero.jpg" height="158" width="400" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Estou entre eles, tentando escrever e respirar a atmosfera do lugar que já teve entre seus hóspedes conspiradores, escritores, espiões, cineastas, beldades, políticos. Ou gente como Mata Hari, Alfred Hitchcock, Graham Greene, Sarah Bernhardt e Mustafa Kemal Atatürk, o pai-fundador da Turquia moderna, que chegou a morar por lá --seu quarto, o 101, é hoje um museu.</div>
<div style="text-align: justify;">
Outros célebres quartos, no entanto, ainda podem ser reservados. Há o 412 (Greta Garbo) e o 420 (Ernest Hemingway) --este tem dois frigobares, com doses alcoólicas proporcionais a conhecida sede do escritor. O mais emblemático deles é o 411, que a romancista Agatha Christie usou com frequência entre 1926 e 1932. Saía por módicos € 280 (R$ 920) na noite na data da publicação desta coluna. Como reza a lenda que ali ela escreveu "O Assassinato no Expresso do Oriente", grande sucesso de uma escritora que já vendeu 2 bilhões de livros, há quem acredite que o investimento possa valer à pena.</div>
<div style="text-align: justify;">
Desconfio que não. O turismo se apropria de tudo até esvaziar o significado ou a mística de qualquer lugar --e cinco minutos depois da chegada do grupo de japoneses, percebo o ridículo de pretender escrever algo ali, de querer ser o escritor dentro da fotografia (dos turistas do século 21 ou de um álbum de fotos em preto e branco no entreguerras, tanto faz) e me vejo como uma daquelas jovens americanas recém-chegadas a Paris que abre um moleskine num café e abre os olhos e narinas buscando inspiração.</div>
<div style="text-align: justify;">
O que eu encontraria no Pera Palace seria outra coisa. Além do fetiche literário para quem pode pagá-lo, o quarto 411 guarda a chave de um estranho caso relacionado a sua célebre hóspede. Agatha Christie desapareceu por 11 dias em 1926, aos 36 anos, quando já era conhecida em todo o mundo. Até hoje, muitos sustentam que a solução do mistério que ultrapassou a sua morte tenha estado por décadas sob o assoalho daquela suíte. Nos noites em que dormi no hotel, eu teria motivos para acreditar que sim".</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: navy; font-family: 'Times New Roman', verdana, arial; font-size: 18px; font-weight: bold; letter-spacing: 0.30000001192092896px; text-align: start; text-transform: uppercase;"><br /></span></div>
</span><span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;">J.P. CUENCA</span><br />
<div>
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"><br /></span></div>
<div>
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"><a href="https://www.jumeirah.com/en/hotels-resorts/istanbul/pera-palace-hotel-jumeirah/">link para o hotel</a></span><span style="color: #990000; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"></span><br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #990000; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<span style="color: #990000; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">
</span></div>
</div>
Uma certa idade...http://www.blogger.com/profile/02710853390133423414noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515985493414890174.post-82514877734620743572014-02-06T13:45:00.000-02:002014-02-06T13:45:03.103-02:00Rolezinhos<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgobhAHykeY_i5uBlDnJFEcM87Jdr6HJ3LhHQE34cFwSbbyCjC76pxqOsi5B_Nx1PHvQWjtOc8i7j2FqFFq41jwPU-n8AyeeCLxdidgE_qTRe-EIvuXU7zl2RvREC61uDvYC7uj735wT7s1/s1600/bon-marche-quinta.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgobhAHykeY_i5uBlDnJFEcM87Jdr6HJ3LhHQE34cFwSbbyCjC76pxqOsi5B_Nx1PHvQWjtOc8i7j2FqFFq41jwPU-n8AyeeCLxdidgE_qTRe-EIvuXU7zl2RvREC61uDvYC7uj735wT7s1/s1600/bon-marche-quinta.jpg" height="251" width="400" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #38761d; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"></span><br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">"Na Europa da minha juventude, não havia shopping centers - e, se não me engano, isso não mudou. Havia, isso sim, lojas de departamentos: a <i>Rinascente</i> em Milão, <i>Harrods </i>em Londres e, em Paris, o <i>Bazar de l'Hôtel de Ville</i>, a <i>Samaritaine</i>, as <i>Galeries Lafayette</i>, o <i>Bon Marché</i>.</span></div>
<span style="color: #38761d; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">
<div style="text-align: justify;">
As lojas de departamentos são os primeiros grandes templos do consumo, como Zola contou deliciosamente no "<b>Paraíso das Damas</b>". Nelas, pode haver um café/restaurante no último andar, mas não há uma área de alimentação, nem cinemas, nem teatros: são lugares funcionais --para comprar, não para passear. Ninguém, em Milão, teria a ideia de dar um rolê na <i>Rinascente</i>. O rolê seria no Corso Vittorio Emanuele, fora da loja.</div>
<div style="text-align: justify;">
Em Manhattan também há lojas de departamentos (<i>Saks, Lord and Taylor, Bergdorf, Barneys, Bloomingdale's, Macy's</i> etc.), mas não são lugares para rolê - eventualmente, para expedições quase militares em dia de liquidações anuais. O único shopping center de Manhattan é o Manhattan Mall, do qual, aliás, os nova-iorquinos tendem a fugir.</div>
<div style="text-align: justify;">
Nas áreas suburbanas e rurais dos EUA, os shopping centers se parecem com os do Brasil. Mesmo assim, foi no Brasil que eu aprendi que dar rolês em shopping é um programa. Passeamos pelos shoppings, e não é para comprar nem para lamber vitrines. Por quê, então?</div>
<div style="text-align: justify;">
Uma amiga me diz que ela passeia pelos shoppings para ter a impressão de estar fora do Brasil, ou seja, num espaço público que não seja ansiógeno e violento. Claro, é uma ilusão fugaz; basta olhar para as vitrines para constatar que tudo é brutalmente mais caro do que no exterior --pelos impostos, pela produtividade medíocre ou pela corrupção endêmica, tanto faz. Mesmo assim, insiste minha amiga, a ilusão de civilidade é um alívio.</div>
<div style="text-align: justify;">
Hoje, à brutalidade de impostos, corrupção e mediocridade produtiva acrescentam-se os "rolezinhos" dos jovens da periferia. O que eles querem, afinal?</div>
<div style="text-align: justify;">
Talvez eles gostem de apavorar. Não seria de se estranhar. É um axioma: para quem vive na incerteza (de seu status, do reconhecimento dos outros, de seu lugar no mundo), apavorar é um jeito de encontrar no medo dos outros uma confirmação de sua própria relevância. Apavoro, logo existo: espelho-me na preocupação dos seguranças e na cara fechada dos clientes que voltam correndo para o estacionamento.</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas apavorar é um efeito colateral. Os jovens dos "rolezinhos" pedem sobretudo uma bola branca: a admissão ao clube. A prova, a roupa que eles preferem e que grita para ser reconhecida como luxo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Tudo bem, alguém perguntará, eles pedem acesso a quê? À classe privilegiada? Ao consumo de quem tem grana?</div>
<div style="text-align: justify;">
Não acredito em nada disso, aposto que eles pedem acesso ao próprio lugar para o qual eles vão: eles pedem acesso ao shopping. O que esse lugar tem de mágico? De desejável? Qual é seu valor simbólico?</div>
<div style="text-align: justify;">
Na nossa cultura (justamente pela quase inexistência de espaços públicos minimamente frequentáveis, ou seja, pelo horror que a rua é para todos, ricos e pobres), os shoppings integram a lista histórica dos refúgios.</div>
<div style="text-align: justify;">
Ao longo da história, nem todos os refúgios foram democráticos. Na época de minha adolescência, discutia-se para saber quem ganharia um lugar no refúgio antiatômico (os critérios eram variados, mas, por exemplo, a idade avançada não era um ponto a favor). Mais tarde se discutia para saber quem subiria na única nave espacial que levaria um grupo seleto para outro planeta, visto que a morte da Terra ou do Sol era próxima e inelutável --apreciem minha coragem: para as duas seleções, escolher ciências exatas seria uma vantagem considerável.</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas, antes disso tudo, houve uma época em que os refúgios eram abertos. Por exemplo, as igrejas em épocas de pestilência ou de invasão por exércitos saqueadores: todos podiam entrar. Duvido que eles acreditassem numa intervenção milagrosa que salvasse a todos, mas a própria civilidade do ato de rezar em comum era provavelmente um gesto de resistência contra a barbárie, que reinava lá fora.</div>
<div style="text-align: justify;">
Agora, o primeiro refúgio da história foi elitista: na Arca de Noé, era só um casal por espécie, e uma família de humanos, a do próprio Noé.</div>
<div style="text-align: justify;">
Falando nisso, como é que funcionou a Arca de Noé? Os lobos, as hienas, os chacais etc. declararam trégua e comeram só sucrilhos durante o tempo das águas ou então, irresistivelmente, eles comiam um cordeiro ou um bezerro de vez em quando?"</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</span><br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small; letter-spacing: 0.30000001192092896px; text-transform: uppercase;"><b>CONTARDO CALLIGARIS</b></span></div>
</div>
Uma certa idade...http://www.blogger.com/profile/02710853390133423414noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515985493414890174.post-46823178158285343002014-02-05T14:28:00.001-02:002014-02-05T14:28:44.463-02:00Henfil 70 Anos<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<br />
<div style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em; text-align: justify;">
<img alt="O cartunista Henrique de Souza Filho, o Henfil - Divulgação" src="http://www.estadao.com.br/fotos/henfil1.jpg" /></div>
<br />
<span style="color: #0b5394; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Se estivesse vivo, Henrique de Souza Filho faria 70 anos hoje. Quem? Henfil, ora! Quem não o conheceu em sua época? Afinal, seu traço rápido e cheio de movimento deu origem a personagens que entraram para o imaginário brasileiro nos anos 70 em especial: a Graúna, o bode Francisco Orellana, o cangaceiro Zeferino, os Fradinhos. Henfil foi superconhecido de uma geração que ficava esperando, com água na boca, seus novos cartuns.</div>
<div style="text-align: justify;">
Com seus personagens, Henfil brincava com os estereótipos. Graúna, o Cangaceiro e o bode, por exemplo, apareciam sempre em trio. O cangaceiro Zeferino era um clichê do nordestino machista e violento. Graúna era analfabeta, mas de inteligência viva. Ela poderia encarnar aquilo que Ariano Suassuna definiu em seu Auto da Compadecida: “a esperteza é a coragem do pobre”. O bode Orellana ironizava o intelectual livresco (a comida preferida do bode eram os livros), com muita cultura, porém com profunda ignorância das condições reais em que vivia o povo e como ele pensava.</div>
<div style="text-align: justify;">
Com essa trinca, Henfil comentava a situação do País, que vivia sob uma férrea ditadura. No caso, captava a situação do interior nordestino, a caatinga, a indústria da seca, o coronelismo e o mandonismo da região, com seus próceres sempre alinhados com o governo. Afinal, lucravam muito à custa da miséria alheia. Continuam lucrando, aliás.</div>
<div style="text-align: justify;">
O traço rápido e irreverente de Henfil era sua forma de pensar um Brasil cuja luz no fim do túnel podia ser a de um trem vindo em direção contrária, como dizia outro mestre do humor, Millôr. Corajoso e ácido, fustigava a ditadura através das brechas deixadas pela censura, mas não poupava quem a combatia de forma romântica e idealizada. Daí a implicância com a oposição livresca, que caracterizou no bode Orellana, com seu apetite por celulose e o chapeuzinho coco na cabeça.</div>
<div style="text-align: justify;">
O medo generalizado de viver sob um regime autoritário era expresso através de outro dos seus personagens, Ubaldo, o Paranoico, que, como o nome diz, tinha medo de tudo, até do que não precisava ter. Mas, como lembrava seu autor, mesmo os paranoicos às vezes têm seus perseguidores reais. O medo existia e, embora paralisante, tinha raízes no mundo real, na sociedade que não oferecia garantias individuais contra a prepotência, em especial depois da decretação do Ato Institucional n.º 5 em dezembro de 1968.</div>
<div style="text-align: justify;">
Essas frestas da ditadura, Henfil ocupava alegremente, por assim dizer. São antológicos alguns dos seus desenhos no Pasquim, o famoso “hebdô”, que marcou a renovação da linguagem jornalística do País. O Pasca tirou a gravata do texto e do desenho com um time brilhante e afiado: Millôr, Ziraldo, Jaguar, Paulo Francis, Ivan Lessa, Sérgio Augusto e, claro, Henfil. O espírito da coisa era oralidade nos textos, desenvoltura nos desenhos e senso crítico sem complacência. Era o lugar ideal para cada um, e, em especial, para o mineirinho Henfil, que chegou ao Rio para bagunçar o coreto.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Alguns dos seus desenhos no Pasquim são antológicos. Criou uma série que era dinamite pura, intitulada O Sobrevivente. Tinha desenhos como um assaltante esfaqueando uma velhinha para roubar-lhe a bolsa, um empresário da construção civil dirigindo-se a um operário caído do andaime, um urubu comendo o fígado de um condenado, um avião americano lançando bombas sobre vietnamitas. A fala dos protagonistas de cada cartum era sempre a mesma: “Tenho de sobreviver, entende?”. No caos gerado pela ditadura, sobrevivência era a palavra de ordem. E os patifes a invocavam para justificar seus atos.</div>
<div style="text-align: justify;">
Não poupava ninguém. Criou, também no Pasquim, um “cemitério dos mortos-vivos”, aCasa do Caboco Mamadô, no qual enterrava os dedos-duros. Gente do meio artístico que supostamente teria se passado para o lado da ditadura e denunciado colegas. Na época, havia uma definição muito clara entre o “lado bom” e o outro, que ficava a favor de um governo ilegítimo, que perseguia, prendia, torturava e matava. Esse, digamos assim, maniqueísmo, tinha sua justificativa histórica numa época em que a maior parte da sociedade civil vivia farta da ditadura e ansiava pela volta da democracia.</div>
<div style="text-align: justify;">
Se os militares eram os vilões no campo interno, os Estados Unidos eram o alvo, no externo. Henfil, como toda a esquerda, via com péssimos olhos o intervencionismo americano em vários países do mundo, e exultou quando o Vietnã venceu a guerra. A mais improvável das vitórias, um povo corajoso de um país minúsculo botando para fora do seu território a maior potência do mundo. Henfil saúda o fato com um desenho em que Henry Kissinger conversa com um vietcongue e lhe diz: “Vamos sair, mas é uma retirada honrosa, viu? Não precisa empurrar!”. Enquanto fala, o exército americano bate em retirada, com o rabo entre as pernas.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Esse era o espírito da época. Mas Henfil também gozava a própria formação religiosa, travada e autoritária, que trazia como herança de Minas Gerais. Daí a dupla de frades, um o oposto do outro. Um baixinho, outro comprido. Um sádico e safado, o outro querendo dar uma de santarrão. Por isso, o frade Cumprido era sempre vítima do Baixim. O Cumprido diz que devemos amar a todos como irmãos. O baixinho reaparece com um mendigo sujo e malcheiroso e dá a ordem: “Abraça o irmão!”. Os Fradinhos tinham de ser dois. O alto representava as boas maneiras e os bons princípios, um verniz de civilidade que não aguentava grandes contrariedades da vida real. Já o baixinho era o instinto puro. Sádico, sensual e debochado. A tal ponto que, ao vê-lo feliz, o Cumprido já imagina com medo o que ele teria aprontado: “Internei a minha mãe no pronto-socorro público”.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Enfim, a crítica, sempre ligada nos problemas do País. Fossem os problemas macro, como a ditadura e a economia voltada para as classes ricas, ou suas consequências, como o mau atendimento nos hospitais, a carestia ou o desemprego, Henfil estava sempre de olho. Foi desses artistas ligados em seu tempo e com aguda consciência política do seu trabalho. É dele o slogan Diretas-Já para a campanha para as eleições presidenciais pelo voto popular em 1984. Como se sabe, a emenda das diretas não passou e o primeiro presidente civil após o golpe, Tancredo Neves, foi eleito pelo Colégio Eleitoral. Henfil morreria de aids em 1988, aos 43 anos, contaminado por uma das inúmeras transfusões de sangue tomadas para combater a hemofilia.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
De que lado estaria hoje? Difícil dizer e nunca é prudente falar em nome dos mortos. Mas por certo estaria espicaçando algum poderoso.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<img src="http://www.estadao.com.br/fotos/henfilcartoon2.jpg" /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
‘Fradim’ de volta às prateleiras </div>
<div style="text-align: justify;">
Uma parceria entre a ONG Henfil e o Instituto Henfil está viabilizando a reedição das 31 revistas Fradim, publicadas por Henfil entre os anos de 1971 e 1980. Os primeiros títulos ficaram prontos em setembro, e mais de uma dezena deles está à venda exclusivamente pela internet (no site <a href="http://www.lojavirtual.cursinhohenfil.org.br/">www.lojavirtual.cursinhohenfil.org.br</a>). A coleção deve estar completa até o fim do semestre. Um apanhado geral da material, que resgata os personagens clássicos de Henfil, pode ser conferido em Número Zero, uma edição especial feita para marcar o projeto de reedição.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</span><span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"><b>Luiz Zanin Oricchio</b></span></div>
Uma certa idade...http://www.blogger.com/profile/02710853390133423414noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515985493414890174.post-70910053774024691492014-02-04T21:17:00.002-02:002014-02-04T21:17:27.918-02:00Igualdade no Panthéon<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #351c75; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg-_ZHyf2GIi9yFwFefMkw2_ItYx4Xd6KjomDk8YiHiAT-vuwORkn850FsdzlxBgEIQFIQ5rlAgY07QVLfNuUJrmLMLJ7Qvw50EU_JURD6dSlvBs1bHRUd0-uzBGbDhqv3vWvQ0Yk6ztzNv/s1600/Le_PANTHEON_(3751980864).jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg-_ZHyf2GIi9yFwFefMkw2_ItYx4Xd6KjomDk8YiHiAT-vuwORkn850FsdzlxBgEIQFIQ5rlAgY07QVLfNuUJrmLMLJ7Qvw50EU_JURD6dSlvBs1bHRUd0-uzBGbDhqv3vWvQ0Yk6ztzNv/s1600/Le_PANTHEON_(3751980864).jpg" height="267" width="400" /></a></div>
<div style="color: #351c75; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #351c75; text-align: justify;">
"<b>Aos grandes homens a pátria agradecida</b>", diz o lema sobre a entrada do Panthéon, o monumento francês a algumas das figuras mais importantes do país. E isso suscita uma pergunta: e as "grandes mulheres"?</div>
<div style="color: #351c75; text-align: justify;">
Embora os tempos tenham mudado desde que o Panthéon foi concluído, em 1790, a escolha das pessoas que devem ser sepultadas aqui, assim como o lema, não reflete essas mudanças.</div>
<div style="color: #351c75; text-align: justify;">
De acordo com a tradição, cada presidente francês tem a honra de transferir uma figura notável falecida para a estrutura, ao lado de Voltaire e Rousseau (que se detestavam), Victor Hugo e Marie Curie, a única mulher entre as 73 pessoas sepultadas no local a estar ali por mérito próprio (a outra mulher no Panthéon foi incluída por insistência de seu marido). Assim, quando o presidente François Hollande pediu ao público sugestões sobre quem incluir, não surpreendeu que o debate tivesse rapidamente se voltado à questão de corrigir o desequilíbrio de gênero.</div>
<div style="color: #351c75; text-align: justify;">
A equipe do presidente e Philippe Bélaval, diretor do Centro de Monumentos Nacionais, foram inundados de recomendações com nomes de mulheres importantes para serem sepultadas no Panthéon.</div>
<div style="color: #351c75; text-align: justify;">
Grupos formados por organizações feministas no Facebook atraíram milhares de votos em favor de mulheres. E, quando a revista "<i>Le Point</i>" fez uma pesquisa com 5.000 pessoas, duas mulheres receberam o maior número de votos: a anarquista e professora Louise Michel, que viveu no século 19, e irmã Emanuelle, freira que passou a maior parte da vida na Turquia e no Egito, entre os pobres, e tinha posição liberal quanto ao uso de anticoncepcionais.</div>
<div style="color: #351c75; text-align: justify;">
No ano passado, manifestantes diante do <i><b>Panthéon</b></i> ergueram retratos de Olympe de Gouges, ativista dos direitos das mulheres e adversária da escravidão, que era legal nas colônias francesas na época em que ela viveu.</div>
<div style="color: #351c75; text-align: justify;">
Outra candidata potencial é Simone de Beauvoir, intelectual e teórica política. Muitos na França a consideram tão importante quanto seu amigo e eventual companheiro Jean-Paul Sartre, segundo Gwladys Bernard, da organização feminista <i>La Barbe</i>.</div>
<div style="color: #351c75; text-align: justify;">
Mulheres que foram ativas na resistência francesa ao nazismo são citadas com frequência. É o caso de Germaine Tillion, intelectual e etnógrafa que foi enviada ao campo de concentração de Ravensbrück, e de Lucie Aubrac, cujas tramas ousadas para salvar seu marido judeu e outros prisioneiros dão uma leitura fascinante.</div>
<div style="color: #351c75; text-align: justify;">
Uma decisão deve ser anunciada em fevereiro.</div>
<div style="color: #351c75; text-align: justify;">
As mulheres conquistaram o direito ao voto na França apenas em 1944, quase 40 anos depois da Finlândia e 25 anos depois da Alemanha e do Reino Unido. E, diferentemente do Reino Unido, da Alemanha e da Dinamarca, a França ainda não elegeu uma líder mulher.</div>
<div style="color: #351c75; text-align: justify;">
Completado no início da Revolução Francesa, o <b><i>Panthéon</i></b> já foi visto por muitos como uma estrutura divisionista. Para muitos que eram a favor do velho regime ou de aspectos dele, o monumento teria sido dedicado à esquerda política.</div>
<div style="color: #351c75; text-align: justify;">
A historiadora Mona Ozouf disse que a inclusão de mulheres pode ajudar a reforçar o status do Panthéon como monumento nacional, não apenas político. Para ela, as pessoas sepultadas ali devem ser vistas como fonte de inspiração para os cidadãos franceses.</div>
<div style="color: #351c75; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue;"><b>ALISSA J. RUBIN </b></span></div>
</span><div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
Uma certa idade...http://www.blogger.com/profile/02710853390133423414noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515985493414890174.post-48254397755008432242014-01-31T18:55:00.001-02:002014-01-31T18:55:15.066-02:00A Vênus das Peles<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div>
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg9KYN1H_nkvoOB-p6Zg3RMji3FF9jprno0L1Ipu1X3A-DocL1kIdX2d984QAdmc9pVmh-PjRZdIa-Erxi8PYVZNUvC3YNzA7cSsHCrmZWjuIaYpUvZQ8iHGxOLk0QzWAAsRxNddSmX9eo7/s1600/venusvison.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg9KYN1H_nkvoOB-p6Zg3RMji3FF9jprno0L1Ipu1X3A-DocL1kIdX2d984QAdmc9pVmh-PjRZdIa-Erxi8PYVZNUvC3YNzA7cSsHCrmZWjuIaYpUvZQ8iHGxOLk0QzWAAsRxNddSmX9eo7/s1600/venusvison.jpg" height="400" width="270" /></a></div>
<div>
<br /></div>
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;"><div style="color: #cc0000; text-align: justify;">
Vénus de Vison é o retrato mordaz de um autor atraiçoado pela própria criação.</div>
<div style="color: #cc0000; text-align: justify;">
....</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #cc0000;">"Para além das excelentes personagens, a longa-metragem de Polanski destaca-se igualmente pelos pequenos pormenores como os objectos invisíveis que se revelam através dos sons, genialmente presentes. Sabemos onde está a chávena, o pires ou a colher mesmo sem os ver. Ao mesmo tempo, tecnicamente, o realizador movimenta-se como ninguém num único espaço, coloca-nos muitas vezes na pele de Vanda - o início e final do filme são os exemplos mais flagrantes e que aguçam o carácter quase imaginário da personagem -, a fotografia de Pawel Edelman joga com luz e sombra tão perfeitamente como Vanda sabe iluminar o palco do teatro perante o olhar incrédulo de Thomas. A acompanhar toda a atmosfera teatral e dominadora - até do espectador - está a delicada e muito adequada banda sonora de Alexandre Desplat". (</span><a href="http://hojeviviumfilme.blogspot.com.br/2013/11/critica-venus-de-vison-la-venus-la.html"><span style="color: blue;"><b>AQUI</b></span></a><span style="color: #cc0000;">)</span></div>
</span><div style="text-align: justify;">
<a href="http://cultura.elpais.com/cultura/2014/01/30/actualidad/1391104485_938514.html">Critica </a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjZW32EfDNng2y5kcnNGzT8SMQnZG2uzhIQGB0JxYK2vsk6HfvgLMis8IHdoWuyXbJUJ9ynWKBKoTEUbL3tNbI_96-Q0n5TvuqW7YUDnZjDgJfG7Mv_LfGFDYPm0H-0eVudRdHBjo9MCIrt/s1600/pevenus.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjZW32EfDNng2y5kcnNGzT8SMQnZG2uzhIQGB0JxYK2vsk6HfvgLMis8IHdoWuyXbJUJ9ynWKBKoTEUbL3tNbI_96-Q0n5TvuqW7YUDnZjDgJfG7Mv_LfGFDYPm0H-0eVudRdHBjo9MCIrt/s1600/pevenus.jpg" height="265" width="400" /></a></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiwkvAHyeDKtW5dCAHy5Qwu32aiVQ8SVwXApUyzI9ikouRg3xtype6M9KCEQwwS0zij0ocNvf-vweWAemKO7ownNCEq9gD8vj4up5bEKHPYz16Hwiu37Gjj9Rxd4f7j97PTXMQ3zgD4LAIr/s1600/pevenuSSSSS.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiwkvAHyeDKtW5dCAHy5Qwu32aiVQ8SVwXApUyzI9ikouRg3xtype6M9KCEQwwS0zij0ocNvf-vweWAemKO7ownNCEq9gD8vj4up5bEKHPYz16Hwiu37Gjj9Rxd4f7j97PTXMQ3zgD4LAIr/s1600/pevenuSSSSS.jpg" height="262" width="400" /></a></div>
<div>
<br /></div>
<div>
<br /></div>
<div>
<br /></div>
<span style="color: #cc0000; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><div style="text-align: justify;">
"LEOPOLD VON SACHER-MASOCH nasceu em 1836 na cidade de Lemberg,situada na Galícia, província ao sul da Polônia que, desde 1772, estava incorporada ao Império Austro-Húngaro. Hoje sua terra natal fica em território ucraniano. Entretanto,definia-se a si mesmo como alemão, invocando sua identidade com a língua germânica, ria qual pensava e "sentia". Tal identidade não impediu que sua verdadeira terra, a Galícia e os legendários Cárpatos, fossem o cenário de seus primeiros escritos, que ainda guardavam um caráter regionalista. Filho de família aristocrática, aprendeu empequeno o francês, língua em que se alfabetizou juntamente com o alemão, para enfimestudar filosofia e ciências. Desde cedo alimentou o sonho de se tornar um escritorimportante e reconhecido. Para tanto, elaborou o projeto de publicação de um conjuntode livros que se chamaria O legado de Caim, no qual retrataria aspectos da condição humana. Esse tema era, de fato, o que mais o instigava, e que viria a ser o motor de suaprodução literária. Tanto que o presente romance, <b>A Vênus das peles,</b> foi a obra que o imortalizou, exatamente por abordar, de modo direto e corajoso, em um aspecto tão misterioso e intrigante da alma humana que é o prazer sensual que se pode extrair do sofrimento.</div>
<div style="text-align: justify;">
0 <i><b>masoquismo</b></i>, como ficou conhecida essa tendência, é algo que desafia toda lógica utilitarista ou biológica, oferecendo-se como um dos enigmas mais formidáveis dos aspectos trágico e simbólico da condição humana.A curiosa história de Severin, que se faz escravizar por Wanda, contém os mais diversos ingredientes da paixão encerrada pelo sofrimento físico e moral. Descerra, de maneira explícita e detalhada, o universo das fantasias poderosas que nutrem a paixão e regem aquela excitação que se condiciona aos sofrimentos físico e moral.</div>
<div style="text-align: justify;">
Deixar-se amarrar e ser chicoteado pela amante corresponde ao primeiro; obedecê-la cegamente, deixar-se humilhar por ela, entregar-se-lhe como posse e, requinte da fantasia, assisti-la entregar-se a outro amante, corresponde ao segundo. Mais do que retirar o véu que costuma cobrir as fantasias mais estranhas e secretas, o texto de Masoch põe em marcha as ações necessárias a sua consubstanciação, ali condensadas no instituto emblemático do contrato.</div>
<div style="text-align: justify;">
Antes da publicação de <b>A Vênus das peles</b>,</div>
<div style="text-align: justify;">
Sacher-Masoch já era um escritor conhecido por diversas obras, entre as quais se destacava o livro</div>
<div style="text-align: justify;">
Conto galiciano,de 1858. Mas sua consagração como escritor maior viria com a publicação de romances que, embora pudessem ser vistos como obras sentimentais por olhos ingênuos ou desavisados, não tardaram a ser identificados como portadores de um plus de erotismo que transcendia os romances tradicionais. A partir daí, ele passou a ser visto primordialmente como um escritor maldito.Entretanto, por uma ironia, a fama que auferiu na qualidade de escritor seria sobrepujada por aquela que adveio da utilização de seu próprio nome na invenção da palavra <b>masoquismo.</b></div>
<div style="text-align: justify;">
Justa ou injustamente, Masoch passou a ser mais conhecido conhecido como aquele escritor que emprestou seu nome a este termo do vocabulário psiquiátrico do que pela sua própria obra. Vamos aos fatos".</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</span><span style="color: blue;"><b>Flávio Carvalho Ferraz (</b></span> <span style="color: blue;">Introdução</span>) <span style="color: blue;"> Link para a <a href="http://pt.scribd.com/doc/52105495/SACHER-MASOCH-A-Venus-das-peles"><b>continuação</b></a></span></div>
Uma certa idade...http://www.blogger.com/profile/02710853390133423414noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515985493414890174.post-21125849869537664882014-01-25T16:43:00.000-02:002014-01-25T16:43:04.386-02:00Meus encontros com Kafka<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi3abm6cLovlxpmrL8kt5-HFtYEcYHj_d3JmsyYqjZvlL_2IIgapKzWZGFm_6L_SZLUaYnrKKE3cLPfolPBhGlbfXkS8X298ifHTPG3msr_kQwrqsHEbmwgHmkgfQYyhW_1bqgu1CSXmahT/s1600/Kafka-620x400.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi3abm6cLovlxpmrL8kt5-HFtYEcYHj_d3JmsyYqjZvlL_2IIgapKzWZGFm_6L_SZLUaYnrKKE3cLPfolPBhGlbfXkS8X298ifHTPG3msr_kQwrqsHEbmwgHmkgfQYyhW_1bqgu1CSXmahT/s1600/Kafka-620x400.jpg" height="257" width="400" /></a></div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
<br /></div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
“Kauka.”<br style="box-sizing: border-box;" />“Como é o nome?”<br style="box-sizing: border-box;" />“KAUKA!”<br style="box-sizing: border-box;" />“Muito prazer.”</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Esse diálogo, que certamente não é dos mais espirituosos, foi meu primeiro encontro com Franz Kafka. Ao ser apresentado a ele, não entendi o nome. Entendi Kauka em vez de Kafka. Foi um equívoco.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Hoje, o “Kauka” daquele distante ano de 1921 é um dos escritores mais lidos, mais estudados e — infelizmente — mais imitados do mundo. Mas só Deus sabe quantos são os equívocos que formam essa glória. O romancista de “O Processo” é, para alguns, o satírico que zombou da burocracia austríaca; e para outros o profeta das contradições e do fim apocalíptico da sociedade burguesa; e para mais outros o porta-voz da angústia religiosa desta época; e para mais outros o inapelável juiz da fraqueza moral do gênero humano e do nosso tempo; e para mais outros um exemplo interessante do Complexo de Édipo, etc., etc., etc. Tudo, em torno de Kafka, é equívoco. Equívoco também foi aquele meu primeiro encontro com “Kauka”.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Foi em 1921, em Berlim. Embora só contando os anos do século, eu já tinha passado por duras experiências de guerra e revolução. Estudante universitário, agora, que sonhava com uma carreira literária. Berlim, naqueles anos do primeiro pós-guerra, foi um centro de vanguardas: expressionismo, dadaísmo, os primeiros pintores abstracionistas, simpatizantes do comunismo e fundadores de seitas religiosas e vegetarianas, uma boêmia na qual os jovens austríacos desempenhavam papel grande e barulhento — e alguns grandes escritores de verdade: Döblin, Arnold Zweig, Werfel. No Café Românico, centro da boêmia, esses homens feitos ocupavam mesas especiais, de que ninguém ousava aproximar-se sem ser especialmente convidado; o que não aconteceu nunca. Olhávamos para lá com inveja, escutando para apanhar, talvez, um pedaço de conversa. Rara foi a oportunidade de um convite para as tardes de domingo, no apartamento de um ou outro daqueles escritores, no bairro boêmio, mas elegante, do Bayrischer Platz, hoje um montão de ruínas. E numa dessas tardes cheguei a conhecer pessoalmente Franz Kafka.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Conheci poucos entre os presentes. Fui sumariamente apresentado. Sentindo-me um pouco perdido no meio dessa gente toda, não tendo a coragem de aproximar-me do centro da reunião, da grande e belíssima atriz D. F. — que tinha fama de Messalina — retirei-me para um canto já ocupado por um rapaz franzino, magro, pálido, taciturno. Eu não podia saber que a tuberculose da laringe, que o mataria três anos mais tarde, já lhe tinha embargado a voz. E então se desenrolou “aquele” diálogo:</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
“Kauka.”<br style="box-sizing: border-box;" />“Como é o nome?”<br style="box-sizing: border-box;" />“KAUKA!”<br style="box-sizing: border-box;" />“Muito prazer.”</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Foi este o começo e o fim do meu primeiro encontro com Franz Kafka. Ao sair do apartamento, perguntei a meu amigo e introdutor: “Quem é aquele rapaz magro com a voz rouca?” Respondeu: “É de Praga. Publicou uns contos que ninguém entende. Não tem importância”.</div>
<h2 style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 2rem; font-weight: inherit; line-height: 1.2; margin: 0px 0px 2rem; outline: 0px; padding: 0px; text-align: center; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: inherit; font-size: 20px; font-style: inherit; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">2</strong></h2>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
<img alt=" Franz Kafka" class="alignleft size-full wp-image-571" height="462" src="http://www.revistabula.com/wp/wp-content/uploads/2013/07/franz-kafka.jpg" style="-webkit-box-shadow: rgba(0, 0, 0, 0.2) 0px 0px 2px; border: 1px solid rgba(0, 0, 0, 0.14902); box-shadow: rgba(0, 0, 0, 0.2) 0px 0px 2px; box-sizing: border-box; display: inline; float: left; font-family: inherit; font-style: inherit; font-weight: inherit; height: auto !important; margin: 0.5rem 2rem 0.5rem 0px; max-width: 100%; outline: 0px; padding: 5px; vertical-align: baseline;" width="320" /></div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Meu segundo encontro com Franz Kafka, talvez cinco anos mais tarde, foi outra vez em Berlim, no escritório de uma casa editora. Antes de ir para a Itália, onde continuei os estudos universitários, tinha feito alguns trabalhos para aquela editora, chamada Die Brücke (A Ponte), mas nunca consegui receber dinheiro. Voltando para Berlim, em 1926, ouvi que a casa acabava de entrar em falência. Fui para lá. O diretor me deixou esperar na antessala, mais de meia hora. Num cantinho vi um montão de livros, todos iguais. Tirei um exemplar, abri: “O Processo”, romance de Franz Kafka. Distraído, comecei a ler sem prestar muita atenção, quando o ex-diretor da ex-Brücke me bateu nas costas.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
“Pagar não posso, querido”, dizia o homem, “mas se você quiser, pode levar, em vez de pagamento, esse exemplar e, se quiser, a tiragem toda. O Max Brod, que teima em considerar gênio um amigo dele, já falecido, me forçou a editar esse romance danado. Estamos falidos. Nem vendi três exemplares. Se você quiser pode levar a tiragem toda. Não vale nada”.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Fiquei triste. Tinha esperado um pagamento de 130 marcos, e o homem me quer dar seu encalhe. Agradeci vivamente, e com certa amargura. Mas levei comigo aquele exemplar que já tinha aberto.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Foi a maior burrice de minha vida inteira. Toda aquela tiragem foi vendida como papel velho e inutilizada. Um exemplar da 1ª edição de “O Processo” é hoje uma raridade para bibliófilos. Nos Estados Unidos paga-se mil dólares por um livro desses, ou mais. Se eu tivesse aceito o presente, seria hoje milionário… Aliás, fugindo da fúria nazista, em Viena, março de 1938, perdi minha biblioteca inteira, que foi depois confiscada e dispersada. Mas cheguei, mais tarde, a receber na Bélgica um grupo de volumes que tinha, pouco antes do desastre, emprestado ao cônsul geral dos Estados Unidos em Viena e que este fez questão de devolver ao legítimo dono. Um desses livros foi aquele exemplar da 1ª edição de “O Processo” que, desse modo, fica até hoje comigo. E não me pretendo separar jamais do livro, pois foi meu segundo encontro com Kafka.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Li mesmo, naqueles dias distantes de 1926, “O Processo”; a história de um homem, de vida normalíssima, que é, certo dia, preso por esbirros de um tribunal desconhecido, interrogado em porões sinistros, denunciado por ter cometido crime do qual ignora a natureza, instruído numa catedral escura e vazia que “a culpa sempre está acima de todas as dúvidas”, condenado e executado. Li, sem compreender o alcance e significação do relato. Mas impressionou-me fundo o ambiente do romance, as ruas estreitas, as casas decaídas e sinistras, a catedral escura e vazia, a irrupção do incompreensível e irracional em nossa vida de rotina. O romance deu-me a impressão do déjà vu: quando nos encontramos, no sonho, numa paisagem onde nunca estivemos e que, no entanto, nos é estranhamente familiar, como se já a tivéssemos visto. Um pesadelo.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Deu-me a mesma impressão no segundo romance, “O Castelo”, que saiu naqueles dias, levando à beira da falência mais outra editora. A história de um homem que pretende fixar residência numa cidade tiranicamente dominada pelos senhores do imponente castelo em cima da colina. Não lhe dão permissão para ficar. Só precariamente lhe toleram a existência incerta. É uma luta desesperada, e a autorização de residir, só a alcançará o homem na agonia. Outro mau sonho, do qual custou despertar.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Nesse meu segundo encontro com Kafka despedi-me dos seus livros com a firme convicção de se tratar de visões de extrema irrealidade. Como se Kauka estivesse morto e Kafka, nunca existido.</div>
<h2 style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 2rem; font-weight: inherit; line-height: 1.2; margin: 0px 0px 2rem; outline: 0px; padding: 0px; text-align: center; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: inherit; font-size: 20px; font-style: inherit; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">3</strong></h2>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
<img alt="" class="alignleft size-full wp-image-575" height="457" src="http://www.revistabula.com/wp/wp-content/uploads/2013/07/PRAGA3.jpg" style="-webkit-box-shadow: rgba(0, 0, 0, 0.2) 0px 0px 2px; border: 1px solid rgba(0, 0, 0, 0.14902); box-shadow: rgba(0, 0, 0, 0.2) 0px 0px 2px; box-sizing: border-box; display: inline; float: left; font-family: inherit; font-style: inherit; font-weight: inherit; height: auto !important; margin: 0.5rem 2rem 0.5rem 0px; max-width: 100%; outline: 0px; padding: 5px; vertical-align: baseline;" width="620" /><br style="box-sizing: border-box;" />Descobri a realidade de Kafka em Praga: onde nunca antes estive.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Naqueles anos, fiz várias vezes a viagem Berlim-Viena, ida e volta, passando por Praga. Mas nunca antes me ocorrera saltar do trem na Estação Presidente Wilson, situada fora da cidade, que mal vi de longe, as luzes noturnas ou então a névoa fina da madrugada.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Numa madrugada assim — parece que foi em 1930 — assaltou-me a vontade de descer do trem para ver a cidade. Não sei o tcheco, e tinham-me dado o conselho de falar francês, de preferência ao alemão, pois era tensa a atmosfera em Praga; quase todos os dias, choques violentos entre tchecos e alemães. Cheguei no centro da cidade justamente para assistir a um choque de rua, mas foi de antissemitas contra judeus, odiados pelos tchecos porque costumavam falar alemão, e odiados pelos alemães porque eram judeus. Contaram-me um pequeno diálogo entre dois judeus praguenses:</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
— Veja como estamos sendo perseguidos.<br style="box-sizing: border-box;" />— Em compensação, somos o povo eleito por Deus.<br style="box-sizing: border-box;" />— Mas eu acho que já está na hora para Deus eleger um outro povo…</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Vi, na Cidade Velha de Praga, um desses judeus, à porta de sua loja, esperando fregueses, uma cara em que milênios de perseguição e de estudo talmúdico tinham inscrito mil rugas, mas a boca cheia de sarcasmo e nos olhos um ar de grande suficiência, um complexo de superioridade. Um velho assim, intolerante como o diabo por causa da intolerância diabólica dos outros, deve ter sido o severo pai de Kafka, subjugando o filho – e assim encontrei a imagem de Kafka nas ruas estreitas e entre as sinistras casas decaídas em torno da sinagoga onde, conforme velha lenda, um rabino medieval tinha construído o Golem, um homem de barro, vivificado por um pedaço de papel com o secreto nome de Deus na boca. Certamente, uma daquelas lojas tinha pertencido ao velho Kafka. Certamente, nos porões daquelas casas tinha-se reunido o misterioso tribunal que condenou à morte o inocente culpado de “O Processo”… Preferi fugir desse ambiente.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Mas Praga é Praga. É uma das cidades mais belas do mundo. Atravessando o rio, o Vltava imortalizado pelo poema sinfônico de Smetana, levantei, na ponte, os olhos e vi lá em cima na colina o enorme Hradschin, o antigo Palácio Real, muito perto e no entanto parecendo inacessível nas alturas; e reconheci o “Castelo” de Kafka. Subi. Entrei, ao lado do castelo, na catedral gótica de São Vito, escura e vazia: e reconheci a igreja na qual o condenado, n´´O Processo”, ouve a voz da Lei. Enfim, eu tinha encontrado a realidade atrás daquele sonho fantástico.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Foi este meu terceiro encontro com Franz Kafka. Tinha-o reconhecido como filho de sua cidade de Praga, que lhe foi madrasta: o homem era austríaco, alemão, tcheco e judeu ao mesmo tempo, tipo dos “displaced persons” cujo lamento enche este nosso século. Kafka antecipara o destino de milhões de judeus e alemães, italianos e franceses, holandeses, poloneses e russos, “displaced persons” todos eles. E por isso tinha ele sentido tão bem que o próprio gênero humano é uma “displaced person” no Universo. E sua obra estava destinada a tornar-se expressão simbólica da angústia do nosso tempo.</div>
<h2 style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 2rem; font-weight: inherit; line-height: 1.2; margin: 0px 0px 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: inherit; font-size: 20px; font-style: inherit; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Entreato</strong></h2>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Pouco depois, eu mesmo era “displaced person”. Vim, enfim, para o Brasil, onde escrevi, salvo engano, o primeiro artigo em língua portuguesa sobre Franz Kafka. A repercussão foi considerável. Não teria sido tão grande se não começasse, logo depois, a “onda de Kafka” nos Estados Unidos e, depois, no mundo inteiro. E tão imitado se tornou o escritor de Praga que, enfim, se chegou a confundir o original e as cópias, até nosso grande poeta Carlos Drummond de Andrade, secamente acertando como sempre, notar: “FRANZ KAFKA, escritor tcheco, imitador de certos escritores brasileiros”.</div>
<h2 style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 2rem; font-weight: inherit; line-height: 1.2; margin: 0px 0px 2rem; outline: 0px; padding: 0px; text-align: center; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: inherit; font-size: 20px; font-style: inherit; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">4</strong></h2>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
<img alt="" class="alignleft size-full wp-image-573" height="452" src="http://www.revistabula.com/wp/wp-content/uploads/2013/07/praga.jpg" style="-webkit-box-shadow: rgba(0, 0, 0, 0.2) 0px 0px 2px; border: 1px solid rgba(0, 0, 0, 0.14902); box-shadow: rgba(0, 0, 0, 0.2) 0px 0px 2px; box-sizing: border-box; display: inline; float: left; font-family: inherit; font-style: inherit; font-weight: inherit; height: auto !important; margin: 0.5rem 2rem 0.5rem 0px; max-width: 100%; outline: 0px; padding: 5px; vertical-align: baseline;" width="300" /></div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
O âmbito enorme dessa glória póstuma, uma das maiores do Século XX, senti-a mais vivamente quando, em 1953, passei uns meses na Europa. Vi livros de Kafka, no original e em traduções, e estudos sobre Kafka nas livrarias da França e da Itália, da Espanha e da Bélgica, da Dinamarca e da Holanda, da Alemanha e da Iugoslávia, assim como na Inglaterra e na Suíça. Vi artigos sobre Kafka nas revistas literárias. Encontrei frases de Kafka, que há poucos anos ainda eram propriedade exclusiva de herméticas seitas literárias, citadas em artigos de fundo político. Em toda parte. E na Áustria?</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Franz Kafka não foi tcheco, porque escreveu em alemão. Não foi alemão, porque se considerava judeu. Não foi judeu, porque não tinha a fé dos seus antepassados nem o sentimento nacional dos seus contemporâneos. Foi aquilo que eram todos os cidadãos de Praga, fossem tchecos, alemães ou judeus, nascidos nos anos de 1880: um austríaco. Mas ninguém é profeta em sua terra. Na Áustria de hoje Kafka ainda é, apenas, objeto de discussões entre literatos. Os outros… Bem, eu fiz a experiência; e foi meu quarto encontro com Franz Kafka.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Em Viena, o escritor nunca se tinha demorado muito. Nada, na cidade, lembra sua presença invisível. E se tivesse, os oito anos de dominação nazista teriam tido tempo suficiente para apagar os vestígios. Mas ninguém pode apagar a morte, não é? Pois em Viena, Kafka morreu.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Ou antes, perto de Viena: na pequenina cidade de Kierling. Ali existe ou existia naquele tempo uma casa de saúde para a qual o transportaram doente e onde morreu. Fiz a peregrinação para Kierling.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Foi o mesmo mês em que Kafka, em 1924, morrera: junho. A paisagem mais risonha do mundo, vinhedos em toda parte, o sol do meio-dia não é forte demais, como no Mediterrâneo, mas basta para fazer amadurecer um vinho inebriante. Ao longe, já desapareceu a cidade de Mozart e Beethoven. O trem, bitola estreita e muita fumaça, para quase em frente à igreja. Um carregador aproxima-se. Estou sem malas. O homem me quer mostrar o caminho para o lugar onde se vende o melhor vinho.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
— Onde fica a casa de saúde do Dr. Hoffmann?<br style="box-sizing: border-box;" />— Está fechada. O doutor morreu.<br style="box-sizing: border-box;" />— E quem mora lá agora? A casa ainda existe?<br style="box-sizing: border-box;" />— Lá mora o Dr. Hugo, o filho. Também é médico. Mas…</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
O homem não terminou a frase. Com gesto mudo, mostrou-me o caminho. Não compreende por que fiz a viagem, de Viena, onde há tantos médicos melhores, médicos famosos. Certamente, é a primeira vez que alguém veio do Brasil para consultar em Kierling o Dr. Hoffmann; quem sabe como esse homem me receberá. O gesto do carregador, na estação, não foi animador.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Encontro com facilidade a casa. Fechada. O letreiro no portão, “Dr. Hugo Hoffmann, médico, clínica geral, consultas entre 3 e 6 horas”, está meio apagado. O consultório não parece dos mais procurados. Campainha rouca. Tão rouca como foi a voz do mais famoso paciente dessa casa. Minutos de espera. É o próprio Dr. Hugo Hoffmann quem abre, gordo, pesado, careca, olhos hostis:</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
— Ainda não são 3 horas…</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
— O senhor é filho do proprietário da clínica…</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
— Meu pai morreu há 19 anos. A casa de saúde está fechada. Se deseja outra, encontrará o endereço de uma na lista dos assinantes de telefone.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
— Perdão, doutor, não sou doente, apenas quis perguntar por um paciente de seu falecido pai… Franz Kafka.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
O homem ficou vermelho: — Kafka? Kafka? Já me perguntaram, não conheço, não conheci, não sei de nada, nada, nada. E com ruído estrondoso o Dr. Hoffmann fechou a porta.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Comportamento misterioso. O homem poderia transformar sua casa em museu, pedindo ingresso pago, mostrando a cama, os instrumentos com que o mais famoso paciente da Casa de Saúde Dr. Hoffmann foi operado, etc., etc. Prefere gritar que não sabe nada, nada, nada. Não haveria lá dentro nenhuma reminiscência?</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
No silêncio do meio-dia de verão fiz a volta da casa fechada. Através das grades olhei para dentro do jardim. Debaixo das árvores, umas velhas cadeiras. Certamente ali repousaram os doentes. Uma janela meio aberta: um quarto pequeno, cama branca, na mesinha uma garrafa de água. Talvez ali Franz Kafka morreu em 3 de junho de 1924; ao meio-dia.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Trinta anos é muito tempo. Ninguém, em Kierling, se lembra. Mas onde foi enterrado? O vigário é um bocado mais amável que o Dr. Hoffmann Filho. Abre o livro de registros, depois vira-se para mim:</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
— Kafka? Kafka? Não será nome judeu? Mas então ele não consta do meu livro de óbitos. Isto é uma paróquia católica apostólica romana.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
— E os registros civis?</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
— Ah, estes foram transportados para Viena em 1930. Já tivemos um caso assim, questão de uma herança. Não adianta, os registros perderam-se em 1944, quando a cidade foi bombardeada.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
O vigário, certamente, nunca leu aquela história de Kafka na qual uma alma só encontrou a paz definitivamente quando seu nome foi apagado, por Deus, no registro dos mortos.</div>
<h2 style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 2rem; font-weight: inherit; line-height: 1.2; margin: 0px 0px 2rem; outline: 0px; padding: 0px; text-align: center; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: inherit; font-size: 20px; font-style: inherit; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">5</strong></h2>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
<img alt=" Franz Kafka" class="alignleft size-full wp-image-572" height="608" src="http://www.revistabula.com/wp/wp-content/uploads/2013/07/z505.jpg" style="-webkit-box-shadow: rgba(0, 0, 0, 0.2) 0px 0px 2px; border: 1px solid rgba(0, 0, 0, 0.14902); box-shadow: rgba(0, 0, 0, 0.2) 0px 0px 2px; box-sizing: border-box; display: inline; float: left; font-family: inherit; font-style: inherit; font-weight: inherit; height: auto !important; margin: 0.5rem 2rem 0.5rem 0px; max-width: 100%; outline: 0px; padding: 5px; vertical-align: baseline;" width="354" /></div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Voltei de Kierling para Viena, ignorando que ali encontraria, mais uma vez, a sombra de Franz Kafka.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Amigos explicaram-me o caso do Dr. Hoffmann: provavelmente um ex-nazista que se assusta ao ouvir nome de judeu morto, com medo de ser denunciado como assassino. Afirmaram-me que não existem mais nazistas em Viena, mas que não foi possível apagar os vestígios todos de tantos anos de dominação. As bibliotecas públicas ainda estariam mais ou menos expurgadas; falta dinheiro, não é possível comprar todos os livros que foram destruídos. Se eu quiser acreditar ou não, a administração pública austríaca é tão vagarosa como a de todos os países; na veneranda Biblioteca Nacional ainda não encontraram tempo de retirar os livros de Kafka do chamado “inferno”, onde guardam os livros obscenos, proibidos, etc.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Parecia-me, por minha vez, que um “inferno” é o melhor lugar para os livros de Franz Kafka, cujos personagens nunca chegaram a entrar no Castelo e foram condenados à morte sem culpa formada. Mas a curiosidade não me deixou em paz. A Biblioteca Nacional da Áustria é uma das mais ricas do mundo. Está abrigada num palácio barroco que é, talvez, o maior e o mais suntuoso da cidade. Quando rapaz, nunca entrei na grande sala de leitura, que antes parece salão para a coroação de um imperador, sem sentir bater o coração, no silêncio dos livros e no silêncio dos bibliotecários. Perturbar-lhes a paz, um pouco, seria obra salutar; e divertida.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Pois os bibliotecários na Europa não são como os daqui. Entre nós, são moças encantadoras que sabem tudo de catalogação e classificação, mas não entendem nada do que está nos livros. Em compensação, são bonitas. E quando o serviço as obriga a subir escadas para as estantes em cima, contribuem para ampliar nossa visão panorâmica do mundo. Nada disso nos oferece um bibliotecário europeu, que é homem de 50 anos e usa barba comprida. Em compensação, sabe o que está dentro dos livros: mas só de certos livros. São eruditos especializados em certas disciplinas que não têm muito valor econômico. São assiriólogos, peritos em astrofísica, especialistas em histórias dos impérios iranianos da Idade Média, estudiosos das línguas dos índios peruanos ou da filosofia pré-socrática ou da flora e fauna da Groenlândia. Ninguém pode viver disso, mas é preciso que alguém estude isso e para esse fim o Estado os emprega como bibliotecários. Sabem tudo, das suas ciências abstrusas. Mas qualquer pergunta fora disso nos abre panoramas da sua ignorância enciclopédica.</div>
<div style="border: 0px; box-sizing: border-box; font-family: 'Open Sans', sans-serif; font-size: 13px; line-height: 19.5px; margin-bottom: 2rem; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">
Fui para a Biblioteca Nacional. Nos fichários procurei em K: não achei nada. O bibliotecário encarregado dos catálogos encaminhou-me para o subdiretor, lá na poltrona. Homem velho, mal-humorado porque interrompido na leitura de um manuscrito medieval. Expliquei a necessidade urgente de verificar o texto exato de uma frase numa obra de Kafka. O erudito olhou-me por cima dos óculos, como penetrando o fundo de minha alma. Por um instante senti-me como se tivesse 15 anos, tremendo no colégio perante professor severo. Mas a resposta restabeleceu-me a serenidade – até me teria alegrado, se não se misturasse com a hilaridade uma ponta de tristeza,de tantos anos passados e de tanta vida perdida. Pois a resposta do Sr. diretor foi esta: Não conheço. Como foi o nome? KAUKA?</div>
<span style="color: #741b47; font-family: Courier New, Courier, monospace;"><br /></span><span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"><br /></span><div>
<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;">Ensaio publicado no livro<b> “Reflexo e Realidade”</b>, de Otto Maria Carpeaux.</span></div>
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Uma certa idade...http://www.blogger.com/profile/02710853390133423414noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515985493414890174.post-64657811188259646772014-01-24T09:14:00.000-02:002014-01-24T09:14:04.271-02:00Mrs. Dalloway<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjb4TqVzJOG9AyXeALCRrodKuRaArquChiQ78ebDMeGhGTUtWKfW5KSVLDWbhCEIwhK4yRs3DSKjb_yda0Im_9c8VjIkB_vH2-51a7Un-23Ky6I0YHmcceAU0mzE6JZTHyWH_CVK3eRwL7U/s1600/mrs-dalloway-original-2e3pkvm.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjb4TqVzJOG9AyXeALCRrodKuRaArquChiQ78ebDMeGhGTUtWKfW5KSVLDWbhCEIwhK4yRs3DSKjb_yda0Im_9c8VjIkB_vH2-51a7Un-23Ky6I0YHmcceAU0mzE6JZTHyWH_CVK3eRwL7U/s1600/mrs-dalloway-original-2e3pkvm.jpg" height="225" width="400" /></a></div>
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<span style="color: #990000; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<span style="color: #990000; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><div>
Uma introdução a Mrs. Dalloway</div>
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<span style="color: #990000; font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br />É difícil – talvez impossível – a um escritor dizer qualquer coisa sobre sua obra. Tudo o que ele tem a dizer, já disse da maneira mais completa, da melhor maneira que lhe é possível, no corpo do próprio livro. Se não conseguiu deixar claro o que pretendia dizer, é pouco provável que consiga num prefácio ou num posfácio de algumas páginas. E a mente do autor tem outra característica que também é avessa a introduções. É inóspita para sua cria como uma pardoca com seus filhotes. Depois que as avezinhas aprendem a voar, têm de voar; quando saem do ninho, a mãe começa talvez a pensar em outra prole. Da mesma forma, depois de impresso e publicado, um livro deixa de ser propriedade do autor; este o confia ao cuidado dos outros; toda a sua atenção é demandada por algum novo livro, que não só expulsa o predecessor do ninho, como também costuma denegrir sutilmente o caráter do outro em comparação ao dele mesmo.<br />É verdade que o autor, se quiser, pode nos contar alguma coisa de si e de sua vida que não está no romance; e é algo que devemos incentivar. Pois não existe nada mais fascinante do que se enxergar a verdade por trás daquelas imensas fachadas de ficção – isso se a vida for de fato verdadeira e se a ficção for de fato fictícia. E provavelmente a ligação entre ambas é de extrema complexidade. Livros são flores ou frutas pendentes aqui e ali numa árvore com raízes profundas<br />na terra de nossos primeiros anos, de nossas primeiras experiências. Mas, aqui também, para<br />contar ao leitor alguma coisa que sua imaginação e percepção ainda não descobriu, seria necessário não um prefácio de uma ou duas páginas, e sim uma autobiografia em um ou dois volumes. Devagar, com cuidado, o autor se lançaria ao trabalho, desenterrando, desnudando, e, mesmo depois de trazer tudo à superfície, ainda caberia ao leitor decidir o que importaria e o que não importaria. Assim, quanto a Mrs. Dalloway, a única coisa possível no momento é trazer à luz alguns pequenos fragmentos, de pouca ou talvez nenhuma importância: por exemplo, que Septimus, que depois se torna o duplo dela, não existia na primeira versão; e que Mrs. Dalloway,<br />originalmente, ia se matar ou talvez apenas morrer no final da festa. Esses fragmentos são<br />humildemente oferecidos ao leitor, na esperança de que, como outras miudezas, possam ser úteis.<br />Mas, se temos demasiado respeito pelo leitor puro e simples para lhe apontar o que deixou<br />passar ou lhe sugerir o que deve procurar, podemos falar de modo mais explícito ao leitor que despiu sua inocência e se tornou crítico. Pois, ainda que se deva aceitar em silêncio a crítica, seja positiva ou negativa, como o legítimo comentário a que convida o ato da publicação, de vez em quando aparece alguma afirmação que não se refere aos méritos ou deméritos do livro e que o escritor sabe que é equivocada. É uma afirmação dessas que se tem feito sobre Mrs. Dalloway com frequência suficiente para merecer talvez uma objeção. Disseram que o livro era fruto deliberado de um método. Disseram que a autora, insatisfeita com a forma de ficção em voga na época, decidira pedir, tomar emprestado, roubar ou mesmo criar outra forma própria. Mas, até<br />onde é possível ser honesto sobre o misterioso processo mental, os fatos são outros. Insatisfeita, a escritora podia estar; mas sua insatisfação se dirigia basicamente à natureza, por dar uma ideia sem lhe prover uma casa onde pudesse morar. Os romancistas da geração anterior não ajudaram muito – aliás, por que haveriam de ajudar? Evidentemente, a morada era o romance, mas ele parecia construído sobre o projeto errado. A essa ressalva, a ideia começou, como começa a<br />ostra ou o caracol, a secretar uma casa própria. E assim procedeu sem nenhum rumo consciente.<br />O caderninho que abrigava uma tentativa de montar um projeto logo foi abandonado e o livro cresceu dia a dia, semana a semana, sem projeto nenhum, exceto o que era determinado a cada manhã na atividade de escrever. Desnecessário dizer que a outra maneira – construir uma casa e depois morar nela, desenvolver uma teoria e então aplicá-la, como fizeram Wordsworth e Coleridge – é igualmente boa e muito mais filosófica. Mas, no presente caso, foi necessário antes escrever o livro e depois inventar uma teoria.<br />Se, porém, assinalo este ponto específico dos métodos do livro para discussão, é pela razão<br />citada: porque se tornou tema de comentário entre os críticos, e não porque mereça atenção em si. Pelo contrário, quanto mais bem -sucedido o método, menos atenção ele atrai. O que se espera é que o leitor não dedique nenhum pensamento ao método ou à falta de método do livro. O que lhe diz respeito é apenas o efeito do livro como um todo em sua mente. Desta questão, a mais importante de todas, ele é um juiz muito melhor do que o escritor. Na verdade, tendo tempo e liberdade para moldar sua própria opinião, ao fim e ao cabo ele é um juiz infalível. É a ele,<br />então, que a escritora entrega Mrs. Dalloway e sai do tribunal confiante de que o veredito, seja a morte imediata ou alguns anos mais de vida e liberdade, em qualquer dos casos será justo.</span><div>
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /><span style="color: blue;"><b>Virginia Woolf</b></span><br /><span style="color: #990000;">Londres, junho de 1928</span></span></div>
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Uma certa idade...http://www.blogger.com/profile/02710853390133423414noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515985493414890174.post-85729183258277296442014-01-24T08:54:00.003-02:002014-01-24T08:56:54.593-02:00Marivaux, Vie d'Adèle<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
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<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjTs8KqlpZfdtS9TIqMBsmHY407pSs85pLzITGPR-zS_VoYGoQx-9NpDnrsy9PZHO5nfe3xc16_pSswXTyjo1wT_Tl8zz_3osjUlI_xsanIHqlXmvEQYPe4B48OKXo38GX6BOdDYXqjquoC/s1600/20130913164212-LaVieDAdele_PosterB.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjTs8KqlpZfdtS9TIqMBsmHY407pSs85pLzITGPR-zS_VoYGoQx-9NpDnrsy9PZHO5nfe3xc16_pSswXTyjo1wT_Tl8zz_3osjUlI_xsanIHqlXmvEQYPe4B48OKXo38GX6BOdDYXqjquoC/s1600/20130913164212-LaVieDAdele_PosterB.jpg" height="640" width="448" /></a></div>
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><span style="color: blue;"><br /></span></span></div>
<span style="color: blue;"></span><br />
<div style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<i style="color: blue;">Marivaudage</i><span style="color: blue;">. Não se avexe de ignorar o que esta palavra significa. Levei anos para lhe ser apresentado, apesar do muito que nos ensinavam de língua e literatura francesas no velho Colégio Pedro II. Sabia quem fora Pierre de Marivaux (1688-1763) e que impacto suas peças causaram no século 18, mas </span><i style="color: blue;">marivaudage</i><span style="color: blue;">, sinônimo de intrigas amorosas tratadas em tom ligeiro, que custei a distinguir de </span><i style="color: blue;">badinage</i><span style="color: blue;">, neologismo oitocentista legado pelas comédias teatrais de Alfred de Musset, só entrou no meu repertório graças a um crítico da (ou do, como preferíamos dizer) </span><i style="color: blue;">Cahiers du Cinéma</i><span style="color: blue;">, Jean Domarchi, o primeiro a rotular de </span><i style="color: blue;">marivaudages</i><span style="color: blue;"> algumas comédias filmadas por George Cukor.</span></div>
<span style="color: blue;">
<div style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Marivaux é a principal referência literária de <b>Azul É a Cor Mais Quente</b>, o filme mais quente deste verão. Ausente do romance gráfico de Julie Maroh (Le Bleu Est Une Couleur Chaude) que lhe serviu de inspiração, Marivaux é uma antiga admiração do cineasta tunisiano Abdellatif Kechiche, que no início da década passada já havia articulado outro filme, A Esquiva, em torno de uma encenação amadorística de <b>O Jogo do Amor e do Acaso</b>, talvez o mais celebrado dos <i>marivaudages</i>. O de agora não veio da ribalta, mas da ficção pura: o romance inacabado <i>La Vie de Marianne</i>, de onde também derivou o título original do filme: <i>La Vie d'Adèle</i>.</div>
<div style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Iniciado 36 anos antes da morte do autor, suas primeiras 11 partes foram publicadas entre 1731 e 1745, e podem ser baixadas de graça na internet. É um romance epistolar, narrado por uma mulher madura que cresceu órfã, virou condessa e, desiludida pelos "jogos do amor e do acaso", recolheu-se a um convento. Não é uma história convencional de corações partidos mas quase um estudo sobre a metafísica do ato amoroso. Marivaux não só adotou a voz feminina, como procurou imitar o jeito de escrever das grandes madames (de Sévigné, de la Fayette) da literatura. Sua influência sobre o estilo romanesco do final do século 19 já motivou várias análises acadêmicas.</div>
<div style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
São demasiado sutis as similaridades entre as personalidades, as origens sociais e os desapontamentos de Marianne e Adèle. Não vi o telefilme que Benoît Jacquot extraiu de <i>La Vie de Marianne</i>, no final do século passado. A única aproximação (ou apropriação) cinematográfica do romance que conheço é a de Kechiche, que, a exemplo de Marivaux, se alonga nas descrições para melhor explorar e captar os sentimentos e as emoções de suas duas amantes.</div>
<div style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Nos quadrinhos originais Adèle se chama Clémentine e sua história nos é revelada através de um diário lido por Emma. Assim como a troca do nome (Adèle quer dizer justiça em árabe), as referências literárias são de inteira responsabilidade de Kechiche, que nos introduz a uma aula sobre Marivaux logo nas primeiras cenas, complementada por uma comparação de <i>La Vie de Marianne</i> com A Princesa de Clèves (de Mme. de la Lafayette) e uma digressão sobre o amor à primeira vista, que em seguida Adèle irá experimentar numa furtiva troca de olhares com Emma, a desconhecida de cabelos azuis, no Baixo <i>Lille</i>. Nas aulas seguintes, o professor de Adèle se refere à Antígona, a rebelde filha de Creonte, e a Lamiel, a jovem órfã do romance póstumo de Stendhal, cujas aventuras e desventuras amorosas encontram eco na educação sentimental de Adèle.</div>
<div style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
O azul é um achado cromático e simbólico de que o cineasta se serviu de forma discreta. Maroh o utiliza com exagero em seus quadrinhos; Kechiche o mantém exclusivo dos cabelos de Emma, e apenas na primeira parte (ou capítulo) do filme. Sempre identificamos o azul com harmonia, fidelidade, confiança ("<i>true blue</i>"), alegria ("<i>Blues skies, smilin</i>' <i>at me</i>...", "<i>Nel blu dipinto di blu</i>"), liberdade, com o céu, o mar profundo, Picasso, Virgem Maria, com lembranças agradáveis (no último encontro de Rick Blaine e Ilsa Lund, em Paris, os soldados alemães vestiam cinza e ela, azul) e devaneios saudosistas (como os de Jay Gatsby), ou mesmo, excepcionalmente, com coisas negativas como a tristeza ("<i>Am I blue</i>?"), o luto (só na Turquia), a morte (só na ópera chinesa), mas ao calor afetivo & sexual me pareceu novidade. O que fazer doravante com o vermelho?</div>
<div style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Na tela, as transas são infinitamente mais frequentes, passionais, explícitas e impactantes do que na novela gráfica de Maroh. Ela acusou o cineasta de <i>voyeur</i> e fetichista, de explorar o corpo de Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux, em especial a boca e a bunda da primeira. Não foi a única (militante feminista ou não, lésbica ou hétero) a cometer uma avaliação superficial do profundo mergulho nas emoções ousado por Kechiche, com a cumplicidade das suas belas e esplêndidas atrizes. Abstenho-me de um <i>close reading</i> do filme, pois, no fundo, tudo o que talvez tenha a dizer sobre ele aqui já foi dito por Luiz Carlos Merten.</div>
<div style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Confesso que temi não suportá-lo até o fim. Com meia hora de bola em jogo, duvidei que a vida de Adèle, até então morosa e insossa, pudesse justificar os 149 minutos que ainda tinha pela frente. Aos poucos, antes mesmo da primeira cena de sexo - longa, tensa e lírica como a segunda - Adèle, Emma, e os closes e pausas de Kechiche já haviam me aprisionado em sua teia de sedução.</div>
<div style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Na sessão vesperal em que vi o filme, cercado de espectadores idosos e de morigerada aparência, não ouvi sequer um suspiro de estupor e indignação. Havia na sala um silêncio respeitoso, como se na tela estivesse sendo projetado um ascético drama de Ingmar Bergman. Lembrei-me da proibição pela censura de Os Amantes, de Louis Malle, por causa de uma pudica cunilíngua em Jeanne Moreau, e do escândalo provocado pela amanteigada sodomização de Maria Schneider em O Último Tango em Paris, e pensei comigo: "Puxa, como evoluímos".</div>
<div style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"><b>Sérgio Augusto</b></span></div>
</span></div>
Uma certa idade...http://www.blogger.com/profile/02710853390133423414noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515985493414890174.post-65414638533213441892014-01-22T10:16:00.000-02:002014-01-22T10:16:02.548-02:00Metrossexualidade para todos<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjjt1h2cM5tB70iDr4Hby_fiTUpkZS43_cI8vyo4SA7UpletedrOPypir-zsYsGDDU5gROavLaYT1relzByhTrnGay9geDk_mnowGf_52ANhU-9gfWeq-ZnWWhG6P1ocnzuC9tY6dcR3M_i/s1600/images+(1).jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjjt1h2cM5tB70iDr4Hby_fiTUpkZS43_cI8vyo4SA7UpletedrOPypir-zsYsGDDU5gROavLaYT1relzByhTrnGay9geDk_mnowGf_52ANhU-9gfWeq-ZnWWhG6P1ocnzuC9tY6dcR3M_i/s1600/images+(1).jpg" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;"><div style="color: #0b5394; font-size: x-large; text-align: justify;">
"A velhice tem suas injustiças, e não me refiro apenas à comparação que possamos fazer com as pessoas mais moças. Surgem desequilíbrios internos, que a ciência por certo há de explicar. Um caso me intriga especialmente.</div>
<div style="color: #0b5394; font-size: x-large; text-align: justify;">
Você já reparou nas canelas dos senhores de mais idade? Para meu espanto, são em geral lisas e cerosas como as de uma noviça.</div>
<div style="color: #0b5394; font-size: x-large; text-align: justify;">
Ainda mais se, como se torna ademais um curioso hábito dos idosos, eles passam a usar bermudas no verão, combinando com o velho par de meias sociais dos tempos de escritório, e o humilhante tênis sem cadarço da Rainha, cor azul-marinho.</div>
<div style="color: #0b5394; font-size: x-large; text-align: justify;">
Trata-se de um hit da terceira idade, talvez porque amarrar o sapato dê muito trabalho, e porque o mocassim de couro tradicional não mais se adapte ao inchaço dos tornozelos.</div>
<div style="color: #0b5394; font-size: x-large; text-align: justify;">
Sim, mas onde está a injustiça? Está no fato de que, enquanto caem os pelos das canelas, os de outros lugares não param de crescer. Falo de orelhas, narizes e sobrancelhas.</div>
<div style="color: #0b5394; font-size: x-large; text-align: justify;">
Fosse algum decréscimo hormonal em todo o organismo, por que então essas orelhas de lobisomem, os pelos como labaredas, crepitando em torno de ouvidos surdos? Será para disfarçar melhor o aparelho auditivo?</div>
<div style="color: #0b5394; font-size: x-large; text-align: justify;">
Passo bem na ausência desse problema, mas tenho reparado, nas minhas sobrancelhas, aparições esporádicas de verdadeiras cerdas de javali. Uma ou duas por semana, como as baionetas de algum soldado em desespero a destacar-se de seus camaradas na trincheira.</div>
<div style="color: #0b5394; font-size: x-large; text-align: justify;">
Aprendi a utilidade da pinça.</div>
<div style="color: #0b5394; font-size: x-large; text-align: justify;">
Bom, mas por que você não deixa sua sobrancelha quieta, e que os pelos nasçam com a liberdade dos bambus? É que passei a vida inteira desconfiando daqueles varões de velha cepa, homens de Estado, capitães da indústria, professores de direito, os quais gostava de reunir imaginariamente no "clube dos sobrancelhas grossas".</div>
<div style="color: #0b5394; font-size: x-large; text-align: justify;">
Quem não os encararia sem estremecimento? No mundo mais pacífico das ideias e da música, o sociólogo Zygmunt Bauman e o compositor Hans-Joachim Koellreutter são as figuras que me vêm à memória, acrescentando furiosos escovões brancos às eriçadas consoantes de seus nomes.</div>
<div style="color: #0b5394; font-size: x-large; text-align: justify;">
Quantos mais membros desse clube havia! Um rigoroso e lacônico ministro da Indústria e Comércio, um pertinaz e tradicionalíssimo jornalista, o dono imperturbável de um cartel do aço ou do cimento.</div>
<div style="color: #0b5394; font-size: x-large; text-align: justify;">
Seriam, quem sabe, os prussianos paulistas; por natureza sérios e enérgicos, ganhavam com aquela marquise cabeluda um suplemento de severidade que acentuava, temivelmente, a vivacidade de um olhar imune aos avanços do tempo.</div>
<div style="color: #0b5394; font-size: x-large; text-align: justify;">
Não; melhor arrancar esses pelos um a um, antes de me transformar num articulista com ar de porco-espinho. Pois aqui vai um segredo. No salão que passei a frequentar, quase uma casa de repouso para a terceira idade, o barbeiro (não mais jovem que os fregueses) perguntou-me se devia aparar também as sobrancelhas.</div>
<div style="color: #0b5394; font-size: x-large; text-align: justify;">
Presumo que seja o usual naquele ambiente, tão distante dos metrossexuais quanto a navalha do raio laser. Uma vez ele aparou; senti-me esquisitíssimo, uma espécie de Cristiano Ronaldo que tivesse entrado no corpo do técnico Felipão. Esse ainda precisa, aliás, de sobrancelhas mais espetentas.</div>
<div style="color: #0b5394; font-size: x-large; text-align: justify;">
Fico de fora. Mas não há saída; a vaidade masculina existe o tempo todo. Mário de Andrade dizia que publicar livros é vaidade, mas não publicar também é. Vaidoso também, lá com seus botões, é o sexagenário que faz da orelha o seu pequeno casaco de vison; o que expulsa de suas narinas dois pincéis da marca "Tigre" (para acabamento em verniz); o que cultiva sobre os olhos um canteiro de cactos.</div>
<div style="color: #0b5394; font-size: x-large; text-align: justify;">
Vaidade. Por isso cresce também o mercado dos hidratantes, dos cremes antirrugas, das "fórmulas anti-idade" para o público masculino. O processo é sutil, mas poderia ser mais ainda.</div>
<div style="color: #0b5394; font-size: x-large; text-align: justify;">
Tudo começa com o filtro solar, indicado na prevenção contra o câncer de pele. O uso do pós-sol também é recomendado nesta época. Uma vez achei um produto, não direi que era um creme de beleza, que fez maravilhas não para a minha estética facial, mas para abolir a sensação de calor na pele durante o dia.</div>
<div style="color: #0b5394; font-size: x-large; text-align: justify;">
Disseram-me depois que todo hidratante era capaz disso. Ótimo, desde que não tenha cheiro de jasmim ou de goiaba. Ah, conhece a nossa linha masculina? Pronto; eu estava a um passo da metrossexualidade.</div>
<div style="color: #0b5394; font-size: x-large; text-align: justify;">
A sutileza que ainda falta é a de deixar esses produtos mais ao alcance da mão. As farmácias em geral protegem seus cremes de beleza atrás de vidros, em redutos exclusivos. Ponham-nos ao lado dos barbeadores e das loções --e ninguém mais haverá de segurar os marmanjos deste Brasil na corrida no caminho da, hum, saúde facial. E sebo nas canelas".</div>
<div style="color: #0b5394; font-size: x-large; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: blue; font-size: x-small;"><b>MARCELO COELHO</b></span></div>
</span><div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
Uma certa idade...http://www.blogger.com/profile/02710853390133423414noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1515985493414890174.post-12260950091756322352014-01-22T09:22:00.000-02:002014-01-22T09:22:22.939-02:00Lobos e escravos<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="color: #741b47; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
"Começou a temporada dos prêmios de cinema e eu cometi a imprudência de sair de casa. Para ver as obras do momento.</div>
<div style="color: #741b47; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
"Imprudência" é palavra demasiado forte, admito: uma desilusão e um reencontro feliz não são propriamente um prejuízo. Mas de Steve McQueen, o diretor de "12 Anos de Escravidão", esperava tudo. Exceto "12 Anos de Escravidão".</div>
<div style="color: #741b47; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
Até por razões curriculares: "Fome" (2008) e "Shame" (2011) são retratos de desumanização que, em sua radicalidade formal e narrativa, o cinema contemporâneo não se atreve a oferecer com regularidade.</div>
<div style="color: #741b47; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
No primeiro caso, a desumanização de Bobby Sands, o ativista do grupo terrorista irlandês IRA que cumpriu greve de fome até as últimas consequências em inícios da década de 1980. McQueen, artista plástico, filmou essa autoflagelação com o "realismo sujo" de um Caravaggio. E Michael Fassbender, o ator, nasceu nesse filme como o maior talento da sua geração. Ainda é.</div>
<div style="color: #741b47; font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: x-large; text-align: justify;">
"Shame" vai ainda mais longe, ao filmar Brandon (uma vez mais, Fassbender), um viciado em sexo e pornografia que é incapaz de estabelecer uma ligação emocional relevante com a humanidade em volta.</div>
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Esse, precisamente, é o tema central do filme: a devastadora solidão de um homem condenado à superficialidade da carne.</div>
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"12 Anos de Escravidão" tinha premissa igualmente poderosa e até verídica: Solomon, um negro livre de Nova York, é capturado e vendido como escravo para as plantações do Sul.</div>
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Mas Steve McQueen acredita que a melhor forma de apresentar o sistema repulsivo da escravatura passa por uma sucessão ilógica e gratuita de quadros de violência física. Imagino que o propósito seja mostrar ao mundo que a escravatura era coisa ruim.</div>
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Curioso: sempre julguei que fosse coisa boa. Só assistindo às chibatadas constantes de "12 Anos de Escravidão" entendi finalmente como estava errado.</div>
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Escusado será dizer que, no redundante panfleto de McQueen, os personagens são reduzidos a caricaturas dignas de um filme de James Bond: os maus são muito maus; e os bons são muito bons, com destaque para Brad Pitt, um abolicionista "avant la lettre", com barba de Abraham Lincoln e retórica de Angelina Jolie.</div>
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Aliás, por falar em Angelina, é incompreensível que a própria não tenha feito uma aparição no filme como Embaixadora da Boa Vontade para o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Seria um final perfeito: Angelina, aterrissando na fazenda de helicóptero, salvando todos os escravos e até adotando um deles. Talvez numa próxima.</div>
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E o reencontro feliz? Ah, o reencontro: Martin Scorsese. Momento de nostalgia: Scorsese foi o cineasta da minha formação. Por causa dele, passei uma adolescência em Nova York, cometendo crimes com Johnny Boy (em "Caminhos Perigosos", 1973), viajando no táxi de Travis Bickle (em "Taxi Driver", 1976) ou assistindo aos combates entre Jake La Motta e Sugar Ray Robinson (em "Touro Indomável", 1980).</div>
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Mas nos últimos anos --desde, digamos, "Cassino" (1995)-- havia a terrível sensação de que Scorsese brochara para o cinema. Cada filme dele (o inacreditável "Kundun"; o medíocre "Gangues de Nova York"; mesmo o estimável "Os Infiltrados") era um insulto à minha memória cinéfila e uma confissão de cansaço ou impotência.</div>
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Com "O Lobo de Wall Street", uma extravagância visual alimentada a cocaína do princípio ao fim, Scorsese constrói a sua comédia mais negra, delirante e hilariante sem abandonar, claro, as obsessões morais da sua arte.</div>
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Uma fortíssima educação católica não se apaga da noite para o dia: narrando a história de Jordan Belfort, um corretor de Wall Street na sua demencial escalada para a riqueza, Scorsese vai desfiando, com um frenesi literalmente infernal, todos os pecados que Dante escreveu na primeira parte da sua obra: luxúria, ganância, cólera, fraude e, obviamente, traição.</div>
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O resultado só pode ser mesmo uma divina comédia, dessa vez reforçada por um Leonardo DiCaprio que, aos 40 anos, chegou ao fim da adolescência e entrou definitivamente na idade adulta.</div>
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Obrigado, Mestre: depois do táxi de Travis Bickle e do ringue de Jake La Motta, também não esquecerei este "Grande Gatsby" decadente filmado com o tesão dos velhos tempos".</div>
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<br /></div>
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<span style="color: blue; font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"><b>JOÃO PEREIRA COUTINHO</b></span></div>
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Uma certa idade...http://www.blogger.com/profile/02710853390133423414noreply@blogger.com0